12 novembro 2020

Tendências detectadas

Eleição nas capitais dificilmente terá onda de direita como nas disputas de 2016 e 2018

Análise compara a posição dos atuais prefeitos no GPS Ideológico com a dos candidatos favoritos no pleito municipal

Daniel Mariani, Fábio Takashi e Diana Yukari, na Folha de S. Paulo

 

A onda de direita que ganhou impulso na eleição municipal de 2016 e virou maremoto em 2018 não deve seguir o curso neste ano. Os candidatos favoritos nas capitais tendem a estar mais à esquerda e ao centro do que os atuais prefeitos.

A análise tem como base o GPS Ideológico, ferramenta da Folha que monitora o debate político no Twitter, atualizada neste mês. Os perfis são posicionados numa reta, do ponto mais à direita ao mais à esquerda, considerando o perfil dos seguidores das contas (clique aqui para ver a reta completa).

A reportagem comparou a posição dos atuais prefeitos com a dos primeiros e segundos colocados nas capitais, de acordo com os resultados dos institutos Datafolha e Ibope.

Em 11 capitais, os primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto estão mais à esquerda do que o atual prefeito.

Na outra ponta, apenas seis candidatos favoritos estão mais à direita do que o atual mandatário.

Além de estarem em maior número como favoritos, esses candidatos mais à esquerda também têm um perfil de seguidores que se diferenciam mais do atual prefeito.

Numa escala de 0 a 100 pontos, os favoritos mais à esquerda estão 16 pontos em média à esquerda dos atuais mandatários. Na direita, são apenas 7 pontos mais à direita.

O caso mais emblemático no movimento à esquerda é o de Porto Alegre, onde Manuela D'ávila (PCdoB), primeira colocada nas pesquisas, é 38 pontos mais à esquerda na escala ideológica do que o prefeito atual, Nelson Marchezan Jr (PSDB).

A segunda maior diferença é em Belém, onde Edmilson Rodrigues (Psol) tem um perfil de seguidores 34 pontos à esquerda do atual prefeito, Zenaldo Coutinho (PSDB).

Entre os candidatos favoritos que estão mais à direita, a maior diferença aparece em Cuiabá, onde Abilio (Podemos) é 12 pontos mais à direita do que o prefeito Emanuel Pinheiro (MDB).

Em São Paulo, maior cidade do país, o favorito no pleito é o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB). Se considerado o resultado da urna de 2016, uma vitória de Covas pode ser vista como deslocamento à esquerda, pois o eleito naquele ano, o agora governador João Doria (PSDB), está à direita do atual prefeito.

Outro ponto negativo para o espectro conservador é que os candidatos que estão mais à direita no GPS Ideológico tendem a estar mal posicionados nas pesquisas do Datafolha e do Ibope.

Alguns dos exemplos são Bruno Engler (Belo Horizonte-PRTB) e Luiz Lima (Rio de Janeiro-PSL), que estão em alguns dos pontos mais à direita da reta e não passaram dos 5% de intenções.

A eventual perda de força da direita no pleito de domingo é uma má notícia para o presidente Jair Bolsonaro, pois os perfis nesse espectro tendem a ter alinhamento com sua base.

O movimento recente em direção à direita, que culminou com a eleição de Bolsonaro, começou justamente nas últimas eleições municipais. Simbolicamente, naquele ano o PT perdeu sua hegemonia no país (vinha do partido que governava a maior população nas cidades e caiu para 11º).

Os dados deste ano, porém, não são suficientes para se ter total certeza de que a direita não possa surpreender e ainda ter um bom resultado, ao fim do segundo turno, ao menos mantendo parte de suas capitais.

Se considerados também os segundos colocados nas pesquisas de intenção de voto, além dos líderes, em 15 cidades pode ser que o eleito venha estar à direita do atual prefeito. Sob esse mesmo critério, são 16 cidades que podem ter eleito mais à esquerda.

Mas considerando as últimas pesquisas de opinião, candidatos mais à direita precisariam de grandes arrancadas para chegarem ao segundo turno e serem competitivos.

“Está claro que não há grande movimento para a direita. A conclusão pode ser que vai ficar mais ou menos como estava antes, ou então que vai haver movimento para a esquerda", afirmou o cientista político Cesar Zucco, da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas, da FGV-RJ.

Zucco aponta duas possíveis explicações para o fenômeno. O primeiro é o fato de a aprovação de Bolsonaro nas capitais estar arrefecendo, aparentemente. “Pode haver incentivos para um afastamento em relação ao presidente, o que também levaria a um arrefecimento de posições muito marcadamente à direita”.

Outra possibilidade é que o ponto atual já seja o máximo que se possa chegar à direita.

Pesquisador do Cepesp (Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público), da FGV-SP, Guilherme Russo disse fazer sentido que a eleição de 2020 tenha dinâmica diferente das anteriores e não siga em direção à direita.

"Há um certo pêndulo na política que ora favorece forças mais à direita e depois à esquerda”. E o contexto de 2020, diz o cientista político, é diferente de 2016, ano conturbado para a esquerda, com Lava Jato, impeachment da presidente Dilma Rousseff e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Já 2020 está sendo marcado pela pandemia, dificuldades econômicas e sociais, o que favorece propostas de maior participação do Estado na parte econômica e social. Vale dizer também que políticos são obviamente estratégicos em suas campanhas e ao perceber o momento atual, se movem para a esquerda”, afirmou Russo.

Professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais, Felipe Nunes disse que "os temas municipais parecem ser mais fortes na eleição municipal do que a disputa ideológica nacional que marcou o pleito de 2018."

Além disso, "a queda de popularidade do governo Bolsonaro, suas pautas polêmicas, além de seus desgastes, têm contribuído para que a direita não mantivesse seu crescimento", afirmou Nunes, que também que é diretor da consultoria Quaest.

METODOLOGIA

posição dos influenciadores na reta é calculada a partir do perfil de 1,7 milhão de usuários do Twitter no Brasil, com interesse em política (foram excluídas contas que um modelo matemático classificou como possíveis robôs).

O algoritmo do GPS Ideológico busca encontrar padrões nos perfis de seguidores entre os influenciadores.

O modelo capta, por exemplo, que usuários que seguem o vereador Carlos Bolsonaro tendem a seguir também o deputado Flávio Bolsonaro e o jornalista Alexandre Garcia. Esses ficam próximos na reta.

Mas esses seguidores tendem a não seguir contas como a do petista Fernando Haddad, da comentarista Gabriela Prioli e do cantor Emicida. Esses três ficam próximos na reta, mas distantes dos Bolsonaros e de Alexandre Garcia.

Ou seja, a posição na reta depende do perfil dos seguidores do influenciador, não necessariamente mostra a ideologia da conta (ainda que haja uma forte correlação entre o perfil de seguidores e o perfil do influenciador).

Autor do algoritmo que foi adaptado para o GPS Ideológico, o cientista político Pablo Barberá (Universidade do Sul da Califórnia e London School of Economics) afirma em seus trabalhos acadêmicos que, ao seguir uma pessoa, via de regra o usuário tem afinidade com esse perfil.

Isso porque a pessoa passará a visualizar mais tuítes desse usuário. E receber conteúdo de alguém sem afinidade é algo custoso, em termos de tempo e de atenção —por isso, tende a ser exceção.

Para a análise dos atuais postulantes à prefeitura, em alguns casos foi usada a posição do partido deles no GPS Ideológico, pois suas contas pessoais possuíam poucos seguidores e não foi possível fazer a análise da posição delas.

São os casos dos prefeitos Roberto Cláudio (Fortaleza-PDT) e Socorro Neri (Rio Branco-PSB) e dos candidatos Alfredo Gaspar de Mendonça (Maceió-MDB), Abilio Jr. (Cuiabá-Podemos), Nilvan Ferreira (João Pessoa-MDB), José Priante (Belém-MDB) e Fabrício Gandini (Vitória-Cidadania).

Veja: De grão em grão a urna confirma o que se quer https://bit.ly/2U6Twlu 

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