SBPC: a Ciência tem pressa na reconstrução
Três ministros comparecem ao principal encontro dos cientistas brasileiros – o primeiro após os anos de obscurantismo. Presidente da entidade comemora, mas quer ação concreta: é preciso definir sem demora uma estratégia para a CT&I
Guilherme Arruda/OutraSaúde
Entre 23 e 29 de julho, nos espaços da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) promoveu sua 75ª Reunião Anual – a primeira desde o fim do governo mais anti-ciência da história do país.
Organizado com o mote “Ciência e democracia para um Brasil justo e desenvolvido”, o evento contou com a presença de três ministros do governo Lula. Ao prestigiarem o encontro, Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Camilo Santana (Educação) e Nísia Trindade (Saúde) marcam a tentativa da atual gestão de se aproximar da comunidade científica, que contrasta com o negacionismo e a truculência da anterior.
“A SBPC é apartidária, sempre dialoga com os governos, independentemente das posições, quando é para falar de política com P maiúsculo – ou seja, dos interesses da ciência, do Brasil e da democracia. Mas é verdade que o governo anterior foi muito negativo, especialmente nos ministérios da Saúde e Educação. Eles não fizeram nada a favor e fizeram várias coisas contra”, opinou o presidente da SBPC e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro em entrevista ao Outra Saúde.
Mas para além da comemoração do fim de quatro anos de destruição nacional, um sentimento até mais presente nas mesas dos foi o de urgência da ação em prol da retomada. Ela envolve não só a retomada das condições de se fazer ciência no Brasil, mas o trabalho para transformar a face do país com essa ferramenta.
A mesa com a ministra da Saúde foi uma das que abordou em mais detalhes as propostas do governo para essa reconstrução. Com o título de “Ciência, saúde e democracia: um projeto para o Brasil”, a intervenção de Nísia Trindade abarcou temas como os impactos da pandemia, a reconstrução do papel da ciência e tecnologia no MS, o financiamento de pesquisas estratégicas para o SUS e o fortalecimento do complexo industrial da saúde. A ministra também propôs a criação de um memorial das vítimas da covid-19.
Em comentário sobre a participação de Nísia, Janine Ribeiro avaliou que a ministra “é uma pessoa que conhece muito bem as questões da saúde e associa as qualidades de pesquisadora às de gestora”. Ele relatou também que o diálogo da SBPC com o ministério tem sido bastante fluido. O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do ministério, Carlos Gadelha, é interlocutor de longa data da Sociedade, e está especialmente empenhado nesse movimento.
Um momento menos vistoso da reunião foi a conferência do ministro Camilo Santana, da Educação. Sua fala concentrou-se em uma exposição sobre o desmonte dos últimos anos, sem apresentar novidades relevantes, As medidas apresentadas para a correção dos problemas foram de ordem genérica, pouco criativas, além de não abordarem uma das polêmicas mais acesas em seu campo: a revogação ou não da “reforma” do Ensino Médio.
Já o discurso da ministra Luciana Santos trouxe mais detalhes sobre a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, convocada pelo governo federal em decreto publicado no último dia 14. Das quatro edições anteriores do evento, três ocorreram nos governos de Lula – em 2004, 2006 e 2010 –, com as duas últimas sendo presididas pelo então ministro Sérgio Rezende. A ministra anunciou o retorno de Rezende à Conferência, na condição de secretário-geral de sua próxima edição.
A retomada da Conferência é considerada bem-vinda pela SBPC, mas Janine alerta que o governo não pode descansar nem por um segundo até lá. “A Conferência vai ocorrer quase na metade do mandato; o ministério não pode esperar por ela para definir suas políticas”, alertou o presidente da SBPC, que também apontou duas questões que não podem passar batido pelo encontro.
A primeira é a criação de uma nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. “A atual já venceu”, ele lembra, “e é preciso definir quais são os principais pontos em que o Brasil quer ter excelência e quais serão os atores desse processo”. O argumento da especialização já havia sido defendido por Janine e outros na mesa promovida pela Fiocruz no evento, “Ciência, tecnologia e inovação em em defesa da vida”.
Nela, o presidente da SBPC debateu com Helena Nader (Academia Brasileira de Ciências – ABC) e Pedro Wongtschowski (Mobilização Empresarial para a Inovação – MEI). Concluíram que o Complexo Industrial da Saúde é uma das iniciativas a partir das quais o país pode, com orientação e execução corretas, tornar-se uma liderança econômica e de inovação.
A segunda questão é a ordenação de um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), acrescentou Janine Ribeiro. Desde 2016, está prevista a edição de uma lei federal que disponha sobre suas normas, e quase nada andou nesse sentido. O filósofo considera que “a definição detalhada tem que ser feita ainda esse ano” para que seja debatida em detalhes até a Conferência do ano que vem.
A participação da ministra da Ciência e Tecnologia na Reunião Anual da SBPC também ficou marcada pelo anúncio do investimento de R$ 3,6 bilhões em recursos para o Pró-Infra, o Programa de Recuperação e Expansão da Infraestrutura de Pesquisa Científica e Tecnológica em Universidades e Instituições de Ciência e Tecnológica.
Segundo Luciana Santos, os editais da Finep que distribuirão esses recursos oferecerão R$ 300 milhões para “a consolidação e expansão da infraestrutura de pesquisa nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste” e R$ 500 milhões para a construção de “infraestrutura focada em temas prioritários para o desenvolvimento nacional”, como “saúde, defesa, transição energética, transição ecológica e transformação digital“.
As medidas anunciadas por ela sugerem passos em direção a um objetivo – não necessariamente compartilhado por todo o governo – de dar ao momento de reconstrução nacional um sentido mais amplo e ousado. Não se trata apenas de retorno à normalidade democrática, mas de convite à soma de esforços por um Brasil socialmente justo, economicamente desenvolvido e cientificamente soberano.
Janine acredita que a SBPC pode e deve fazer parte desse movimento. “A SBPC tem 170 sociedades científicas afiliadas. Isso dá um poder de articulação muito grande. Queremos fazer a discussão política e de pesquisa científica, temos essa legitimidade e esse conhecimento para contribuir para essa discussão”, afirmou.
Traçando um balanço geral do evento, Janine Ribeiro acredita que “a reunião foi bem-sucedida”. Em sua visão, “o ambiente foi muito eufórico, muito alegre, tivemos três ministros aqui, inclusive os titulares das pastas com maior orçamento no governo brasileiro [Saúde e Educação], e 15 mil crianças e adolescentes passando pelo campus, para ver os estandes”.
Enquanto sociedade, “o Brasil está realmente apostando de novo na ciência”, concluiu.
Ministério da Ciência e Tecnologia reajusta em até 94% as bolsas do CNPq https://tinyurl.com/2kystr4t