Estudo associa sintomas duradouros da Covid-19 à inatividade
física
Pacientes com ao menos um
sintoma persistente da infecção pelo coronavírus têm um risco 57% maior de
serem sedentários.
Folha de S.Paulo
O elo entre sintomas da Covid-19 e
a inatividade física torna-se cada vez mais evidente. Em estudo publicado recentemente no periódico Scientific
Reports, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apontam que pacientes
com ao menos um sintoma persistente da infecção pelo coronavírus têm um risco
57% maior de serem sedentários. Esse número cresce para 138% entre aqueles que
reportam cinco ou mais "sequelas pós-agudas do SARS-CoV-2", como
dizem os pesquisadores.
"Apesar de ser um estudo transversal, os resultados dessa
investigação destacam a importância de discutirmos e estimularmos a atividade
física também durante a pandemia", afirma Hamilton Roschel, um dos
coordenadores do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da USP.
O trabalho, que teve o apoio da Fapesp, é um dos
primeiros a avaliar o efeito da atividade física no contexto da Covid longa,
quadro usualmente caracterizado pela persistência de sintomas por ao menos dois
meses —e que não podem ser explicados por outros problemas que não a infecção
por esse vírus.
Relatório de 2020 já dava conta de que 76% dos
pacientes internados por causa do coronavírus reportaram pelo menos um sintoma
persistente seis meses depois da alta.
UM ESTUDO TRANSVERSALDe seis a 11 meses após as
hospitalizações (que ocorreram entre outubro de 2020 e abril de 2021), elas
foram examinadas e responderam a diversos questionários, que abrangiam a
prática de atividade física, o estilo de vida e a possível presença de dez sintomas
ligados à Covid-19 —de falta de ar a problemas de memória.
A inatividade foi definida seguindo o critério da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, menos de
150 minutos de atividade física por semana. "No nosso caso, isso envolvia
deslocamentos, práticas esportivas, tarefas domésticas", completa Roschel.
Os pesquisadores então cruzaram os dados envolvendo sintomas da Covid-19 com os
de inatividade física para chegar aos resultados.
MAIS SINTOMAS, MAIS
SEDENTARISMO
Dos pacientes analisados, 60% eram inativos fisicamente – taxa
maior do que os 47% observados no levantamento Vigilância de Fatores de Risco e
Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), feito pelo Ministério da
Saúde em 2020, para brasileiros de faixa etária semelhante.
Eles também apresentavam uma alta taxa de comorbidades: 37% eram
fumantes, 58% tinham hipertensão, 35% foram diagnosticados com diabetes e 17%
eram obesos.
"Esses são fatores de risco para agravamento da COVID-19.
Como todas as pessoas analisadas foram hospitalizadas, era natural que eles
aparecessem de forma frequente", argumenta Roschel. Para ter ideia, 55%
necessitaram de cuidados em UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e 37%, de
ventilação mecânica.
Mesmo fazendo ajustes para evitar que esses e alguns outros
fatores interferissem nos resultados, a presença de ao menos um sintoma
persistente foi associada a um risco 57% maior de sedentarismo, como mencionado
antes. "E, quanto mais sintomas, maior a porcentagem de inatividade
física", complementa Roschel. A presença de cinco ou mais sintomas chegou
a elevar o risco de inatividade física em 138%.
Ele ainda destaca que certas consequências pós-agudas da
COVID-19 foram especialmente atreladas à falta de movimentação. Nos modelos
estatísticos ajustados, as que chamaram mais atenção foram falta de ar (risco
132% maior de a pessoa ser inativa) e fadiga (101%).
"Faz sentido imaginar que indivíduos com esses quadros
sintam maior dificuldade para manter uma rotina ativa", diz Roschel.
"Mas também é plausível imaginar que os participantes inativos estejam
mais sujeitos a esses sintomas prolongados após a infecção. Nosso estudo não
permite inferir a causalidade", pondera.
ASSOCIAÇÕES E HIPÓTESES
No artigo, os autores escrevem que a inatividade física
"pode ser, por si só, considerada como um sintoma persistente entre
sobreviventes da Covid-19". A hipótese encontra eco em outros trabalhos.
Uma pesquisa neerlandesa —também citada no estudo brasileiro em questão— com
239 pacientes revelou uma redução significativa no tempo dedicado a caminhadas
seis meses após o início dos primeiros sintomas.
Roschel conjectura, ainda, a partir de outros estudos, que o
sedentarismo poderia, em tese, aumentar o risco de Covid longa. Uma investigação de 2021 assinada por
ele, aliás, conclui que pessoas com melhor saúde muscular (a partir daí,
pode-se especular que elas seriam menos sedentárias) internadas por causa do
SARS-CoV-2 tendem a ficar menos tempo hospitalizadas (leia mais aqui).
Adicionalmente, em estudo subsequente, os mesmos pesquisadores
observaram que aqueles que perderam mais massa muscular durante o período de
hospitalização foram também os que apresentaram maiores custos de saúde e mais
sintomas persistentes seis meses após a alta médica (leia mais aqui).
Já uma pesquisa americana examinou o
histórico prévio de atividade física de 48.440 indivíduos infectados
posteriormente com o coronavírus. Resultado: aqueles ativos consistentemente
apresentavam menores riscos de internação, admissão na UTI e morte.
Os dados analisados foram coletados no âmbito do Covid-19 Study
Group, que reúne pacientes internados no Hospital das Clínicas,
em São Paulo. Um total de 614 pessoas com idade média de 56 anos foram
incluídas na investigação, todas com diagnóstico confirmado por testes
laboratoriais.
"O nosso trabalho agrega informações ao fazer uma ligação
da inatividade física especificamente com os sintomas persistentes da Covid-19.
Estudos futuros devem investigar essa associação e entender os motivos por trás
dela", observa Roschel. Cabe destacar que essa ligação pode se dar em
ambas as vias. Ou seja, tanto o sedentarismo favoreceria a Covid longa, como
essa incitaria a inatividade.
"E, do ponto de vista prático, fica clara a necessidade de
valorizarmos a atividade física durante a pandemia", reitera Roschel. Há
situações em que pacientes que já foram infectados devem tomar certas
precauções adicionais com os exercícios —um médico é capaz de analisar cada
caso. Porém, a atividade física precisa ser estimulada como uma medida de saúde
pública, de acordo com Roschel. O sedentarismo é responsável por 9% das mortes
por todas as causas no mundo.
O estudo Post-acute sequelae of SARS-CoV-2 associates with physical
inactivity in a cohort of COVID-19 survivors está disponível aqui.
Verso e reverso do que acontece
https://bit.ly/3Ye45TD
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