[Embora não esteja de acordo com uma ou outra afirmação contida no texto, reproduzo aqui o ótimo artigo de Luís Nassif acerca do complexo embate deste segundo turno do pleito presidencial]
Xadrez do grande
pacto nacional contra Bolsonaro
Luis Nassif,
Jornal GGN
Peça 1 – tem jogo
A pesquisa DataFolha, com a contagem de 58 a 42 para Bolsonaro em
relação a Fernando Haddad, mostra que tem jogo.
Motivo 1 – Em outras eleições,
com menos volatilidade, houve viradas. A eleição atual é atípica, com mudanças
radicais de posição, criação de ondas de tsunami. Por isso mesmo, não há
estratificação de votos. Nem mesmo entre aqueles que, no primeiro turno,
garantiam votos consolidados.
Motivo
2 –
com Bolsonaro se posicionando sobre diversos temas, em cada posição que assume
deixa de ser a encarnação irracional da unanimidade antissistema, e passa a ser
uma pessoa de carne e osso, sendo desenhada por cada opinião. Aliás, é
curioso que nas duas únicas vezes em que mostrou bom senso – quando disse que a
reforma da previdência deveria ser consensual e que o governo não poderia abrir
mão do controle sobre a geração de energia – foi alvo de críticas de
Carlos Alberto Sardenberg na CBN, filho dessa mistura de liberalismo econômico
cego e autoritarismo político míope. Pelo menos a irracionalidade cega do
mercado ajuda a dissipar sua adesão irracional a Bolsonaro.
Motivo 3 – a onda de ataques de
seus seguidores a adversários por todo o país e a constatação clara de que será
um governo de arbítrio, de selvageria, do qual não sairá incólume nenhuma forma
de poder, da Justiça à mídia.
O exemplo mais flagrante é o inacreditável ex-juiz Wilson Witzel (PSC), candidato ao governo do Rio de Janeiro, ameaçando prender seu opositor, o ex-prefeito Eduardo Paes e se valendo de um amigo juiz para inabilitar outro candidato, Antony Garotinho. E ainda anunciando que acabará com a Secretaria de Segurança para evitar interferência civil no trabalho da polícia.
O exemplo mais flagrante é o inacreditável ex-juiz Wilson Witzel (PSC), candidato ao governo do Rio de Janeiro, ameaçando prender seu opositor, o ex-prefeito Eduardo Paes e se valendo de um amigo juiz para inabilitar outro candidato, Antony Garotinho. E ainda anunciando que acabará com a Secretaria de Segurança para evitar interferência civil no trabalho da polícia.
Os
sinais de fascismo se tornaram tão evidentes que não comportam mais o jogo de
cena de fingir que não se vê a guerra. Até o Ricardo Boechat vai se dar conta
de que as violências que se espalham por todo país não podem ser comparadas a
brigas de torcidas. Entre outros aspectos, pela relevante razão de que nenhuma
torcida organizada esteve perto de assumir o poder de Estado.
Já
se percebe um movimento nítido da mídia de lançar luzes sobre o bolsonarismo.
Nos últimos dois dias, a mídia começa a dar o devido peso a essa onda de
violência, sendo oficialmente apresentada a um fenômeno que só existia nas suas
fantasias antipetistas: o fascismo em estado bruto.
O
sistema Globo é particularmente influente nas grandes metrópoles do sudeste,
onde há maior concentração de votos para Bolsonaro. E poderá jogar um pouco de
luz nos grupos empresariais, tão primários quanto texanos de fins do século 19.
Resta
a outra incógnita da equação: o desafio de reduzir o antipetismo.
O
caminho passa pelo grande acordo nacional, que reedite o pacto da Nova
República. E, aí, Fernando Haddad poderá ter papel fundamental.
Peça
2 – o fim do ciclo da Nova República
Há
vários pontos em comum entre os meses que antecederam a Nova República e o
quadro atual.
A
Nova República foi um pacto de governabilidade que se seguiu ao fim da
ditadura.
Nos
últimos anos, o país experimentou um novo tipo de ditadura, o estado de exceção
em vigor no país, com perseguição aos inimigos, censura ao livre pensamento,
atentados à constituição pelo Supremo Tribunal Federal, abusos de juizes,
procuradores e delegados, e a mídia encetando uma campanha de ódio em tudo
similar aos anos 60. O resultado foram as explosões de violência, preconceito,
intolerância, potencializados pelas redes sociais e de whatsapp.
Agora,
se tem a bocarra escancarada da besta, a poucas semanas de engolfar o país. E,
ainda que algo tardiamente, vai caindo a ficha de todos os protagonistas
políticos, das instituições, mídia, partidos políticos, sobre os riscos de
venezuelização do país.
São
os gatilhos que dão início a um novo pacto de governabilidade.
Peça 3 – a concertação brasileira
Quando
a Espanha estrebuchava no período pós-franquismo, sem conseguir se encontrar,
surge a figura de Felipe Gonzales. Primeiro, unificou a esquerda. Depois, fez
um movimento importante para o centro, colocando o aprofundamento da democracia
como a meta maior. Esvaziou a direita, consolidou a socialdemocracia e acertou
um pacto que garantiu a consolidação da democracia espanhola e se manteve por
muitos anos.
No
Brasil, nenhuma figura pública está mais apta a desempenhar esse papel do que
Fernando Haddad. Mas, para tanto, terá que enfrentar um desafio freudiano:
matar o pai.
Haddad
nutre por Lula o reconhecimento genuíno de um intelectual capaz de entender sua
grandeza política. Mas, no novo tempo que se avizinha, terá a missão de
enterrar o lulismo. Aliás, o próprio Lula há tempos havia se dado conta da
necessidade de superação dessa etapa, quando tentou emplacar Eduardo Campos,
quando apostou em Dilma, a gestora, e mesmo agora, quando ensaiou aproximação
com Ciro Gomes. Mas, principalmente, quando apostou em Haddad como seu
sucessor, por várias razões.
Primeiro,
por ter feito carreira no partido que mais se aproximou do desenho
social-democrata, o PT. Depois, por sempre ter colocado a negociação, a
racionalidade como ponto central de sua atividade como Ministro e como prefeito
premiado de São Paulo, abrindo as portas para a contribuição de diversos setores
– do MTST a ONGs privadas – sem relação direta com o partido. Finalmente, por
uma idoneidade não apenas moral, como intelectual, de jamais ter tergiversado
de suas posições políticas, nem cedendo ao populismo, nem aos acenos do
mercado.
Ou
seja, tem-se as condições políticas para o cargo, um roteiro razoavelmente
definido. Resta saber se Haddad e o próprio PT estarão à altura do momento.
Peça 3 – as condições para o pacto
O
primeiro ponto é isonomia com essa história da autocrítica.
O
PT deve, sim, uma autocrítica por ter enveredado pelas regras do jogo político
tradicional. E se a autocrítica é condição para o eleitor ter a garantia de que
não repetirá os malfeitos, é de se esperar uma autocrítica da Globo, que não
mais estimulará o estado de exceção, como fez de 2013 para cá, processo que
resultou na ascensão do bolsonarismo. Haveria necessidade também de autocrítica
do STF pela quantidade de vezes que se curvou à pressão da besta das ruas,
atropelando a Constituição; da Procuradoria Geral da República, nem se pense em
Rodrigo Janot, que não tem dimensão para esses gestos, mas de Raquel Dodge e da
cúpula do Ministério Público? Do PSDB por ter abdicado da princípios
democráticos e impulsionando o golpe
Para
poupar todos esses personagens da profunda irresponsabilidade com que trataram
o futuro do país, há uma maneira mais indolor e eficaz de purgar os erros e de
mostrar o novo: um grande pacto nacional contra a besta que, desde já, acene
para a opinião pública sobre a extensão do pacto, seus compromissos sociais,
com o desenvolvimento e com o combate sistemático à violência que está
grassando de cabo a rabo no país, no rastro do fenômeno Bolsonaro.
Peça 4 – os personagens
O
desenho ideal futuro para o pacto seria um novo partido, da socialdemocracia
brasileira, com predomínio do PT – como único partido que se manteve
estruturado nesse tsunami, por sua base social e sindical. Mas abrindo as
portas para os setores liberais do PSDB, que serão jogados ao mar caso João
Dória Jr seja eleito governador. E todos os setores racionais do empresariado,
das organizações sociais, do pequeno e micros empresários, da indústria, assim
como os legalistas do Poder Judiciário. E, obviamente, da mídia, com ambos os
lados tapando suas narinas.
O
segundo turno poderá ser a semente dessa movimentação que coloque, em um
partido, o Brasil civilizado, institucional, democrático, contra a barbárie.
A
Nova República exigiu um novo modelo partidário, desde que o bipartidarismo do
regime militar se espatifou. Agora se tem um quadro no qual os dois partidos
que garantiram a governabilidade nas últimas décadas, não podem mais caminhar
sozinhos: o PSDB morto por inanição; o PT pela constatação de que, sozinho,
provavelmente não conseguirá nem a vitória nas eleições, nem a governabilidade.
Esse
risco enorme deverá convencer sua executiva a abrir mão do controle absoluto do
processo e repartir poderes – dentro da estratégia que vem sendo costurada por
Jacques Wagner.
Tem-se,
então, o barco com náufrago em um mar coalhado de tubarões. Terão que se
acertar.
É
nesse clima que poderá emergir a figura de Fernando Haddad. Se bem-sucedido,
poderá ser o Felipe Gonzales brasileiro. Malsucedido, afundará junto com a
democracia brasileira, a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a
Constituição e qualquer réstia de civilização.
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