O pai das meninas
Luciano Siqueira
No transcorrer de vida pública
tão extensa e de razoável notoriedade, natural que me ocorresse ser
reconhecido nas mais diversas e triviais situações:
— Você é Luciano Siqueira?
— Sim, pois não?
Ou:
— Tá lembrado de mim? Fui piqueteiro da
Codistil na greve geral.
— Ah...
— Você era o único deputado que
participava das greves operárias naquela época.
De outro modo:
— Como você se parece com o
vice-prefeito do Recife!
— Sou eu mesmo...
Ou então:
— Permita-me, você fez parte do
movimento estudantil contra a ditadura? Luciano?
— Sim.
— Era da Medicina da UFPE, né? Que
prazer, Etelvina, fui da Unicap...
— Tempos heroicos...
Outras referências são do meu período
de médico. Felizmente positivas.
Entretanto, como na canção de Cazuza, o
tempo não para.
Felizmente as duas filhas cresceram,
tomaram rumo na vida e se afirmam em seus nichos profissionais.
Hoje, uma se consolida como
arquiteta-urbanista atenta ao recorte de gênero na abordagem dos problemas de
nossas metrópoles; a outra se afirma como talentosa cineasta da atual geração
do audiovisual pernambucano.
Ao chegar no Cinema do Museu para a
exibição do Baile do Menino Deus, versão 2022, que Tuca dirigiu, fui
recepcionado como "o pai da diretora".
Na Livraria Cultura, no RioMar, um
jovem de pesados óculos de grau e aros escuros, timidamente me abordou:
— O senhor é o pai de Neguinha,
desculpe, Lúcia?
— Sim...
— Fui aluno dela no curso de
arquitetura.
Gosto disso.
É a evolução geracional.
No atual movimento estudantil há quem
se refira a mim como avô de Pedro.
Na escola dos netos mais novos, creio
que o porteiro sequer sabe o meu nome. Sou o avô de Miguel e de Alice.
C'est la vie...
[Ilustração: Lula Cardoso Ayres]
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Nem
sempre uma boa imagem depende de equipamentos sofisticados https://bit.ly/3E95Juz
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