Quem
tem medo do controle social?
Luciano Siqueira
A
receita ultraliberal, adotada em boa parte do mundo afora e implementada no
Brasil pela equipe econômica do presidente Bolsonaro, traz em sua essência duas
incompatibilidades: uma, com as necessidades básicas da maioria da população; a
outra, verdadeira ojeriza à democracia.
A
ultraconcentração da produção, da renda e da riqueza implica em exclusão de
contingentes crescentes dos sem capital. O que se agrava com as transformações
operadas no mundo do trabalho, na esteira da chamada revolução 4.0: postos de
trabalho convencionais são eliminados em velocidade jamais vista.
Um
modelo assim não pode conviver com o livre debate. E os que governam, por seu
turno, temem o controle social.
No
Brasil, a governança permeável ao controle social é uma conquista da sociedade
civil na Constituinte de 88.
Jair Bolsonaro
cuidou de aniquilar de pronto essa conquista, extinguindo (no centésimo dia de
governo) dezenas de colegiados da administração federal com a participação da
sociedade civil. Incluindo órgãos eminentemente técnicos, mutilando
estruturas de ação governamental, como ocorre com o sistema de controle
ambiental – mais do que evidente no transcurso do atual desastre ecológico pelo
derrame de óleo em praias no Nordeste e do Espírito Santo.
E o fez com
argumentação tendenciosa e inverídica, sugerindo que estaria promovendo "gigantesca
economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas
politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e
atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com
as reais necessidades da população", conforme registrou na ocasião em suas
redes sociais.
De
uma só canetada, atingiu conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas,
equipes, mesas, fóruns, salas e "qualquer outra denominação".
Hoje,
passados mais de 600 dias de gestão, o sentido antidemocrático da medida tem
sido corroborado através de um sem número de declarações e atitudes estapafúrdias
do presidente, tendo como alvo os princípios e as práticas democráticas.
Até
na esfera partidária, ele que já frequentou oito legendas, acaba de se
desfiliar do PSL, partido pelo qual se elegeu presidente da República,
assumidamente com a intenção de criar novo partido que possa chamar de seu.
Entrementes,
os múltiplos segmentos sociais que se espraiam numa postura crítica e as agremiações
partidárias de oposição ainda parecem subestimar o alcance e a gravidade do
verdadeiro desmonte do Estado democrático em curso no governo Bolsonaro. Padecem
de um egocentrismo que urge superar. Antes que seja tarde.
[Ilustração: Hilma af Klint]
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