31 julho 2021

Sonhos temporariamente desfeitos

O menor ENEM da história

José Luís Simões*

 

A queda no número de estudantes inscritos no ENEM 2021 é a maior prova do quanto a pandemia afetou os estudantes, suas perspectivas e sonhos. Professores e estudantes não estavam preparados para uma rápida mudança nas relações que envolvem o processo ensino-aprendizagem.  

Quem brincou o carnaval 2020 mal podia esperar que os dias seguintes seriam de incertezas, lockdowns e restrições no trabalho e no estudo, para tentar conter a pandemia. As escolas fecharam seus portões, as universidades também. Algumas instituições rapidamente aderiram ao ensino remoto; outras hesitaram um pouco, mas foram levadas pela grande onda da Covid-19 a aderir a essa modalidade de aulas. As consequências naturais do despreparo da comunidade estudantil para essa mudança abrupta na relação aluno-professor aparecem agora: muitos estudantes estão inseguros, não se sentem preparados para o ENEM 2021 e por isso não se inscreveram.

Apesar do grande esforço docente em preparar lives, aprender a usar plataformas de ensino virtual em tempo recorde e manter o diálogo com estudantes pela internet, o prejuízo na preparação de jovens para o ENEM é fato. Da mesma forma, a formação acadêmica dos universitários sofreu com a impossibilidade de aulas e experiências ou atividades práticas, que requer convívio e contato presencial. Enfim, a educação foi prejudicada com o alongar das restrições impostas pela pandemia no Brasil.

O governo Bolsonaro, lamentavelmente, foi inepto e inconsequente no processo de compra de vacinas, o que ampliou ainda mais o tempo de pandemia, as restrições de contato físico e, consequentemente, a manutenção de aulas remotas. Qualquer estudante consequente preferiria deixar de frequentar o ambiente escolar, assumir prejuízos em sua formação, do que colocar a vida de familiares em risco. Ora, historicamente, as escolas sempre foram ambientes de muito contato físico, proximidade, sociabilidade e interatividade, mas também facilitadoras na proliferação de vírus e bactérias.

A baixa procura pelo ENEM 2021 é a ponta do iceberg. O Brasil amarga perto de 550 mil mortes pela Covid-19. A CPI da pandemia no Senado Federal expõe a excrescência que é parte da classe política que, ao invés de agilizar a compra de vacinas, se preocupava em combinar esquema de propinas com empresas com objetivo precípuo da maracutaia, do ganho fácil no comércio dos imunizantes.

Bestializados, é assim que ficamos com a incompetência do governo no combate à pandemia, com elevado número de vidas perdidas e famílias em sofrimento, além do aumento do desemprego, da fome e da corrupção endêmica. O descompromisso da classe política é latente, uma vergonha.

A queda no número de inscritos no ENEM e o prejuízo na formação dos estudantes são alguns dos sintomas de um Brasil que está doente. O país foi atacado pelo vírus da ignorância, da incompetência, do desrespeito e da falta de empatia com os de baixa renda. A Covid-19 ampliou o sofrimento, ela foi o projétil. O governo foi o revólver. O povo foi o alvo.

Mas a tempestade há de passar. O povo clama por dias melhores. Os estudantes e profissionais da educação merecem dias melhores. Mais do que promessas, precisamos de ações e reações que coloquem o tema da educação como prioridade, afinal de contas, a elevação dos índices educacionais e ampliação do acesso ao conhecimento são instrumentos de mudança e de retomada da esperança no futuro.

*Professor do Centro de Educação-UFPE

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