29 outubro 2023

Futebol: limites da invenção

Alguns times e treinadores se perdem nas repetições
Muitos não sabem o que fazer quando enfrentam novas situações, repentinas e surpreendentes
Tostão/Folha de S. Paulo

 

O ser humano é um animal de hábitos, repetições, reflexões e invenções. Muitos repetem, fazem sem pensar, questionar, enquanto outros pensam sem fazer.

Os grandes jogadores, em uma fração de segundo, sem pensar, mapeiam tudo o que está em sua volta e executam belos e eficientes lances. Possuem um saber inconsciente, que a neurociência chama de inteligência cinestésica, de movimento. Para ser um grande craque, é necessário unir essa inteligência com a técnica e as boas condições físicas e emocionais. É preciso ir além do que foi programado.

A repetição é necessária para aprimorar a técnica individual e coletiva, mas quando excessiva leva à ineficiência.

No meio de semana, houve no Brasileirão jogos surpreendentes, que melhoram a qualidade e a emoção do futebol. Os muitos gols foram mais pelas virtudes ofensivas ou pelas falhas defensivas?

Uma vitória por 5 a 0 em um clássico é algo inesperado. O Palmeiras, nos dois últimos jogos recuperou o que sabe fazer de melhor, os gols de bolas cruzadas e os construídos por meio de transições rápidas, com passes longos entre os zagueiros adversários. O São Paulo, que parecia estar pronto, definido, após a conquista da Copa do Brasil e da vitória sobre o Grêmio, ficou perdido, impotente diante da avalanche do Palmeiras.

A vitória do Grêmio sobre o Flamengo também não era esperada porque o time estava jogando mal e desfalcado de seu melhor jogador, Suárez. O Flamengo, após duas vitórias, achou que já estava pronto, com a cara do Tite. Perdeu a identidade.

Não assisto a todas as partidas do Grêmio, mas, sempre que entra, Ferreirinha melhora o time com habilidade, dribles e velocidade. No entanto, ele é bastante criticado e vaiado pela torcida. Percebo que muitos torcedores têm sido bastante cruéis com alguns jogadores por causa de determinados erros. O gol do Cruzeiro contra o Atlético-MG foi muito mais por méritos do lateral William do que pela falha do zagueiro Jemerson, bastante criticado pelos torcedores.

Quem disse que Felipão é apenas um treinador repetitivo, disciplinador, sem criatividade? Na vitória sobre o Bragantino, o técnico organizou o time para marcar atrás, fechar os espaços pelos lados, ponto forte do adversário, e contra-atacar com lançamentos longos para a ótima dupla de atacantes (Hulk e Paulinho) nas costas dos defensores adiantados. O Fluminense contra o Bragantino tentava trocar passes desde a defesa e perdia a bola, por causa da pressão do time de Bragança, principal qualidade da equipe.

O Fluminense, uma equipe criativa, ousada, que envolve o adversário com troca de passes, precisa ser também disciplinada e repetitiva. Marcelo vai jogar no meio-campo, e ninguém ocupa a posição de lateral. Arias e Keno costumam ocupar o mesmo lugar pela esquerda. Contra o Goiás, um jogou pela direita, e o outro, pela esquerda, o que é mais lógico e deveria ser mantido na maior parte dos jogos.

Atlético-MG e Fluminense se enfrentam neste sábado (28). A história pode ser outra, bem diferente das atuações dos dois times na partida anterior. Essas variações engrandecem o futebol.

Alguns times e treinadores se perdem nas repetições porque não enxergam ou porque não sabem o que fazer quando enfrentam novas situações, repentinas e surpreendentes. Para saber, é preciso saber ver.

"O essencial é saber ver. Saber ver sem estar a pensar. Saber ver quando se vê, sem pensar quando se vê nem ver quando se pensa." (Fernando Pessoa)

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