A EXTREMA DIREITA
CATÓLICA E A CAMPANHA DA FRATERNIDADE
Romero Venâncio*
A extrema-direita
católica assumiu nas redes sociais uma crítica virulenta e desonesta à Campanha
da fraternidade de 2023 que tem como tema a fome. O que chamo no texto de
extrema direita católica é uma espécie de “neotradicionalismo” advindo das
influências de Marcel Lefebvre (1905-1991).
Tem forte presença
nas redes sociais e nas plataformas digitais. Organizam-se a partir de lives,
cursos, palestras, divulgação e leituras de livros tradicionalistas internos ao
catolicismo romano.
São radicalmente
contra as resoluções pastorais do Concílio Vaticano II dos anos 60; são
terminantemente contrários as resoluções das conferências de Medellin (1968) e
Puebla (1979) e sempre em oposição a CNBB no Brasil.
Mesmo que não
afirmem, são sempre “cismáticos” na linha de Lefebvre e estão em pé de guerra
nas redes sociais contra o Papa Francisco, chegando a ponto de afirmar que o
Papa é um “impostor”.
Grupos e youtubers da
extrema direita católica brasileira estão em confronto aberto com a atual
Campanha da Fraternidade e seu tema. Uma obviedade é a não-empatia com o tema.
A fome não incomoda
esse tipo de catolicismo tradicionalista de direita.
Aplaudiram as armas
de Bolsonaro, sua beligerância, seu extremismo e sua total ausência de política
pública social de combate a fome.
Defendem a
“aporofobia” (corporificam um ódio ao pobre). Percebemos o quão intragável se
torna para essa gente um tema como: “Fraternidade e Fome”.
Está em curso uma
campanha difamatória contra o tema da Campanha da Fraternidade. A difamação vem
entre frentes: primeiro, nas citações bíblicas. A extrema direita afirma ter
equívocos nas citações bíblicas e sua interpretação (como se a CNBB não
contasse com biblistas na redação do texto base da Campanha).
Nenhuma citação
bíblica está fora de contexto ou manipulada para enganar os fiéis. No próprio
lema já percebemos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” – referência explicita a
Jesus e sua missão e sem reduzir a ação cristã a um passe de mágica.
Milagre não é magia
Qualquer
teólogo/teóloga sério sabe disto na ponta da língua e qualquer idiota de
extrema-direita nem sequer aprendeu esta obviedade hermenêutica.
Segundo, querem
deslegitimar a Campanha afirmando (sem provas) que os dados utilizados na parte
do II do texto base são “falsos”. Todos os dados sobre a fome são amparados em
dados estatísticos ou estudos encabeçados por pesquisadores no tema. Só
conferir a bibliografia utilizada que vai de Josué de Castro ao Herbert de
Souza, passando por órgãos como o IPEA. A extrema direita católica é
negacionista e preguiçosa na conferência de dados. Uma pena. E comem o velho
desaprendizado proposital.
Terceiro é a crítica
mais primária e conspiracionista. Afirma a extrema direita católica: a Campanha
da Fraternidade deste ano vem com uma mensagem subliminar de temas da “teologia
da libertação”. Típico dessa gente: acreditar que tudo diz respeito a “Teologia
da Libertação” e “comunismo” (estava demorando surgir o termo).
A CNBB rende-se ao
"comunismo”
Aqui mistura-se
desinformação com mal caratismo. Próprios da extrema direita católica e seus
“arautos”.
Não temos dúvidas e a
CNBB sabe bem disto que a “Teologia da Libertação” latino americana tem sua
fundamentação teológica e uma base epistemológica sólida em seus argumentos.
Milhares de livros
produzidos sobre o assunto desde os anos 70 são a prova disto. A riqueza desta
Teologia não pode ser reduzida ao filminho vagabundo de um tal de Bernardo
Kuster (o palhacinho sem graça da extrema direita católica brasileira).
O texto base da
Campanha da Fraternidade vem todo embasado em dados e interpretações sobre a
realidade da fome no Brasil.
Das páginas 14 a 23,
temos as referências bíblico-teológicas da campanha.
Como a Bíblia pode
ser luz no tema da fome. E sem deixar de lado o magistério da Igreja: de Santo
Ambrósio a São João Crisóstomo. Tomando como base a chamada “economia de
Francisco e Clara”. A CNBB não deixou de citar as pastorais sociais e todo um
trabalho histórico contra fome.
Foram duas Campanhas
da fraternidade com o tema da fome e do pão (1975 e 1985) antes da atual. Ainda
temos referências de Josué de Castro (pioneiro nos estudos sobre o fome no
Brasil e no mundo), aos trabalhos do MST e sua luta por comida orgânica na mesa
de todos e todas, a luta histórica por um programa estatal de segurança
alimentar efetivo e o apoio a todas as organizações, independente de seu credo
religioso ou não, que combatem a fome.
O combate a fome e
luta por comida na mesa não é privilégio religioso, mas um direito humano
inalienável.
Mais uma vez a CNBB
como órgão da Igreja católica romana no Brasil nos chama atenção para um tema
fundamental e ao mesmo tempo nos indica o verdadeiro significado (teológico) da
“Quaresma”.
Cristãos ou
não-cristãos somos todos chamados à luta contra a fome. De Dom Helder Câmara ao
Pe. Julio Lancellotti e em nome de todos e todas que combateram e combatem a
fome num país tão desigual e injusto como esse Brasil, somos convocados a uma
profunda reflexão sobre a situação dos mais pobres na sua condição vulnerável
de não ter o que comer.
Em tempo.
*Professor adjunto da Universidade Federal de Sergipe-UFS
Fonte: www.viomundo.com.br
A complexidade dos fatos e das ideias https://bit.ly/3Ye45TD
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