20 junho 2021

Futebol: arte e ciência

Detalhes, conceitos e verdades se cruzam e tornam futebol imprevisível

Pode ser impossível saber o que vai ocorrer e também explicar o que aconteceu
Tostão, Folha de S. Paulo

 

Na vitória sobre o Peru, por 4 a 0, o Brasil teve uma ótima atuação no segundo tempo. Mais um show de Neymar, jogando com muito talento e velocidade, como nos melhores momentos no Barcelona. Richarlison, Fred, Alex Sandro e Militão ganharam pontos para as próximas convocações. Gabigol e Firmino tiveram atuações discretas.

A seleção, além das qualidades individuais e coletivas e do bom trabalho feito por Tite e comissão técnica, possui uma outra virtude importante, a de jogar todos os amistosos e partidas oficiais com gana, disciplina tática e prazer. Mesmo assim, de vez em quando, alguém, geralmente ex-jogador, diz que os atletas estão ricos e que não têm mais vontade de jogar pela seleção.

Como é bom ver público nos estádios, como na Eurocopa. Isso ainda está longe de acontecer no Brasil.

O gol mais bonito da Eurocopa foi o gesto de Cristiano Ronaldo, que, na coletiva, antes do jogo contra a Hungria, tirou as duas garrafinhas de Coca-Cola, patrocinadora da competição, que estavam à sua frente, colocou uma de água e disse: “Bebam água”.

A França, na vitória por 1 a 0 sobre a Alemanha, repetiu o estilo da Copa do Mundo de 2018, o de recuar a marcação, contra-atacar e aproveitar a incrível velocidade e talento de Mbappé.

A França contraria o lugar-comum de que os times superiores jogam no ataque, pressionando, enquanto os inferiores marcam mais atrás, para contra-atacar. A Alemanha teve mais posse de bola que a França, mas as chances mais claras de gol foram dos franceses.

Nessa partida, vimos também três meio-campistas brilhantes, Kanté, Kroos e Pogba, cada um com sua característica. Kimmich, que, talvez, seja melhor que os três, por ser mais completo, atuou como lateral-direito, com a missão quase impossível de, ao mesmo tempo, marcar Mbappé e ainda apoiar pelo lado. Mesmo assim, fez muito bem as duas coisas.

Kroos não errou um passe, como sempre, mas, também como sempre, atuou em um pequeno espaço. Economiza talento. Em poucos momentos da carreira mostrou que pode fazer muito bem muitas outras coisas, como avançar e finalizar. Já Kanté está em todos os lugares. No Chelsea, quem atua mais recuado e pelo centro é Jorginho. Com isso, Kanté tem mais liberdade para atacar e desarmar no campo adversário. Na seleção francesa, Kanté é o mais recuado pelo meio, para proteger a defesa. Com isso, é menos onipresente.

Pogba é o artista da bola. Adora lances com efeitos especiais. Por isso, acerta e erra muito, em um mesmo jogo e em partidas diferentes. Por causa dessa irregularidade, às vezes, fica na reserva do regular, bom e discreto Fred, da seleção brasileira.

Outro meio-campista, mais completo ainda que os quatro citados, é De Bruyne, da Bélgica, que, após entrar no segundo tempo contra a Dinamarca, mudou o jogo e virou o placar. A seleção belga continua com uma fraca defesa. Como lembrou o jornalista Tim Vickery, no Redação SporTV, o Brasil não se aproveitou dessa fragilidade no Mundial de 2018. Aquele jogo não acaba.

Fora o 7 a 1, em 2014, em que o Brasil levou um banho de bola dos alemães, as eliminações para os europeus, nas Copas de 2006, 2010 e 2018, foram mais por detalhes circunstanciais ou por superioridade dos adversários?

No futebol, com frequência, é impossível saber o que vai ocorrer no jogo e também explicar, após o jogo, o que aconteceu na partida, por causa da riqueza de detalhes, de conceitos e de verdades que se cruzam.

[Ilustração: Aldemir Martins]

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