07 março 2019

Foi no carnaval que passou...


Entre os camarotes e o chão
Luciano Siqueira

Tudo na vida suscita diferentes formas de abordagem. Ou de vivência. Como os festejos populares, de que cada um participa a seu modo, ou não participa.
Diz-se que em Pernambuco o carnaval é a maior festa. Suspeito que perde em volume de participação popular espontânea para o São João. 
Mas cabe controvérsia. E, quem sabe, alguma pesquisa venha um dia a esclarecer a questão.
Mas ninguém pode desconhecer a força do carnaval — seja pela vibração das multidões, ao passo do frevo ou do maracatu ou do samba, seja mesmo pela rica história de luta que encerra.
O direito de brincar livremente nas ruas, no Recife a massa do povo conquistou com muita luta e sangue, nas primeiras décadas do século passado. Antes se permitia ao populacho tão somente assistir a desfiles de agremiações e carros alegóricos das elites.
Aos poucos, enfrentando inclusive severa repressão policial, os cordões de gente simples, trabalhadores, negros, pardos, tendo à frente corajosos capoeiristas, abriram espaços no chão para que também fizessem suas evoluções e vivessem a alegria esfuziante.
Passos do frevo derivam das manobras de capoeiristas, assim como as conhecidas sombrinhas multicolores originam-se de guarda-sóis e suas hastes metálicas, usados como autodefesa. 
Pois bem. O poder público entra com o apoio material e organizativo (em certa medida) tanto quanto é possível. Ajuda, apenas. O principal o povo faz.
Mas na melhor tradição clientelista — essa errônea ideia de que o Estado existe para satisfazer necessidades individuais —, nós que governamos a cidade somos abordados de muitas maneiras por gente que quer alguma facilidade, seja qual for.
Há cinco anos o atual prefeito, de quem sou com muita honra seu vice, Geraldo Julio, aboliu o camarote da Prefeitura no desfile do Galo da Madrugada.  Sábia decisão, pois além dos custos contrastantes com a crise de financiamento das cidades, pesava sobre o governo todo tipo de pressão pelo acesso ao tal camarote. Uma agonia!
Pois apesar dos cinco anos passados, ainda hoje recebo pedidos advindos de variados segmentos sociais, inclusive das chamadas autoridades constituídas em cargos proeminentes em instituições republicanas: muita gente quer porque quer um “convite” para o dito camarote extinto.
Este ano vários pedintes inauguraram uma variante: será que o vice-prefeito não conseguiria acesso a camarotes privados, patrocinados por empresas prestadores de serviço ao governo municipal? Pouco importa qual tipo de relação (inadequada) entre o governante e a chamada iniciativa privada.
Lamentável, pois nada se compara ao carnaval vivido no chão, no meio da massa, na alegria, no peito e na raça.
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