Detalhes, conceitos e verdades se cruzam e tornam
futebol imprevisível
Pode ser impossível saber o que
vai ocorrer e também explicar o que aconteceu
Tostão, Folha de S. Paulo
Na vitória sobre o Peru, por 4 a 0, o Brasil teve uma ótima atuação no segundo
tempo. Mais um show de Neymar, jogando com muito talento e velocidade, como nos
melhores momentos no Barcelona. Richarlison, Fred, Alex Sandro e Militão
ganharam pontos para as próximas convocações. Gabigol e Firmino tiveram
atuações discretas.
A seleção,
além das qualidades individuais e coletivas e do bom trabalho feito por Tite e comissão técnica, possui uma outra
virtude importante, a de jogar todos os amistosos e partidas oficiais com gana,
disciplina tática e prazer. Mesmo assim, de vez em quando, alguém, geralmente
ex-jogador, diz que os atletas estão ricos e que não têm mais vontade de jogar
pela seleção.
Como é bom ver
público nos estádios, como na Eurocopa. Isso
ainda está longe de acontecer no Brasil.
O gol mais
bonito da Eurocopa foi o gesto de Cristiano Ronaldo,
que, na coletiva, antes do jogo contra a Hungria, tirou as duas garrafinhas de
Coca-Cola, patrocinadora da competição, que estavam à sua frente, colocou uma
de água e disse: “Bebam água”.
A França, na
vitória por 1 a 0 sobre a Alemanha, repetiu o estilo da Copa do Mundo de 2018,
o de recuar a marcação, contra-atacar e aproveitar a incrível velocidade e
talento de Mbappé.
A França
contraria o lugar-comum de que os times superiores jogam no ataque,
pressionando, enquanto os inferiores marcam mais atrás, para contra-atacar. A
Alemanha teve mais posse de bola que a França, mas as chances mais claras de
gol foram dos franceses.
Nessa
partida, vimos também três meio-campistas brilhantes, Kanté, Kroos e Pogba,
cada um com sua característica. Kimmich, que, talvez, seja melhor que os três,
por ser mais completo, atuou como lateral-direito, com a missão quase
impossível de, ao mesmo tempo, marcar Mbappé e ainda apoiar pelo lado. Mesmo
assim, fez muito bem as duas coisas.
Kroos não
errou um passe, como sempre, mas, também como sempre, atuou em um pequeno
espaço. Economiza talento. Em poucos momentos da carreira mostrou que pode
fazer muito bem muitas outras coisas, como avançar e finalizar. Já Kanté está em todos os
lugares. No Chelsea, quem atua mais recuado e pelo centro é
Jorginho. Com isso, Kanté tem mais liberdade para atacar e desarmar no campo
adversário. Na seleção francesa, Kanté é o mais recuado pelo meio, para
proteger a defesa. Com isso, é menos onipresente.
Pogba é o
artista da bola. Adora lances com efeitos especiais. Por isso, acerta e erra
muito, em um mesmo jogo e em partidas diferentes. Por causa dessa
irregularidade, às vezes, fica na reserva do regular, bom e discreto Fred, da
seleção brasileira.
Outro
meio-campista, mais completo ainda que os quatro citados, é De Bruyne, da
Bélgica, que, após entrar no segundo tempo contra a Dinamarca, mudou o jogo e
virou o placar. A seleção belga continua com uma fraca defesa. Como lembrou o
jornalista Tim Vickery, no Redação SporTV, o Brasil não se aproveitou dessa
fragilidade no Mundial de 2018. Aquele jogo não acaba.
Fora o 7 a 1,
em 2014, em que o Brasil levou um banho de bola dos alemães, as eliminações
para os europeus, nas Copas de 2006, 2010 e 2018, foram mais por detalhes
circunstanciais ou por superioridade dos adversários?
No futebol,
com frequência, é impossível saber o que vai ocorrer no jogo e também explicar,
após o jogo, o que aconteceu na partida, por causa da riqueza de detalhes, de
conceitos e de verdades que se cruzam.
[Ilustração: Aldemir Martins]
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