22 fevereiro 2023

Fraternidade 2023

A EXTREMA DIREITA CATÓLICA E A CAMPANHA DA FRATERNIDADE 

Romero Venâncio* 

 

A extrema-direita católica assumiu nas redes sociais uma crítica virulenta e desonesta à Campanha da fraternidade de 2023 que tem como tema a fome. O que chamo no texto de extrema direita católica é uma espécie de “neotradicionalismo” advindo das influências de Marcel Lefebvre (1905-1991).

Tem forte presença nas redes sociais e nas plataformas digitais. Organizam-se a partir de lives, cursos, palestras, divulgação e leituras de livros tradicionalistas internos ao catolicismo romano.

São radicalmente contra as resoluções pastorais do Concílio Vaticano II dos anos 60; são terminantemente contrários as resoluções das conferências de Medellin (1968) e Puebla (1979) e sempre em oposição a CNBB no Brasil.

Mesmo que não afirmem, são sempre “cismáticos” na linha de Lefebvre e estão em pé de guerra nas redes sociais contra o Papa Francisco, chegando a ponto de afirmar que o Papa é um “impostor”.

Grupos e youtubers da extrema direita católica brasileira estão em confronto aberto com a atual Campanha da Fraternidade e seu tema. Uma obviedade é a não-empatia com o tema.

A fome não incomoda esse tipo de catolicismo tradicionalista de direita.

Aplaudiram as armas de Bolsonaro, sua beligerância, seu extremismo e sua total ausência de política pública social de combate a fome.

Defendem a “aporofobia” (corporificam um ódio ao pobre). Percebemos o quão intragável se torna para essa gente um tema como: “Fraternidade e Fome”.

Está em curso uma campanha difamatória contra o tema da Campanha da Fraternidade. A difamação vem entre frentes: primeiro, nas citações bíblicas. A extrema direita afirma ter equívocos nas citações bíblicas e sua interpretação (como se a CNBB não contasse com biblistas na redação do texto base da Campanha).

Nenhuma citação bíblica está fora de contexto ou manipulada para enganar os fiéis. No próprio lema já percebemos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” – referência explicita a Jesus e sua missão e sem reduzir a ação cristã a um passe de mágica.

Milagre não é magia

Qualquer teólogo/teóloga sério sabe disto na ponta da língua e qualquer idiota de extrema-direita nem sequer aprendeu esta obviedade hermenêutica.

Segundo, querem deslegitimar a Campanha afirmando (sem provas) que os dados utilizados na parte do II do texto base são “falsos”. Todos os dados sobre a fome são amparados em dados estatísticos ou estudos encabeçados por pesquisadores no tema. Só conferir a bibliografia utilizada que vai de Josué de Castro ao Herbert de Souza, passando por órgãos como o IPEA. A extrema direita católica é negacionista e preguiçosa na conferência de dados. Uma pena. E comem o velho desaprendizado proposital.

Terceiro é a crítica mais primária e conspiracionista. Afirma a extrema direita católica: a Campanha da Fraternidade deste ano vem com uma mensagem subliminar de temas da “teologia da libertação”. Típico dessa gente: acreditar que tudo diz respeito a “Teologia da Libertação” e “comunismo” (estava demorando surgir o termo).

A CNBB rende-se ao "comunismo”

Aqui mistura-se desinformação com mal caratismo. Próprios da extrema direita católica e seus “arautos”. 

Não temos dúvidas e a CNBB sabe bem disto que a “Teologia da Libertação” latino americana tem sua fundamentação teológica e uma base epistemológica sólida em seus argumentos.

Milhares de livros produzidos sobre o assunto desde os anos 70 são a prova disto. A riqueza desta Teologia não pode ser reduzida ao filminho vagabundo de um tal de Bernardo Kuster (o palhacinho sem graça da extrema direita católica brasileira).

O texto base da Campanha da Fraternidade vem todo embasado em dados e interpretações sobre a realidade da fome no Brasil.

Das páginas 14 a 23, temos as referências bíblico-teológicas da campanha.

Como a Bíblia pode ser luz no tema da fome. E sem deixar de lado o magistério da Igreja: de Santo Ambrósio a São João Crisóstomo. Tomando como base a chamada “economia de Francisco e Clara”. A CNBB não deixou de citar as pastorais sociais e todo um trabalho histórico contra fome.

Foram duas Campanhas da fraternidade com o tema da fome e do pão (1975 e 1985) antes da atual. Ainda temos referências de Josué de Castro (pioneiro nos estudos sobre o fome no Brasil e no mundo), aos trabalhos do MST e sua luta por comida orgânica na mesa de todos e todas, a luta histórica por um programa estatal de segurança alimentar efetivo e o apoio a todas as organizações, independente de seu credo religioso ou não, que combatem a fome.

O combate a fome e luta por comida na mesa não é privilégio religioso, mas um direito humano inalienável.

Mais uma vez a CNBB como órgão da Igreja católica romana no Brasil nos chama atenção para um tema fundamental e ao mesmo tempo nos indica o verdadeiro significado (teológico) da “Quaresma”.

Cristãos ou não-cristãos somos todos chamados à luta contra a fome. De Dom Helder Câmara ao Pe. Julio Lancellotti e em nome de todos e todas que combateram e combatem a fome num país tão desigual e injusto como esse Brasil, somos convocados a uma profunda reflexão sobre a situação dos mais pobres na sua condição vulnerável de não ter o que comer.

Em tempo.

*Professor adjunto da Universidade Federal de Sergipe-UFS

Fonte: www.viomundo.com.br

A complexidade dos fatos e das ideias https://bit.ly/3Ye45TD

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