27 abril 2020

Crise e decadência


Sérgio Moro fora do governo. O que foi isso?
Edilson Silva

Bolsonaro se viu isolado e perdido em seu próprio governo há pouco mais de duas semanas. Tornou-se naqueles dias um ex-presidente em exercício. Uma coalizão inédita se fez em torno de Mandetta e ele viu a “água bater no nariz”, com a possibilidade de impeachment se tornando real. Sua influência nas redes digitais sofreu forte abalo.

Bolsonaro reagiu, foi pro tudo ou nada, indo pra rua sem máscara, coçando o nariz e apertando a mão das pessoas. Desmoralizou Mandetta, lhe demitiu, se fortaleceu. Foi pra ato de rua que pedia a volta do AI-5 pra testar a capacidade de reação da democracia brasileira e reaquecer sua base social militante. Teve êxito. Correu atrás do prejuízo e percebeu que tinha que recompor uma base de apoio mais sólida na superestrutura política e no próprio governo, pois não basta ter apoio de 30% da população (pesquisas apresentam isso) e frequentar mobilizações de rua sem peso significativo, apenas simbólico.

Por isso, está aproximando e empoderando os generais ainda mais em seu governo e está correndo atrás de derreter a base de Rodrigo Maia na Câmara: o Centrão. Neste contexto, o presidente da Câmara precisa ser demonizado e alçado à condição de inimigo central do governo, figura a ser abatida. No mesmo contexto, figuras como Roberto Jeferson, presidente nacional do PTB e que dispensa apresentações, ganha destaque na articulação política desta nova relação do governo com o Centrão.

Nessa estratégia, o general Braga Neto subiu ainda mais de posição, sendo colocado na condição de porta voz de uma mudança de contorno econômico do governo. Guedes foi silenciado e o núcleo militar autorizado a falar em investimento público, ainda genérico, mas uma espécie de novo PAC. Nos últimos dias, 40 dos maiores empresários brasileiros estiveram reunidos com o general Braga Neto. E convenhamos, Bolsonaro nunca foi fã de liberalismo em nenhuma dimensão.

Pra atrair o centrão na Câmara, além do “toma lá dá cá” tradicional, o teatrinho de Moro precisaria ser anulado em seus poderes sobre as investigações da Polícia Federal, que atormentam o clã Bolsonaro, mas também desagradam o pensamento mediano na Câmara. A popularidade de Moro, sua perspectiva de presidenciável para 2022, e sua narrativa de “dono” da luta contra a corrupção, mantendo um núcleo duro sob seu comando, remanescentes da “Lava Jato”, não combinavam com as necessidades urgentes de Bolsonaro. E todos sabem que Moro fez o que fez com o PT, Dilma e Lula e que, portanto, não hesitaria em usar este poder para pavimentar seu caminho ao Planalto em 2022, inclusive desconstruindo Bolsonaro e aliados, com os mesmos truques usados na Lava Jato, numa parceria com interesses de grandes meios de comunicação.

Moro se tornou um empecilho e o melhor momento para tirá-lo, na estratégia de Bolsonaro, era exatamente em meio à pandemia, e aproveitando a mesma ofensiva e a consequente turbulência criada com a saída de Mandetta.

Se esta avaliação estiver correta, não nos surpreendamos se o “posto Ipiranga”, Paulo Guedes, for demitido nas próximas semanas. Admitamos, no entanto, que não é apenas a estratégia de Bolsonaro que torna Guedes obsoleto neste momento, mas a própria conjuntura aberta com as necessidades do país no pós coronavírus. A cartilha liberal ortodoxa de Guedes só serve para tempos de bonança para os grandes empresários.

As primeiras horas após a coletiva em que Moro se demitiu nos brindaram com “detalhes” importantes. No pronunciamento de Bolsonaro, notem a empolgação das palmas do vice-presidente Mourão ao final da fala do titular. Não foi protocolar, foi de vibração. Tudo indica que ali se manifestava uma satisfação de quem estava bem contemplado.

Detalhe dois: Moro entregou ao Jornal Nacional, com exclusividade, prints de conversas suas com Bolsonaro e a deputada Carla Zambelli. O JN tratou os prints como “provas”, bem diferente da forma como foram tratados os prints do The Intercept sobre Moro e a turma da Lava Jato. Há um antigo entrosamento aí.

Contudo, não me parece, de onde vejo, que Bolsonaro tenha saído menor na trocação de peças neste xadrez. Se rearranjou com os generais, encontrou um caminho pra disputar o controle da Câmara, desidratou a maior sombra que tinha em seu governo. Os próximos dias serão fundamentais para definir a dinâmica do incêndio, mas saibamos que o presidente se sente à vontade em altas temperaturas. Já provou isso.

O jogo, ao que tudo indica, vai ficar mais pesado. O impeachment de Bolsonaro, se antes disso já estava difícil e traumático, agora se tornou ainda mais, em que pese o ambiente jurídico para tal nunca ter estado tão propício. Mais forças políticas vão pedindo o impeachment, mas só uma ampla coalizão conseguirá fazê-lo sair das intenções.

Quanto mais tempo Bolsonaro fica no governo, mais perigosa fica a situação para a nossa democracia e para o povo brasileiro. Um governo miliciano, apoiado por generais, utilizando de forma não republicana a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal, é algo tão assustador que nos faz até esquecer por uns instantes a pandemia do coronavírus.

Saiba mais https://bit.ly/2ySRLkm

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