15 fevereiro 2022

Crônica do sábado

De volta à Idade Média
Luciano Siqueira
 

Já se passaram mais de sete meses que a Covid que me abateu por uns dez dias: relativamente leve, pois o vírus me encontrou com as duas doses da Coronavac em dia.

Mas traiçoeira a médio prazo.

Continua dando sinal de vida através da alteração do meu paladar e do olfato. Na prática, cumpro uma espécie de involuntário regime alimentício que me tem feito perder peso.

Passei a comer pouco, até estava precisando.

Mas também tem perturbado meu sono.

Normalmente durmo bem. Sou daqueles que podem dizer “nenhum problema jamais me tirou o sono”.

Mas depois da Covid, tem sido um sono interrompido no meio da madrugada ou permeado por sonhos confusos que me fazem sentir a estranha sensação de estar dormindo, porém imaginando coisas. Conscientemente.

Assim, não foi pequena a minha surpresa ao ler agora no jornal O Globo a notícia de que talvez eu esteja experimentando “um ciclo natural que acredita-se ter sido o padrão do final da Idade Média até o início do século XIX no Ocidente.

Segundo a reportagem, naquela época as pessoas iam dormir por volta das 18 ou 19 horas e despertavam três a quatro horas depois.

Aí a vida seguia em frente. O pessoal lia livros, comia alguma coisa, bebia uma taça de vinho, fazia amor... até que umas três ou quatro horas após voltava aos braços de Morfeu para mais umas duas horas de sono.

Até que com o advento da luz elétrica surgiu esse hábito, que perdura até hoje, de se dormir à noite toda.

Quem diz isso com muita propriedade, porque pesquisou o assunto cuidadosamente, é Roger Ekirch, professor de história da Virginia Tech e autor de “The Great Sleep Transformation” (A grande transformação do sono).

Então, sou levado a uma conclusão insofismável: o novo coronavírus me obriga a retornar aos tempos de Giovanni Boccaccio.

Não tenho preconceito com nenhuma das múltiplas faces do tempo, que as percebemos por muitos modos na esteira do que dizem cientistas, pintores, dramaturgos e poetas.

Mas meu sono de cinco horas diárias ininterruptas eu quero de volta. O quanto antes.

Onde a luta encontra a poesia e se expressa em imagens https://bit.ly/3E95Juz

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