Um
mundo de dores
melka*
“a felicidade não é deste mundo" é o que diz o evangelho segundo o espiritismo, eu que ando mais apegada com a fé que nunca, acredito nessa máxima. vivemos em um mundo de dores, e eu não tenho dúvidas que é o que a maioria das pessoas sente, muita dor na maioria dos seus dias. a maioria das pessoas em todos os cantos do mundo vive lutando, suando, enfrentando, tentando sobreviver. ainda sou só dor do que aconteceu com nosso Miguel, porque ele agora é nosso, mas semana passada foi com George nos EUA, e todos os dias está acontecendo também com milhares, MILHARES de brasileiros e brasileiras devido à pandemia do novo coronavírus.
esses acontecimentos diários, que consideramos tão injustos e que de fato são, doem tanto pra quem sente, e todas as vezes que sinto isso, olho pra vida que não para e continua exigindo tudo da gente, estudar, trabalhar, reunir, cuidar e inclusive lutar contra tudo isso, o mundo não para pra que a gente se cure, a vida foi feita pra gente seguir com as feridas abertas e ir assim mesmo. a gente só precisa arrancar força de onde nem sabe que tem e ir.
mudando um pouco de assunto, lembrei dia desses de uma professora da UPE, Maria do Carmo Brandão, uma vez ela falou assim enquanto reuníamos "a democracia é uma coisa muito difícil", e como é. conviver com opiniões que divergem da nossa forma de ver o mundo não é tarefa fácil, deve ser por isso que a gente tenha tanta necessidade de se organizar com os pensamentos afins aos nossos como nos partidos, coletivos, e organizações diversas, é um lugar confortável e que nos fortalece pra luta, pro enfrentamento quando necessário.
então eu me pergunto, quando não é mais uma questão de opinião? qual o limite de ser só uma opinião? na minha opinião quando essas opiniões contribuem para lesar alguma pessoa, ela deixa de ser opinião e pra mim elas são percepções de mundo, que estão erradas e precisam ser combatidas pra que elas não afetem a vida coletiva em sociedade. vamos voltar a falar de Miguel e das milhares de perdas diárias. como você enxerga a morte desse menino? como mãe eu só consigo sentir dor e revolta, por que aquela mulher que tem nome de monarca não fechou a porta com chave pra ele não sair? por que não arrancou ele do elevador? dói tanto, porque eu faria isso sabe? acho que tanta gente faria também.
mas eu militante, preciso apresentar pra vocês como eu enxergo a morte de Miguel pelo viés da luta que eu faço parte, da luta de classes, gênero e raça, que pra mim é tão simples de enxergar, que é a forma que vejo o porquê de perdermos Miguel e como vejo o mundo. estamos em quarentena, o isolamento social é a maior arma de combate de propagação do vírus Sars-Cov-2 Miguel e Mirtes deveriam estar em casa, o trabalho doméstico não é serviço essencial, li recentemente que o Brasil é o país que mais tem empregadas domésticas no mundo, isso só demonstra o quanto nossa elite é tão acostumada a não lavar o próprio prato que come, nem mesmo em quarentena, por isso Mirtes estava trabalhando, por necessidade, e isso é uma questão de classe.
e sabem por que Miguel estava em seu local de trabalho? primeiro porque ele não tem escola, estamos em quarentena, e depois por que ela é mãe, às mães são delegadas a função do cuidar, quem ficava com Miguel era a avó, e pra nossa infelicidade nesse dia ela também mulher responsável pelo cuidar do neto, não pôde. eu não sei se Miguel tem pai, mas onde tava o pai dele? uma coisa eu sei, eu tenho certeza que naquele momento Mirtes não tinha com quem contar, ela tava cumprindo papel de trabalhadora e mãe ao mesmo tempo e isso é uma questão de gênero.
e Mirtes e Miguel estavam nas torres, ela trabalhando, ele acompanhando a mãe, mesmo em quarentena porque nosso país carrega muitas marcas da escravidão, a maioria das empregadas domésticas são pretas ou pardas, assim como nas comunidades e favelas, assim como nos presídios, assim como à margem de tudo que não dá oportunidades pra nossa cor e isso é uma questão de raça. e sobre as milhares de morte, sabe como eu vejo? se a gente tivesse presidente, deputados, senadores e governadores falando a mesma língua, cumprindo o que recomendam as autoridades sanitárias, dando condições pras pessoas ficarem em casa, investindo nos equipamentos de saúde, essas mortes seriam muito menores.
aí eu fico lendo opiniões diversas, de amigos, parentes, pessoas aleatórias na internet e me pergunto, como essas pessoas não conseguem enxergar isso? como as pessoas conseguem ter uma percepção tão divergente da minha? e é quando volto pras questões de "opinião", eu sei que não existem verdades absolutas, mas eu escolho a minha, minha verdade não mata, não machuca, pode até ofender com minha postura muitas vezes incisiva de defender o que defendo, mas é tentando achar o caminho de um mundo com menos dor, e são dias doloridos.
melka*
“a felicidade não é deste mundo" é o que diz o evangelho segundo o espiritismo, eu que ando mais apegada com a fé que nunca, acredito nessa máxima. vivemos em um mundo de dores, e eu não tenho dúvidas que é o que a maioria das pessoas sente, muita dor na maioria dos seus dias. a maioria das pessoas em todos os cantos do mundo vive lutando, suando, enfrentando, tentando sobreviver. ainda sou só dor do que aconteceu com nosso Miguel, porque ele agora é nosso, mas semana passada foi com George nos EUA, e todos os dias está acontecendo também com milhares, MILHARES de brasileiros e brasileiras devido à pandemia do novo coronavírus.
esses acontecimentos diários, que consideramos tão injustos e que de fato são, doem tanto pra quem sente, e todas as vezes que sinto isso, olho pra vida que não para e continua exigindo tudo da gente, estudar, trabalhar, reunir, cuidar e inclusive lutar contra tudo isso, o mundo não para pra que a gente se cure, a vida foi feita pra gente seguir com as feridas abertas e ir assim mesmo. a gente só precisa arrancar força de onde nem sabe que tem e ir.
mudando um pouco de assunto, lembrei dia desses de uma professora da UPE, Maria do Carmo Brandão, uma vez ela falou assim enquanto reuníamos "a democracia é uma coisa muito difícil", e como é. conviver com opiniões que divergem da nossa forma de ver o mundo não é tarefa fácil, deve ser por isso que a gente tenha tanta necessidade de se organizar com os pensamentos afins aos nossos como nos partidos, coletivos, e organizações diversas, é um lugar confortável e que nos fortalece pra luta, pro enfrentamento quando necessário.
então eu me pergunto, quando não é mais uma questão de opinião? qual o limite de ser só uma opinião? na minha opinião quando essas opiniões contribuem para lesar alguma pessoa, ela deixa de ser opinião e pra mim elas são percepções de mundo, que estão erradas e precisam ser combatidas pra que elas não afetem a vida coletiva em sociedade. vamos voltar a falar de Miguel e das milhares de perdas diárias. como você enxerga a morte desse menino? como mãe eu só consigo sentir dor e revolta, por que aquela mulher que tem nome de monarca não fechou a porta com chave pra ele não sair? por que não arrancou ele do elevador? dói tanto, porque eu faria isso sabe? acho que tanta gente faria também.
mas eu militante, preciso apresentar pra vocês como eu enxergo a morte de Miguel pelo viés da luta que eu faço parte, da luta de classes, gênero e raça, que pra mim é tão simples de enxergar, que é a forma que vejo o porquê de perdermos Miguel e como vejo o mundo. estamos em quarentena, o isolamento social é a maior arma de combate de propagação do vírus Sars-Cov-2 Miguel e Mirtes deveriam estar em casa, o trabalho doméstico não é serviço essencial, li recentemente que o Brasil é o país que mais tem empregadas domésticas no mundo, isso só demonstra o quanto nossa elite é tão acostumada a não lavar o próprio prato que come, nem mesmo em quarentena, por isso Mirtes estava trabalhando, por necessidade, e isso é uma questão de classe.
e sabem por que Miguel estava em seu local de trabalho? primeiro porque ele não tem escola, estamos em quarentena, e depois por que ela é mãe, às mães são delegadas a função do cuidar, quem ficava com Miguel era a avó, e pra nossa infelicidade nesse dia ela também mulher responsável pelo cuidar do neto, não pôde. eu não sei se Miguel tem pai, mas onde tava o pai dele? uma coisa eu sei, eu tenho certeza que naquele momento Mirtes não tinha com quem contar, ela tava cumprindo papel de trabalhadora e mãe ao mesmo tempo e isso é uma questão de gênero.
e Mirtes e Miguel estavam nas torres, ela trabalhando, ele acompanhando a mãe, mesmo em quarentena porque nosso país carrega muitas marcas da escravidão, a maioria das empregadas domésticas são pretas ou pardas, assim como nas comunidades e favelas, assim como nos presídios, assim como à margem de tudo que não dá oportunidades pra nossa cor e isso é uma questão de raça. e sobre as milhares de morte, sabe como eu vejo? se a gente tivesse presidente, deputados, senadores e governadores falando a mesma língua, cumprindo o que recomendam as autoridades sanitárias, dando condições pras pessoas ficarem em casa, investindo nos equipamentos de saúde, essas mortes seriam muito menores.
aí eu fico lendo opiniões diversas, de amigos, parentes, pessoas aleatórias na internet e me pergunto, como essas pessoas não conseguem enxergar isso? como as pessoas conseguem ter uma percepção tão divergente da minha? e é quando volto pras questões de "opinião", eu sei que não existem verdades absolutas, mas eu escolho a minha, minha verdade não mata, não machuca, pode até ofender com minha postura muitas vezes incisiva de defender o que defendo, mas é tentando achar o caminho de um mundo com menos dor, e são dias doloridos.
*Melka Pinto,
ex-presidente da União dois Estudantes de Pernambuco-UEP, é enfermeira na rede
pública.
[Ilustração: Artur Bual]
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