06 fevereiro 2023

A utopia e os riscos

Como recuperar a utopia

Marcelo Barros*

 

No Brasil, este início de fevereiro marca a inauguração dos trabalhos do novo Congresso. Em muitas escolas e universidades, se dá o início do novo ano letivo. Para quem, em janeiro, saiu de férias, agora reinicia suas atividades comuns. Em diversas regiões, depois de dois anos, no qual o Carnaval foi prejudicado pela pandemia, agora as cidades preparam os desfiles e brincadeiras com mais liberdade. 

Para o Brasil, este ano novo começou pela posse do novo governo e pela esperança que ele suscita para grande parte do povo brasileiro. No entanto, oito dias depois, a invasão e depredação dos edifícios públicos dos três poderes em Brasília mostrou a ferocidade e a não racionalidade de outra parte da sociedade. Esta, insatisfeita com o resultado das eleições e orientada pelos seus mentores a agirem como agiram, revela um Brasil quase dividido pela metade. As autoridades do governo têm reagido como podem agir diante da violência e da destruição provocada. Mas, as investigações, prisões e o conserto do patrimônio público destruído não serão capazes de restituir ao povo brasileiro a capacidade de diálogo e reconciliação. Precisamos aprender de novo a lidar com as diferenças que existem entre nós. Só assim poderemos avançar juntos para a reconstrução não apenas dos imóveis e obras de arte destruídas, mas da unidade do nosso povo e dos objetivos maiores pelos quais nos constituímos como um só país. 

Em nome do progresso, os mesmos que estão por trás da invasão e depredação em Brasília são responsáveis pela destruição ambiental dos nossos biomas, pelo sucateamento da educação e da saúde, assim como por chamar qualquer tentativa de justiça social e restituição do direito dos pobres de Comunismo.   

Nestes dias, a visita do presidente Lula e de vários ministros de Estado a Roraima obrigou a imprensa e a toda sociedade brasileira tomar consciência do genocídio que, há anos, o povo Yanomami está submetido. No entanto, sabemos que a situação de fome, doenças e riscos de vida que essa população indígena enfrenta não é muito diferente da realidade de outros povos originários nas diversas regiões do país. Junta-se aos 33 milhões de brasileiros/as ameaçados pela fome e pela insegurança alimentar. 

Nestes últimos dias de janeiro, a OXFAM publicou o relatório sobre a situação da pobreza no mundo. “Segundo o Banco Mundial, estamos testemunhando o maior aumento da desigualdade e pobreza global, desde a Segunda Guerra Mundial. Desde 2020, o 1% da população mais rica já possui 63% da riqueza global. Estas são as conclusões de um novo relatório Oxfam, publicado por ocasião do Fórum Econômico Mundial, que se realizou em janeiro de 2023, em Davos, na Suíça” (https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2023-01/relatorio-oxfam-desigualdes-davos-pobreza-riqueza.html)

Os povos Algonquinos do Nordeste dos Estados Unidos chamam o Capitalismo de “Wetico”, que significa “come carne humana”. Acusam assim a sociedade capitalista não do canibalismo no sentido literal e sim do se alimentar da energia de vida de todas as pessoas que podem explorar. De fato, o papa Francisco tem repetido diversas vezes: “este sistema mata!”. 

Alguém já afirmou que o mundo atual se tornou perigoso demais para tudo que não seja utopia. Não se trata da fantasia irresponsável que nos afasta da realidade e sim da esperança de um futuro novo possível que nos mobiliza e nos une na luta pacífica pela Justiça, Paz e cuidado com a Mãe-Terra. Quanto mais os tempos se tornam difíceis, mais necessária a teimosia da esperança.

Das mais diferentes religiões e diversos caminhos espirituais, vêm o apelo para unirmos a energia espiritual ao compromisso social e político de transformar este mundo e enchê-lo de amorosidade solidária e compassiva. Que, a cada dia, esta seja a prioridade das nossas vidas.

[ILustração: Mmakgabo Mmapula Mmangankato Helen Sebidi]

*Monge beneditino, teólogo e escritor

No cotidiano, todos os sonhos do mundo https://bit.ly/3Ye45TD

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