31 janeiro 2022

Crônica da segunda-feira

O pai das meninas

Luciano Siqueira

 

No transcorrer de vida pública tão extensa e de razoável notoriedade, natural que me ocorresse ser reconhecido nas mais diversas e triviais situações:

— Você é Luciano Siqueira?

— Sim, pois não?

Ou:

— Tá lembrado de mim? Fui piqueteiro da Codistil na greve geral.

— Ah...

— Você era o único deputado que participava das greves operárias naquela época.

De outro modo:

— Como você se parece com o vice-prefeito do Recife!

— Sou eu mesmo...

Ou então:

— Permita-me, você fez parte do movimento estudantil contra a ditadura? Luciano?

— Sim.

— Era da Medicina da UFPE, né? Que prazer, Etelvina, fui da Unicap...

— Tempos heroicos...

Outras referências são do meu período de médico. Felizmente positivas.

Entretanto, como na canção de Cazuza, o tempo não para.

Felizmente as duas filhas cresceram, tomaram rumo na vida e se afirmam em seus nichos profissionais.

Hoje, uma se consolida como arquiteta-urbanista atenta ao recorte de gênero na abordagem dos problemas de nossas metrópoles; a outra se afirma como talentosa cineasta da atual geração do audiovisual pernambucano.

Ao chegar no Cinema do Museu para a exibição do Baile do Menino Deus, versão 2022, que Tuca dirigiu, fui recepcionado como "o pai da diretora".

Na Livraria Cultura, no RioMar, um jovem de pesados óculos de grau e aros escuros, timidamente me abordou:

— O senhor é o pai de Neguinha, desculpe, Lúcia?

— Sim...

— Fui aluno dela no curso de arquitetura.

Gosto disso.

É a evolução geracional.

No atual movimento estudantil há quem se refira a mim como avô de Pedro.

Na escola dos netos mais novos, creio que o porteiro sequer sabe o meu nome. Sou o avô de Miguel e de Alice.

C'est la vie...

[Ilustração: Lula Cardoso Ayres]

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Nem sempre uma boa imagem depende de equipamentos sofisticados https://bit.ly/3E95Juz

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