23 outubro 2022

Uma crônica para descontrair

O homem que lê o tempo

Cícero Belmar*

 

Silvino é o homem que lê o tempo. Quando eu vou saindo do prédio onde moro, sempre lhe pergunto, até mesmo como chiste: levo ou deixo o guarda-chuva? É batata, ele acerta. Em vez de porteiro, insisto, poderia estar na televisão.

Digo que ele é dotado de uma sensibilidade especial para essa questão atmosférica, tal é o índice de acertos. As televisões não sabem realmente o que estão perdendo: ele é o homem do tempo.

Já houve ocasião de estar nublado e Silvino me dizer que não cairia um único pingo. E não chovia mesmo.  Ou, pelo contrário, maior solzão. “Tá vendo aquela nuvenzinha? Pode se preparar, vai cair um toró”. Quando menos esperei, choveu.

Certa vez eu lhe perguntei como aprendera a ler o tempo, ele disse não haver mistérios. “O meu pai foi pescador. Eu via ele se preparando para entrar no mar, quando ia pescar. Cuidava de olhar as nuvens. É só olhar para o céu e ver de que lado elas estão vindo”.

Silvino me revelou: se estiver nublado no centro do céu, e o Sol estiver abrindo a Leste, ele vai andar sobre nossas cabeças. Não choverá. Mas, se for o contrário, as nuvens estiverem vindo, cairá água. “O movimento é daqui pra lá”, mostrou.

Dia desses, questionei se ele nunca pensou ser meteorologista. Quis saber o que era, expliquei. “Então, tem que estudar? Dá pra mim não. Sou fraco de leitura”. Não chegou ao segundo grau. Silvino lê somente o básico, o suficiente para trabalhar num condomínio. Mas sabe ler o livro místico do universo que nos circunda.

Outro dia, eu fui saindo para uma caminhada matinal. “Vai chover”. Resolvi dar crédito, voltei para o apartamento. Não quis caminhar debaixo de água. De fato, o tempo fechou, uma boa meia hora de chuva. Desci, para lhe dar os parabéns. Silvino é bem humorado. Conversa vai, conversa vem, saímos das questões climáticas, entramos nas políticas, assunto predileto dos pernambucanos.

Já que Silvino era bom de palpite, quis saber se ele arriscava dizer quem ganharia a eleição para presidente. “Quem vai ganhar, eu não sei. Mas, dizem que Deus é brasileiro. Pois este vai ser um teste bom”. Eu e minha mania de repórter:

– Mas, você acha que Deus vai pender para que lado?

E ele, mais uma vez muito sábio:

– Vamos rezar muito Padre Nosso para que ele não deixe o lado errado ganhar.

Silvino é concreto nas previsões do tempo, mas fugidio nos detalhes políticos. Encerrei o assunto, mas ele acrescentou:

– Desculpe a brincadeira. É que eu acho que Deus já faz a parte dele. A gente é que temos que fazer a nossa.

Assim, com seu jeito de falar, mas com a competência que lhe diferencia. É inteligente, tanto que disse: “O senhor quer saber? Esta é a eleição mais fácil que eu já vi. Os dois candidatos já foram presidentes. Basta que o eleitor avalie quem mais lhe atendeu na hora da precisão”.

Votar é uma questão de leitura e Silvino percebe o mundo a partir das suas experiências. E é neste mundo que ele enxerga a vida. Há pessoas que sabem ler e escrever o bom português, mas são analfabetas na vida. Nisso, Silvino é mestre e doutor. Sabe ler um tipo de texto que somente alguns conseguem decifrar.

*Escritor e jornalista. Membro da Academia Pernambucana de Letras 

Leia também: Implacáveis marcas do tempo https://bit.ly/3noLqTH

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