26 maio 2019

Futebol brasileiro em transe


Mesmo com craques, equipes desorganizadas não ganham campeonatos

Tostão, na Folha de S. Paulo
Na coluna anterior, tive um lapso de memória, frequente em um jovem de 72 anos, ao dizer que Felipão, contra o Santos no Pacaembu, deixou Luan livre para aproveitar os espaços deixados pela adiantada marcação do adversário. Queria dizer Dudu. Li o texto umas mil vezes e não percebi. Devo ter pensado no Luan do Atlético, também baixinho e com um nome com quatro letras.
Por falar em espaços, escrevi que havia muitos espaços no lado esquerdo da seleção na Copa de 2018, pois Marcelo avançava e tinha pouca ajuda de Coutinho e de Neymar, que atuavam por esse lado. Pela direita, não havia problema, pois William, mesmo jogando mal na Copa, voltava muito para marcar e proteger Fagner.
Na Copa América, Daniel Alves, com 36 anos, será titular. No PSG, ele joga de meia-direita ou como ala, no esquema com três zagueiros. Daniel Alves sempre se destacou pelo apoio. É um armador pela direita. Com o tempo, passou a avançar menos. Como a seleção atual deve jogar com Richarlison pela direita, um atacante que entra pelo meio, vão faltar as jogadas ofensivas pela ponta, vai faltar amplitude, outra palavra do novo dicionário futebolês.
Espaço também me lembra de Chico Buarque, gênio da música e da literatura, ganhador do prêmio Camões, o maior da língua portuguesa. 
Nos anos 1960, Chico dizia que os europeus eram os donos do campo, pela ocupação dos espaços e pelo jogo organizado, enquanto os brasileiros eram os donos da bola, por tratá-la com carinho e inventividade.
Em junho, começa a Copa América. Por causa da contratação dos melhores jogadores sul-americanos, a diferença do nível técnico dos grandes times europeus em relação aos times sul-americanos é muito maior do que a diferença entre as seleções dos dois continentes. Mesmo assim, os europeus ganharam as últimas quatro Copas do Mundo.
Na realidade, o Brasil produz um número enorme de bons jogadores, espalhados pelo mundo, mas, com exceção de Neymar, não tem um grande craque do meio para frente, que esteja entre os melhores do mundo da posição. Mesmo Neymar, por outros motivos, não tem aparecido nas últimas eleições da Fifa. Além disso, brevemente, não haverá um substituto nas laterais à altura de Marcelo e de Daniel Alves, que foram os melhores do mundo em suas posições, durante longo tempo.
Além dos dois, o Brasil sempre teve excelentes laterais, desde os anos 1950. O argentino Sorín disse que veio para o Brasil para entender a razão de tantos craques na posição.
O mundo e o futebol mudaram nas últimas décadas. Muitos não perceberam. Continuam reféns das convicções do passado, em todas as áreas. Acham que a melhor e mais segura maneira de jogar é tirar rapidamente a bola de seu campo e colocá-la na área adversária. Não percebem que a bola vai e volta, com perigo.
Há ainda os que pensam que o mundo e o futebol começaram com a internet, com as milhares de estatísticas, com os mapas de calor sobre a movimentação dos jogadores e com os externos desequilibrantes.
O futebol é um jogo coletivo. Os craques são fundamentais, mas equipes desorganizadas, mesmo com craques, não ganham campeonatos. Apenas brilham em momentos esporádicos. Os detalhes táticos e estatísticos, os números, a análise de desempenho e toda a evolução científica são importantes, porém, a obsessão por tudo isso faz com que os futuros craques sejam tratados da mesma maneira que os medianos. O Brasil, para voltar a ser o melhor, precisa ser o dono do campo e da bola.
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