Os legados do Almirante Negro e de Ho Chi Minh
Pedro de Oliveira, portal Vermelho
Os marinheiros João Cândido e Ho Chi Minh foram
contemporâneos. Ambos nasceram nas últimas décadas do século XIX, sendo que
João Cândido em 1880, no Estado do Rio Grande do Sul, e Ho Chi Minh em 1890, na
província de Nghê An, no centro do Vietnã.
Por uma dessas circunstâncias da vida estiveram perto
um do outro no ano de 1912 no Rio de Janeiro. Ho Chi Minh havia se empregado
num navio francês da Companhia de Cargueiros Unidos, chamado L’Amiral Latouche
Tréville, no ano de 1911, em Saigon. Trabalhava como cozinheiro neste navio
cargueiro que fazia a linha de transporte entre o porto de Saigon (situado na
colônia francesa da Indochina), e o de Marselha (no centro do poder colonial, a
França).
A geração de Ho Chi Minh tomou conhecimento da
importância da capacidade de informação e de organização na luta pela
libertação do jugo colonial. Crescia naquela época o movimento “Vá para o
Leste” – que incentivava jovens vietnamitas a viajarem para o Japão, que se
tornara um grande centro de modernização e de desenvolvimento econômico na
ocasião. Entretanto, Ho Chi Minh decidiu rumar para o Oeste, buscando os países
das matrizes coloniais e de outras colônias, na África e nas Américas.
Essa companhia naval na qual Ho Chi Minh se empregou
fazia escalas em Cingapura, Colombo e Port Said (no Egito), e na volta de
Marselha passava pelo porto de Le Havre e Dunkerque e depois ainda parava na
Espanha, Portugal, Argélia, Tunísia e portos africanos de colonização francesa
da costa oeste, em Dakar e no Senegal. Nessa trajetória, Ho Chi Minh tirou a
seguinte conclusão: “Os franceses, na França, são bons. Mas os franceses
colonialistas são cruéis e desumanos. Eles são assim em toda a parte. Quando
estava em casa, fui testemunha do que acontecia em Phan Rang. Os franceses se
divertiam enquanto nossos compatriotas se afogavam para fugir das crueldades.
Para os colonizadores a vida de um asiático ou de um africano não valia quase
nada”...
Nessa linha do cargueiro L’Amiral Latouche Treville,
Ho Chi Minh passou pelo Brasil, no porto do Rio de Janeiro. Dois anos antes
havia ocorrido a Revolta da Chibata. Foi um importante momento da resistência
dos marinheiros brasileiros contra a dominação do escravismo colonial. Seu
líder, o marinheiro João Cândido, ficou conhecido como o Almirante Negro. Ele
próprio havia sido filho de um ex-escravo e que trabalhara já há 15 anos na
Marinha do Brasil quando aconteceu o movimento de resistência. O que os
marinheiros reivindicavam – diga-se que a grande maioria eram negros, mestiços
e pobres – era o fim dos castigos desumanos a que estavam submetidos aqueles
marinheiros. Além, é claro, das condições abomináveis de vida e de trabalho
impostos pela Marinha.
O castigo corporal aos marujos havia sido abolido pela
República pelo decreto número 3, de 16 de novembro de 1889. Mas voltou a
vigorar em abril de 1890 por novo decreto oficial. Esse tipo de violência
recaía sobre os praças. O oficialato formado por brancos da elite dominante não
cedia aos apelos dos marinheiros para colocar um fim ao tratamento cruel dos marujos.
Cândido chegou a se encontrar com o presidente Nilo Peçanha. Mas foi em vão. Em
suas andanças trabalhando em navios pelo mundo, esteve em contato com vários
companheiros marujos, constatando que a prática cruel do açoite já havia sido
abolida na maior parte dos países.
O açoitamento do marujo Marcelino Menezes com 250
chibatadas como castigo em função de uma briga a bordo precipitou o movimento
da Revolta da Chibata em 21 de novembro. Os marinheiros, então, tomaram o
controle dos navios da frota brasileira ancorada no Rio de Janeiro –
considerada na época uma das mais fortes do mundo -- e deram um ultimatum aos
almirantes de plantão. Apontaram os canhões para a capital federal e exigiram o fim das chibatadas. Alguns tiros
chegaram a ser dados ameaçando o almirantado. A Revolta da Chibata terminou com
um acordo assinado no Senado da República e sancionado pelo recém empossado
presidente Hermes da Fonseca. O documento decretava o fim da chibata nos navios
e a anistia para os revoltosos.
Cândido e seus companheiros acabaram expulsos da
Marinha após nova Revolta do Batalhão da Marinha, na qual o Almirante Negro,
aparentemente, não tinha ligações diretas. Foi decretado o Estado de Sítio e 40
marinheiros foram presos. Essa revolta deixou 200 marinheiros mortos. João
Cândido ficou 2 anos preso e chegou a ser declarado louco. Foi inocentado e não
conseguiu mais emprego. Passou a viver como vendedor de peixe na Praça XV.
Toda essa mobilização
de luta foi transmitida a Ho Chi Minh através de um líder sindical dos
portuários chamado José Leandro da Silva. Com mais essa experiência recolhida
Ho Chi Minh seguiu viagem em direção aos Estados Unidos. Depois ainda viajou
para a Europa morando em Londres, Paris e Moscou. Ao todo 30 anos de viagens
foram úteis ao líder vietnamita que retornou ao seu país e liderou a libertação
do jugo colonial francês, da invasão japonesa e da ocupação estadunidense.
Trabalhou para unificar sua nação e abriu caminho para o desenvolvimento
social, econômico e cultural do Vietnã, que se transformou em uma vibrante e
moderna República Socialista.
Ambos os líderes faleceram no mesmo ano, 1969. Ho Chi
Minh, com honras de chefe de Estado. E o Almirante Negro, de forma precária,
sem maiores homenagens. Ambos, porém, deixando um legado de luta em favor da
liberdade do povo vietnamita e brasileiro, respectivamente.
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Informações
para este artigo foram coligidas a partir de texto publicado no jornal Hora do
Povo e do livro Ho Chi Minh, Vida e Obra do líder da Libertação Nacional do
Vietnã.
Veja: O leito comum da defesa da democracia https://bit.ly/3m3IpbJ
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