Delinquência múltipla
Janio de
Freitas, na Folha de S. Paulo
Nada aconteceu ao acaso nesta etapa fúnebre do nosso fracasso
como país. A partir de tal premissa, é preciso dizer que os atos
delinquentes de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros da Lava Jato só
puderam multiplicar-se por contarem com o endosso de vozes e atitudes que
deveriam eliminá-los. É preciso, pois, distribuir as responsabilidades anexas à
delinquência, não pouco delinquentes elas mesmas.
É preciso dizer que a imprensa, incluído o telejornalismo, foi
contribuinte decisivo nas ilegalidades encabeçadas por Sergio Moro.
Aceitou-as, incensou-o, procurou tornar o menos legíveis e menos audíveis as
deformações violadoras da ordem legal e da ética judiciária.
Os episódios de transgressão sucederam-se, ora originários de
Moro, ora do ambiente de fanatismo imperante entre os procuradores. Com o
cúmulo do desatino e do extemporâneo no espetáculo de Deltan e da psicótica
rosácea de acusações ao alvo de sua obsessão.
É preciso dizer que as advertências de juristas e advogados de
alta reputação, não faltando nem livros de reunião e análise de muitas das
transgressões, tiveram mais do que o espaço para o escapismo do “nós
publicamos”. Foram vistos muitas vezes como interesseiros políticos ou
profissionais. Era, no entanto, o caso de clamor, de defesa aguda dos
princípios constitucionais e da legislação, se a imprensa quer afirmar-se
democrata, ao menos quando se trata da sua liberdade plena.
A conduta da imprensa tem nomes, não foi anônima nem está
encerrada. Nem corrigida: as críticas de um ou outro comentarista não
compensaram o rápido esvaziamento das revelações do competente The Intercept
Brasil.
É preciso dizer que a mais alta instância de defesa dos direitos
civis, da Constituição e do corpo de leis foi coadjuvante nas condutas ilegais
de Sergio Moro. O Supremo Tribunal Federal, principalmente pelos ministros Teori Zavascki e Edson Fachin,
relatores da Lava Jato, Cármen Lúcia e Luiz Fux, teve o dever de reprimir,
cedo, qualquer pilantragem judicial. Preferiu não o fazer, ou por demagógico
medo de desagrados externos, ou por sujeição majoritária à ideologia. Poucos
ficaram ilesos.
É preciso dizer que o Conselho Nacional de Justiça está
necessitado de recuperação judicial. Sua razão de ser é zelar por prestação de
Justiça a mais coerente com a legislação, o que implica correção processual,
imparcialidade e ética, como explicitadas nos códigos específicos. Apesar
disso, nenhum recurso, advertência ou aviso sobre o infrator Moro teve mais
consequência do que o arquivamento. Em mais de meia centena de casos, endosso
das artimanhas de Moro sem exceção. O papel do CNJ é vizinho do vergonhoso.
É preciso dizer que o Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP) praticou justiça: deu aos dallagnois o aval que seu equivalente na
magistratura deu a Sergio Moro. Esse conselho é o vizinho do vizinho. Mas no
Ministério Público não basta a quota de responsabilidade dos procuradores em
Curitiba e no CNMP.
A proteção dada pelo então procurador-geral
Rodrigo Janot foi
a todos os abusos de poder, perversões na invocação de leis, arbitrariedades
com as famílias de delatados. Mais de uma vez, Janot divulgou notas de
restrição a condutas abusivas. Todas só para enganar a opinião pública, todas
descumpridas com o seu amparo.
É indispensável reconhecer que Gilmar Mendes esteve certo nos
seus ataques a procedimentos de Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato.
Sem subscrever suas pesadas palavras, o sentido do muito que disse, com
desprezo de vários colegas, foi verdadeiro. Os que apontaram as condutas
transgressoras da Lava Jato foram muito atacados, mas eram os que estavam
certos. Está provado, com as vozes dos políticos Sergio Moro e Deltan
Dallagnol.
[Ilustração: Isabel Baptista]
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