Sinais do
risco
Janio de Freitas,
na Folha de S. Paulo
As palavras, a forma, variam um
pouco. O motivo é invariável. "A democracia está em risco?" /
"resistirá por quatro anos?" / "vão esperar que aconteça o
quê?"
As perguntas são também respostas preliminares, como expressões
de um sentimento que se espraia e se aprofunda. Indagações inquietas são
percebidas até em parlamentares vividos que se apresentaram, no início da
legislatura, dispostos a apoiar Bolsonaro.
Enganam-se os que difundem as sucessivas derrotas de Bolsonaro e
Sergio Moro no Congresso como represália, por falta de toma lá dá cá, ou falha
de coordenação no governismo. Bolsonaro tentou. Mas as promessas de mais
ministérios para mais nomeações e, ainda melhor, de R$ 1 bilhão para destinação
pelos parlamentares não evitaram as derrotas dele e de Moro.
Bolsonaro é adepto confesso de ditadura. Os contatos que seus
emissários têm buscado, no exterior, são com os governantes opressores, na
Hungria, na Polônia, na Itália, em Israel. Não é à toa, claro. Tanto pode ser
para uma rede de apoios mútuos do direitismo extremado, como —o mais provável—
para coleta de vitoriosos modelos de avanço sobre o Legislativo e o Judiciário.
Não falta quem esteja atento, na Câmara e no Senado brasileiros,
para os atos de desgaste que Bolsonaro lhes dirige. Agora adotados também por Paulo Guedes,
com sua ameaça, recebida como chantagem política, de deixar o
governo se a "reforma" da Previdência não sair do Congresso ao seu
agrado. O provável é que Paulo Guedes se surpreenda com a resposta prática à
ameaça.
A liberação da posse armas, inclusive de fuzis no decreto
original, recebeu várias explicações. Fora delas, eis a recomendável: é, no
mínimo, uma provocação, de variados alcances. O que não exclui outros objetivos
possíveis. O argumento de que Bolsonaro cumpriu o que disse na campanha só é aplicável
por bobos e cínicos. E aceito por bobos e distraídos. Bolsonaro disse também,
por exemplo, que ia retirar o Brasil da ONU. Onde está a palavra dada nessa e
em tantas outras maluquices de igual quilate? Ocasiões para cumpri-la não
faltaram, em seus cinco meses de tanta enrolação e nenhum momento produtivo.
Tanto quanto a Bolsonaro, a liberação de armas põe em questão os
quase incontáveis militares do governo: nem um só foi capaz de uma atitude, uma
palavra ao menos, em favor do bom senso e da vida civil. Há meia dúzia de
meses, o Exército estava ainda como interventor no Estado do Rio e em operação
no Rio Grande do Norte contra ataques de quadrilhas. Essas ações do Exército
confirmam a responsabilidade que assume pela segurança da população. Responsabilidade
inconciliável com a medida que não diminui a insegurança, só pode aumentá-la.
Ainda assim, aceita e avalizada pelo silêncio dos generais que, não adiantam as
negações, representam o Exército no governo mais do que o próprio Ministério da
Defesa.
A democracia começa a ficar fora de controle. Com ela, Bolsonaro
nunca teve compromisso, nem quando congressista. Se os generais representantes
do Exército e o Ministério da Defesa aceitam medida contrária à segurança
pública que a Constituição lhes atribui, o risco vai mais longe. É também
institucional: os militares expõem a possibilidade de sua maior concordância
com Bolsonaro do que a democracia suportaria. É uma hipótese em aberto.
Clareada em um ou em outro sentido, servirá de base para uma resposta objetiva
àquelas perguntas iniciais.
No que a democracia depender de Bolsonaro, o já indiscutível é
sucinto: estamos diante de uma aberração.
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