A
reação do cansaço
Janio
de Freitas, Folha de S. Paulo
As quatro derrotas dos integrantes da Lava Jato, na última semana,
oferecem uma percepção retardatária e bem-vinda. A força e a sequência das
derrotas, apesar das pressões disseminadas pelo grupo, indicam o esgotamento da
tibieza com que autoridades maiores se curvaram a tantos desmandos, à margem da
ação legal contra a corrupção, daqueles juízes e procuradores associados.
Alguns começam a ver as entranhas sob o papel corretivo da Lava Jato.
Se
faltassem exemplos, o fundo financeiro idealizado por Deltan Dallagnol e
seus coordenados exibiria, por si só, todo o descaso do grupo, e de cada
componente, por seus limites funcionais e legais. Deslocar R$ 2,5 bilhões de
multa aplicada à Petrobras, tornando-os um fundo sob influência do grupo da
Lava Jato, constituiu uma pretensão tão audaciosa, que exigiu práticas bem
conhecidas dos procuradores e juízes moralizadores.
Primeiro
forçar o acordo de desvio da multa devida à União ao Estado. Depois, firmar
esse acordo, sem poder para tanto. Depois, incluir no projeto a ser examinado
pela Justiça a afirmação falsa de que, nos termos negociados pela
Petrobras para sua dívida nos Estados Unidos, ou os bilhões iriam para o tal
fundo ou iriam para os americanos. É o grupo da Lava Jato aplicando os métodos
de muitos dos seus presos e condenados por utilizá-los.
O Supremo Tribunal Federal destruiu o plano, dando motivo a uma
decisão do ministro Alexandre de Moraes arrasadora, nos sentidos jurídico e
moral. Já era a segunda derrota do grupo, porque sua chefe, a procuradora-geral Raquel Dodge, preferira abrir um conflito com a
Lava Jato a admitir o negócio de fundo em nome do Ministério Público. Seu
parecer pediu ao Supremo a rejeição do fundo e a anulação do acordo respectivo,
por inconstitucionais no teor e inaceitáveis na
forma de obtê-los. O Supremo decidiu, ainda, que o caixa dois das campanhas eleitorais (o dinheiro não declarado) e os crimes
conexos (por exemplo, lavagem do dinheiro, retribuição por meio do Estado) são
inseparáveis para o processo e o julgamento, que cabem à Justiça Eleitoral,
como diz o seu Código.
A
pressão da Lava Jato pela decisão oposta foi tão forte que indignou ministros
do Supremo, como o decano Celso de Mello. Consumada essa terceira derrota, Deltan Dallagnol considerou que a decisãoda
maioria dos ministros “começa a fechar a janela do combate à corrupção”. Acusações
assim, e ainda mais fortes, têm sido usuais em integrantes da Lava Jato contra
o Supremo.Gilmar Mendes é um alvo particular, mas os
demais ministros não escaparam de represálias verbais por eventual desacordo
com a Lava Jato. Dias Toffoli é
o primeiro presidente do tribunal a adotar uma atitude contra essa prática, em
que diz haver “ofensas criminosas”. Abriu, a respeito, um inquérito que, se
levado a sério, tratará sobretudo da respeitabilidade do Supremo tão
questionada, no país todo.
O
esgotamento da complacência com os abusos de poder da Lava Jato se dá —é
interessante isso— quando as condições lhes foram mais favoráveis. Até para
avançarem ainda mais em poderes alheios. O governo de Jair Bolsonaro e
a Lava Jato têm muitas afinidades, inclusive da atribuição de fins também
religiosos ao poder público. Mas é possível que o desgoverno Bolsonaro, com o
pasmo e a preocupação que causa, tenha dado contribuição involuntária, e ainda
assim significativa, para o cansaço reativo onde reagir é menos
conturbador.
Como
complemento, também Sergio Moro —
o ministro da carta branca que não pode indicar nem suplente de conselho —
começa a passar por uma revisão de conceito entre seus admiradores. Em quase
três meses, ainda não disse por que ser ministro. E o que disse, seria melhor
ter calado. Sob sua inutilidade, o crime avança para mais brutalidade.
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