30 abril 2024

Minha opinião

O médico e o folião

Luciano Siqueira

 

Médico sério, competente, respeitado e admirado pela dedicação aos pobres, José Ivo Cavalcanti – nosso tio Zezé – marcou tanto a cidade de Natal nos idos de quarenta e cinquenta do século passado que virou nome de rua e seu túmulo foi muito visitado, por mais de uma década, por pessoas simples que ali depositavam ex-votos por conta de curas alcançadas, supostamente milagrosas a ele atribuídas depois do morto.

Em meu olhar de criança, o tinha como um ser superior, capaz de em poucos minutos de conversa tirar a vovó Neném da pior crise de não-sei-o-quê que a deixava prostrada, rezando alto e desesperada por causa de temida morte iminente.

Certamente muitas vezes usou placebos para acalmar a paciente.

Até que um dia, num sábado de carnaval, eis que ele surge, para surpresa geral, porta-estandarte de uma improvisada troça intitulada “A cobra que mordeu o belo”.

O estandarte, uma cobra coral posta no formol, contida num frasco de vidro transparente, dependurado numa vara. Tinha até hino, uma espécie de marchinha que falava qualquer coisa de um belo homem despertado para os prazeres da vida por uma dama encantadora e traiçoeira.

Era a cobra que havia mordido o belo.

Passada a fuzarca, tio Zezé retornou ao seu terno de linho e à seriedade quase solene com que atendia seus pacientes, inclusive os sobrinhos menores aos quais aplicava como terapia um jejum severo de sete dias, quebrado apenas por uma canja de carne de sol, torradas e chá.

Aos nossos olhos de criança, uma frustração. Bem que gostaríamos de manter a imagem do folião, muito mais simpática do que a do médico.

Poema de Paulo Freire com ilustração de Pablo Picasso https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/palavra-de-poeta-paulo-freire.html

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Jurgen Klopp e Mohamed Salah trocaram desaforos neste sábado, durante o jogo Liverpool 2 X 2 West Ham. Continua repercutindo até agora na midia. Com supercraques é outro papo.

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Mais crédito rural

BNDES lança nova linha de crédito rural com até R$ 10 bilhões

Anúncio foi feito na Agrishow, em Ribeirão Preto (SP) com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin e ministros de Estado
Murilo da Silva/Vermelho


 

No domingo (28), uma comitiva do governo federal, com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, junto aos ministros da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos (PCdoB), esteve na Agrishow, realizada em Ribeirão Preto (SP).

Na feira, que reúne empresas de tecnologia agrícola, foi anunciado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) uma nova linha de Crédito Rural que pode chegar a R$ 10 bilhões em 2024.

“O BNDES reafirma seu compromisso com o desenvolvimento do país e sobretudo com o agronegócio, estimulando seu crescimento de forma inovadora e sustentável. O agronegócio é o motor que impulsiona nosso PIB e alavanca nossa balança comercial. E o desenvolvimento da nossa agroindústria, agregando valor a nossas exportações, é uma das missões da nossa política industrial”, disse Alckmin.

Leia mais: Novo Plano Safra de R$ 364,2 bilhões é o maior da história

Diferente de 2023, quando a organização da Agrishow não conseguiu conciliar a presença dos representantes do governo na sua abertura, após um ano da presidência de Lula e com o maior Plano Safra da história a situação mudou e Alckmin e a comitiva foram devidamente recebidos dessa vez – sem maiores polêmicas.

No entanto, no mesmo dia o ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível até 2030, e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas desfilaram em carro aberto pela feira. Nesta segunda (29), foram recebidos pelos organizadores.

BNDES

O diretor financeiro e de crédito digital para MPMEs (micro, pequenas e médias empresas) do banco, Alexandre Abreu, foi o responsável pelo anúncio da chamada linha CPR BNDES que segue regras ambientais das soluções do banco e permite “operações com Cédulas de Produto Rural Financeira (CPR-F) ou de Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) lastreados em direitos creditórios do agronegócio”.

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Com a medida, o setor agropecuário segue como umas das prioridades do governo pela concessão de mais créditos apoiada em exigências de proteção ao meio ambiente. Dessa forma, os “títulos poderão ser emitidos por micro, pequenos e médios produtores rurais e cooperativas de produtores rurais com faturamento de até R$ 300 milhões por ano, bem como empresas destes portes que exerçam a atividade de comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos, insumos, máquinas e implementos agrícolas, pecuários, florestais, aquícolas e extrativos”, explica o BNDES.

A indicação é de que o limite de empréstimo seja de R$ 20 milhões a cada 12 meses, com prazo de pagamento em até 60 meses, incluindo a carência de até 24 meses. A taxa oferecida é vantajosa uma vez que é composta pela remuneração básica do BNDES de 1,3% ao ano, a remuneração do agente financeiro de até 4,3% ao ano e pelo referencial de custo financeiro (TLP-Selic- TFB – ou TFB dólar), lembrando que o BNDES Crédito Rural na modalidade com referencial de custo em dólar foi lançado no ano passado com valor que chega a R$4 bilhões.

Leia também: O direito de ter a própria opinião https://bit.ly/3vIZjUP

Comércio informal

Feira de troca-troca: da desorganização à desumanização*

A luta pela sobrevivência no comércio informal de Recife diante da reestruturação urbana e preconceitos sociais.
Abraham B. Sicsú/Vermelho


 

Sobreviver no Recife não é fácil. Somos a segunda Região Metropolitana com maior desemprego no País, a informalidade no trabalho assusta, a busca do ganha pão não é fácil. Muitos não têm alternativas, subtrair as poucas chances que existem é irresponsabilidade.

Até recentemente, antes da reestruturação em andamento da Calçada dos Mascastes, conhecida como Camelódromo, funcionava no final do último bloco, perto do Mercado das Flores que está abandonado há vários anos, uma grande feira de troca-troca que aglutinava um número expressivo de vendedores e de compradores. A desorganização era grande, chegavam a invadir a Avenida Dantas Barreto por onde o forte trânsito tem seu fluxo normal, mas funcionava e tinha vida, tinha compradores.

Chegou a ter mais de uma centena de pais de família que dela viviam, onde vendiam produtos usados, antiguidades de má qualidade, roupas usadas e uma série de mercadorias de baixo valor, era o sustento de muita gente que trazia para a feira seus próprios pertences, suas roupas usadas, os objetos que conseguiam com amigos e mesmo que eram resgatados de descartes que as classes favorecidas sempre fazem em uma metrópole. Produtos populares, mesclados com peças surradas, mas que havia quem as queria.

Feiras livres com este perfil existem em diferentes países e se estruturam chegando a ser pontos de atração turística. Berlin, Paris, Buenos Aires, Montevidéu, entre outras capitais, possuem suas feiras de troca-troca visitadas por milhares.

Na nossa é um problema. Criou-se a fama de que lá só se vendiam materiais resultantes de roubos, inclusive se tornou o álibi para marginais que não queriam declarar de onde vinham realmente armas que eram usadas. Armas não são encontradas lá, mas a má fama se consolidou.

Mero preconceito. Pessoas que nunca estiveram lá criaram esta lenda. Frequentadores que somos há muito tempo, jamais vimos um revólver ou artefato de fogo. A fama se espalhou e nunca foi desfeita. Até o Camelódromo sofre com este preconceito. Com toda informalidade e desorganização, além do estigma que lhe foi incrustado, a feira funcionava e permitia o sustento de pessoas que não tinham alternativa.

Com a proposta da Prefeitura de reestruturação do Camelódromo, fiscais da prefeitura do Recife fecharam a área onde ocorria a feira e transferiram todas as pessoas para a Rua Imperial, embaixo do viaduto Coronel Temudo. Colocando-as em um local sem a mínima condição de acontecer qualquer atividade que envolva pessoas, condições em que os participantes, já párias, por falta de alternativa, tendem a se tornar indigentes, é desumano.

A sujeira é vista em todo local, piso de terra sem trato, goteiras nos dias de chuvas se tornam enxurradas, a lama assusta, um local em que qualquer pessoa tem receio de ir.

Resultado, a extinção premeditada da feira de troca-troca se torna realidade, não há mais um mínimo de demandantes que a frequentam. Os poucos vendedores que ainda insistem em se manter lá não têm fonte de renda. A tendência lógica é buscarem alguma alternativa. E a única que pode se apresentar é a marginalidade, o comércio clandestino, tudo que leve para o ilegal e imoral. Não porque desejem, mas estão acuados e desamparados.

Desamparo total por parte da prefeitura, e como dizem alguns vendedores de lá, estão querendo acabar com a feira de troca-troca a qualquer custo. Desumanidade com pessoas que não têm outra fonte de renda. Partirão para a marginalidade por uma questão de sobrevivência. A pobreza extrema força o desespero e caminhos desestruturadores.

O Mercado das Flores abandonado, com alguma reestruturação pode vir a ser uma boa opção para que a feira continue e os sobreviventes dela evitem a marginalidade.

Prefeito, talvez o senhor nem tenha conhecimento do desastre, então vá lá conferir, alijar os poucos “comerciantes” que sobram de sua busca por condições mínimas de vida decente. A realidade da feira não condiz com sua gestão.

*Artigo escrito em colaboração com José Antônio Aleixo da Silva

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O Judiciário e suas circunstâncias

O STF e os guardas da porta do presídio

Se CNJ e CNMP não enfrentarem os desafios no horizonte, desaparecerá o último bastião institucional: a hierarquia no Judiciário
Luis Nassif/Jornal GGN



Até o impeachment o Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiu reescrever a Constituição, instituindo um parlamentarismo capenga: o presidente poderia ser impichado, sem crime de responsabilidade, e não teria o recurso do parlamentarismo, de poder dissolver o parlamento e convocar novas eleições.

Quando ficou claro a conspiração de Bolsonaro, mudou de posição e se transformou em âncora da democracia – com Alexandre de Moraes na linha de frente.

Agora, para preservar a credibilidade, são necessárias duas medidas:

1. Não aceitar mais o jabá das viagens internacionais. É humilhante para o país ver a mais relevante de suas instituições aceitando viagens internacionais, para encontros fechados com grandes lobistas.
2. Definir mais claramente o conceito de segurança nacional. 

Ao se colocar contra o Ato Institucional número 5, Pedro Aleixo dizia que sua preocupação era o guarda na porta do presídio. Ao investir contra as Fakenews, Alexandre de Moraes permitiu os guardas de porta de presídio, na forma de promotores e juízes sem limites.

Uma das grandes ameaças à democracia continua sendo a apropriação do poder político pelo Judiciário. O próprio avanço do PCC nas prefeituras está se fazendo ao largo da fiscalização que deveria ser feita pelos promotores estaduais.

A prisão do jornalista

Nos últimos dias, houve um episódio que deixou claro o efeito “guarda de presídio” na Justiça. No caso, a atuação do promotor Flávio Falcão e da juiza Andréa Callado da Cruz, ambas da justiça de Pernambuco.

Andréa – com um histórico de abusos registrado pela imprensa local – ordenou a prisão do jornalista Ricardo Antunes, por denúncias feitas contra o promotor Flávio Falcão. Antunes é jornalista polêmico. Mas o episódio em si transcende os seus personagens e entra no campo dos abusos. 

O início da pendenga foi no final do ano de 2021. A legislação da ilha de Fernando de Noronha determina que, para requerer a concessão de lote próprio, o Termo de Permissão de Uso para Imóvel  (TPU), o morador precisa ser residente permanente há pelo menos 10 anos. O decreto foi assinado pelo administrador da ilha atendendo às recomendações do Ministério Público, representado pelo promotor Flávio Roberto Falcão.

Pouco mais de 4 meses após a assinatura do decreto, o promotor Flávio requereu uma TPU, em nome do Ministério Público de Pernambuco. A instituição já tinha um lote na ilha, mas sem construção por falta de recursos orçamentários. Flávio solicitava um segundo para ele e sua família, a ser construído com recursos próprios. 

O MP não atua de forma permanente no Distrito, por isso cada procurador tem um espaço no Fórum para atuação provisória, pois o padrão é uma visita por mês com duração de 7 dias.

Além disso, cada promotor tem mandato de dois anos para os trabalhos na ilha e Flávio já estava no final do segundo ano.

Com a denúncia, o promotor desistiu do terreno. “De qualquer modo, devido a tão somente o desconforto gerado para esta sociedade que foi levada a uma interpretação distorcida, vez que tudo foi feito absolutamente com base na lei, informo que em respeito aos senhores solicitei ao digno administrador (Guilherme Cavalcanti) desse Distrito que desconsidere a minha solicitação” (https://tinyl.io/AhZk

O promotor já tinha um histórico virulento em relação à imprensa. A blogueira e procuradora do Município de Recife, Noelia Brito, teve seu salário penhorado, a pedido do promotor, numa ação de danos morais. O motivo foi uma nota de Noelia sobre  um depoimento de um amigo de Flávio Falcão à Polícia Federal, em que um ex-Secretário de Jaboatão, amigo do promotor, revelava que havia sido alertado por ele das investigações da PF. 

Considere-se que Fernando de Noronha está sendo totalmente descaracterizada, com o comércio de terras que atropelou as normas internas da ilha.

Primeiro, a juíza Andrea da Cruz ordenou a retirada imediata de todos os artigos que mencionavam o promotor. Depois, seguiu-se uma ação de calúnia e difamação. Na semana passada, deveria haver uma oitiva, para instruir o processo. A juíza ordenou, então, a prisão e a condução coercitiva do jornalista. Como estava na Espanha, livrou-se da prisão. Mas não conseguiu um habeas corpus do desembargador de plantão – que se declarou “impedido”, sem dar as razões -, nem de seu substituto.

Pode ser coincidência, mas Antunes foi responsável pela notícia de que o presidente do Tribunal de Justiça pretendia criar uma calçada da fama – tema que foi alvo de galhofa no Brasil inteiro.

Agora, a juiza ordenou que o portal fosse retirado do ar. 

Um histórico de abusos

Em 2014, a subseccional OAB de Vitória do Santo Antão entrou com uma representação contra a juíza junto ao CNJ, acusando-a de manipulação na distribuição das ações no fórum.

Segundo o noticiário da OAB:

De acordo com o presidente da OAB de Vitória de Santo Antão, Washington Luís Macêdo de Amorim, a distribuição de processos entre as duas varas instaladas na cidade deveria ser feita por meio de sorteio e não da forma impositiva que a juíza Andréa Calado da Cruz vem determinando, sem amparo legal. No caso concreto noticiado pela OAB, a serventuária da justiça se negou a realizar a distribuição dirigida para a juíza, com base em orientação do Juiz Diretor do Foro, mas foi coagida moralmente pela magistrada a proceder de forma irregular.

Ela foi acusada também de favorecer um casal americano em um processo de adoção irregular (https://tinyl.io/AhaF

Em 15 de janeiro de 2014, o Diário de Pernambuco divulgou alguns episódios demonstrando a virulência da juíza.

  • Teria concedido a guarda provisória de uma criança de um ano a um casal, formado por um piloto norte-americano e uma esteticista carioca, sem respeitar a fila de espera do Cadastro Nacional de Adoção
  • Foi acusada de abuso de poder ao mandar prender a mãe de um adolescente que estava apreendido e conseguiria a liberdade em 31 de julho de 2013
  • Teria permitido a presença de policiais militares de sua escolta em audiências que corriam em segredo de Justiça
  • Foi acusada de ordenar que funcionários da Vara da Infância e Juventude de Olinda fizessem uma cota para cobrir um valor em dinheiro que havia sumido da sala, sob pena de avaliar negativamente o desempenho dos funcionários
  • Teria entregue uma vassoura a uma funcionária da mesma vara para que ela limpasse a secretaria do Fórum de Vitória de Santo Antão, onde a  magistrada também presta serviços.

É mais um desafio para o Conselho Nacional de Justiça e para o Conselho Nacional do Ministério Público. Está sendo criado um monstro nas entranhas dos dois poderes. Se não for enfrentado rapidamente, desaparecerá o último bastião institucional do país: a hierarquia no poder Judiciário.

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Redução de preço da cesta básica

Governo quer cesta básica sem imposto e redução de 60% para outros alimentos

Projeto que regulamenta reforma tributária, apresentado ao Congresso, propõe que 15 alimentos essenciais fiquem isentos, enquanto outros 14 terão abatimento de 60%
Vermelho


 

Com foco na redução dos impostos especialmente para as pessoas de baixa renda, o primeiro dos projetos de lei apresentado pelo governo ao Congresso Nacional para regulamentar a reforma tributária prevê a criação da Cesta Básica Nacional de Alimentos, com 15 produtos essenciais —  in natura ou pouco industrializados — isentos de impostos. Além disso, outros 14 itens terão a alíquota reduzida em 60%.

Entre os alimentos que terão imposto zero estão arroz, feijão, leites e farinhas, entre outros (confira a lista completa abaixo). Para chegar a esses itens, fundamentais para a alimentação dos brasileiros, e ao mesmo tempo desestimular o consumo de ultraprocessados, o governo seguiu recomendações contidas no Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde.

Além desses itens, o governo propôs que seja estabelecida uma lista estendida de alimentos — ovos, frutas e produtos hortícolas — com imposto zero. Eles não constam na cesta básica nacional, mas também não pagarão a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) nem o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). 

Leia também: Baixa renda pode receber até 50% de cashback nos impostos da conta de luz

Somam-se a esse conjunto outros 14 tipos de alimentos cuja alíquota será reduzida em 60%, conforme a proposta enviada ao Congresso. Entre eles estão carnes, peixes, massas e leite fermentado (iogurte).

Cabe destacar que o projeto de lei excluiu alimentos ultraprocessados do Imposto Seletivo, que incidirá sobre alimentos considerados prejudiciais à saúde. Apenas bebidas com adição de açúcar e conservantes sofrerão a incidência do imposto.

Custo menor para os alimentos

O Projeto de Lei Complementar 68/24 – o primeiro dos dois projetos que regulamentam a Reforma Tributária do consumo – institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS). Apelidado de Lei Geral do IBS, da CBS e do IS, nele está contida a maior parte das regras que regulamentam a Emenda Constitucional 132.

Os tributos sobre consumo ficarão destacados na nota fiscal e deverão ter uma alíquota de referência de 26,5%: 8,8% de CBS e 17,7% de IBS.

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Durante a coletiva, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, destacou que “o Brasil está vivendo uma revolução histórica na tributação de bens e serviços”. Ele completou dizendo que “deixaremos de ter um dos piores sistemas tributários do mundo para adotarmos um dos melhores”. 

Na mesma ocasião, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, disse que o custo dos alimentos ficará menor em relação à cesta existente hoje. A alíquota média dos 15 produtos hoje é de 8% e será zero. O restante passará de 15,8% de tributação para 10,6% porque haverá alíquota reduzida.

Appy pontuou, ainda, que os artigos e dispositivos do texto geral da regulamentação foram redigidos conjuntamente com estados e municípios. “Nesse processo, chegamos a ter um grau de consenso muito grande sobre os temas; mais de 90% foram acordados por todos”, declarou.

Ele também salientou que “o projeto de regulamentação pretende assegurar as características que fazem da CBS e do IBS um IVA de padrão internacional, além de tornar o sistema tributário mais simples, justo, eficiente e transparente”. 

Confira a lista dos alimentos da cesta básica nacional: 

arroz; 

feijão; 

leites e lácteos para crianças; 

manteiga; 

margarina; 

raízes e tubérculos; 

cocos; 

café; 

óleo de soja; 

farinha de mandioca; 

farinha de milho, grumos e sêmolas de milho, grãos de milho esmagados ou em flocos; 

farinha de trigo; 

açúcar; 

massas; 

pães comuns (apenas com farinha de cereais, fermento biológico, água e sal);

ovos; 

frutas; 

produtos hortículas (estes três últimos não fazem parte da cesta básica nacional, mas também tiveram imposto zerado). 

Outros alimentos com custo 60% menor:

carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal ;

peixes e carnes de peixes, exceto produtos como caviar, por exemplo;

crustáceos (exceto lagostas e lagostim) e moluscos; 

leite fermentado (iogurte), bebidas e compostos lácteos; 

queijos tipo muçarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino; 

mel natural; 

mate; 

farinha, grumos e sêmolas de cerais, grãos esmagados ou em flocos de cereais (exceto milho); 

tapioca; 

óleos vegetais e óleo de canola; 

massas alimentícias; 

sal de mesa iodado; 

sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes; 

polpas de frutas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes.

Com agências

(PL)

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/isencao-do-imposto-de-renda.html

Minha opinião

Noticiário distorcido

Luciano Siqueira



Em qualquer situação, se você abre um jornal (impresso, como antigamente) ou um site de notícia e opinião na tela do computador, óbvio que a sua atenção será direcionada para as notícias em destaque.

É assim aqui e alhures, como se dizia no século passado. 

Hoje mesmo, no noticiário nacional, gostaria de ver como principal manchete a geração recorde de empregos em março, somando alta de 33% no trimestre. O que equivale a 244,3 mil postos de trabalho, acima do teto das projeções do todo poderoso mercado financeiro.

Ocorre que o trato jornalístico dado aos fatos segue uma linha predeterminada. Na grande mídia monopolista brasileira, é a defesa do sistema financeiro e do agronegócio antes de tudo.

Pouco importa aos editores e chefes de redação que nos tempos difíceis de agora, quando no Brasil a duras penas o governo Lula tenta gerar um ambiente favorável à retomada da economia em ternos mais robustos, tamanha expansão do emprego seja expressiva.

Para eles, a cantilena de déficit público zero há que se destacar a todo custo.

Ao leitor e telespectador resta desenvolver espírito crítico que lhe habilite a separar o joio e o trigo - e assim melhor compreender o que se passa e a debater com a gente em torno para a elevação da consciência social.

Não é fácil, mas é possível.

Leia: População mundial chegará a 9,9 bilhões em 2054 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/populacao-global.html​​​​​​​

Sem anúncio eleitoral pago

Google e Youtube vetam anúncio pago na eleição
Altamiro Borges/Blog do Miro



Com base nas novas regras fixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Google anunciou nesta quarta-feira (24) que decidiu proibir a veiculação de anúncios políticos pagos nas eleições deste ano. A medida também será adotada pelo Youtube, que pertence à mesma big tech ianque – a Alphabet. Segundo nota da corporação, “essa atualização acontecerá em maio tendo em vista a entrada em vigor das resoluções eleitorais para 2024. Temos o compromisso global de apoiar a integridade das eleições e continuaremos a dialogar com autoridades em relação a este assunto”. Pelo jeito, a postura mais dura do TSE surtiu os primeiros resultados!

Aprovadas em fevereiro passado, as novas regras tratam, entre outros pontos, do uso da inteligência artificial e de medidas para coibir fake news. Sobre os anúncios pagos, elas proíbem, inclusive nos mecanismos de busca, a difusão “de fato notoriamente inverídico ou gravemente descontextualizado que possa atingir a integridade do processo eleitoral”. Detectada a fake news, o provedor deve “adotar providências imediatas e eficazes para fazer cessar o impulsionamento, a monetização e o acesso ao conteúdo e promover a apuração interna do fato e de perfis envolvidos para impedir nova circulação do conteúdo e inibir comportamentos ilícitos”.

Regras do TSE para o uso da Inteligência Artificial

A resolução do TSE também estabelece que a Justiça Eleitoral poderá determinar que o provedor veicule, sem custos, informação que esclareça o fato inverídico ou gravemente descontextualizado “antes impulsionado de forma irregular, nos mesmos moldes e alcance da contratação”. Ela ainda obriga que as empresas mantenham um repositório dos anúncios para acompanhamento, em tempo real, do conteúdo, valores e responsáveis, e disponibilizem ferramenta de consulta, que permita realizar busca avançada nos dados do repositório.

O TSE também proibiu uso da inteligência artificial (IA) para criar ou substituir imagem ou voz dos candidatos com objetivo de prejudicar ou favorecer candidaturas. E ainda fixou que os provedores serão solidariamente responsáveis quando não fizerem a retirada imediata de conteúdos falsos ou de estímulo ao discurso de ódio, “inclusive a promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo por preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e quaisquer outras formas de discriminação”.

E o "bilionário arrogante" Elon Musk?

Como aponta Priscila Lobregatte, em artigo no site Vermelho, antes do Google/YouTube, outras plataformas já tinham recuado diante das normas do TSE. “No início de fevereiro, a Meta – dona do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp – anunciou que não iria mais recomendar ‘proativamente conteúdo sobre política em plataformas de recomendação no Instagram e no Threads’. Segundo a big tech, ‘se as pessoas ainda quiserem ver esse tipo de conteúdo político nos Threads e nas recomendações do Instagram, haverá um controle para as pessoas escolherem vê-lo. Esse controle também será lançado no Facebook em uma data posterior”.

Será que o “bilionário arrogante” Elon Musk – como foi rotulado nesta semana pelo governo da Austrália – ficará isolado no desrespeito às decisões da Justiça e nas provocações contra a soberania nacional? A conferir!

Tem muito mais adiante https://bit.ly/3Ye45TD

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Nos EUA, o cinismo e desfaçatez de Trump são reconhecidos como poderosas armas a seu favor nas eleições. Quanta decadência!

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População global

População mundial chegará a 9,9 bilhões em 2054

Metade do crescimento populacional projetado até 2050 será em países menos desenvolvidos, nações sem litoral e Estados insulares; Assembleia Geral da ONU marcou aniversário de 30 anos da Conferência sobre População e Desenvolvimento destacando aumento da expectativa de vida e redução de mortes maternas.
ONU News

 

A Assembleia Geral da ONU acolhe nesta segunda-feira a celebração dos 30 anos da histórica Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cipd, realizada em 1994. De lá para cá, a população mundial cresceu de 5,6 para 8,1 bilhões de pessoas, com projeções indicando um aumento para quase 9,9 bilhões em 2054.

O aniversário ocupa o centro das atenções na 57ª sessão da Comissão de População e Desenvolvimento, que acontece na sede da ONU em Nova Iorque até a sexta-feira.  

Progresso desigual

Na conferência de 1994, os líderes mundiais concordaram em tomar medidas para afirmar que a igualdade de gênero, o empoderamento de mulheres e meninas e o acesso universal cuidados de saúde sexual e reprodutiva são direitos humanos e pré-condições para o desenvolvimento sustentável.

Para o presidente da Assembleia Geral, Dennis Francis, o Programa de Ação da Cipd, “marcou uma nova era de compromisso por parte dos governos e da comunidade global em geral”, incluindo a sociedade civil e os líderes jovens, para integrar as preocupações da população “em todas as esferas da vida socioeconômica e atividade ambiental”.

Ao discursar na sessão celebrativa ele afirmou que “o progresso tem sido desigual, tanto entre como dentro dos países”. Francis lembrou que “crises globais multifacetadas, desde as alterações climáticas aos conflitos, colocaram em risco muitos dos ganhos duramente conquistados” pela conferência de populações.

Vidas mais longas e saudáveis

Segundo o subsecretário-geral dos Assuntos Econômicos e Sociais, Li Junhua, “as pessoas estão vivendo mais e tendo vidas mais saudáveis”. Ele afirmou que “esta história de sucesso é impulsionada por melhorias na nutrição, saneamento e controle de doenças, maior acesso à educação e melhores serviços de saúde, entre outros fatores”.

Junhua comentou que metade do crescimento populacional global projetado entre hoje e 2050 deverá ocorrer em três grupos de países em situações especiais. Os menos desenvolvidos, os em desenvolvimento, mas sem litoral e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Segundo o subsecretário-geral, “progresso nestes três grupos de países determinarão cada vez mais se as metas de desenvolvimento global serão alcançadas”. 

Direitos das mulheres

A diretora- executiva do Fundo de Populações da ONU, Unfpa, Natalia Kanem, listou alguns avanços importantes nos direitos de mulheres e meninas. Segundo ela, entre 2000 e 2020, a mortalidade materna diminuiu em um terço e “nem um único parlamento ou congresso hoje é exclusivamente masculino”. 

Além disso, a líder do Unfpa afirmou que as meninas alcançaram a paridade com os rapazes nas matrículas no ensino primário e já excedem os meninos nas matrículas pós-secundárias.

No entanto, de acordo com ela, a Covid-19, os conflitos e a turbulência econômica causaram atrasos ao mesmo tempo em que desafios emergentes se aproximam. Dentre eles estão a “crise climática, retrocessos alarmantes contra os direitos das mulheres e novas tecnologias”, que precisam ser regulamentadas. 

Expectativa de vida sobe para 73 anos

O relatório apresentado pelo secretário-geral ONU para a 57ª sessão da Comissão de População e Desenvolvimento indica que a expectativa de vida ao nascer registrou melhorias notáveis, aumentando globalmente de 64,5 anos em 1994 para 73,7 anos para ambos os sexos em 2024, impulsionado por reduções nas taxas de mortalidade ao longo das faixas etárias. 

As melhorias na sobrevivência, juntamente com a queda da fertilidade, transformaram a idade e a distribuição da população global. O número de crianças menores de cinco anos em todo o mundo permaneceu estável, enquanto o número de pessoas com 65 anos ou mais do que duplicou nos últimos 30 anos e deverá duplicar novamente até 2054.

O relatório aponta também que quase 58% da população mundial residia em áreas urbanas em 2024, contra cerca de 44% em 1994.

[Foto: ADB/Deng Jia Pessoas caminham em uma ponte em um distrito de “energia inteligente e de baixo carbono” de Qingdao, na China]

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Charles Darwin no Brasil

Como viagem de Darwin ao Brasil influenciou a Teoria da Evolução

André Biernath/BBC

 

"A mente é um caos de deleites."

Essa foi a frase que Charles Darwin (1809-1882) usou para expressar o que sentiu ao se aventurar pela primeira vez numa floresta tropical no Brasil.

"Quando os olhos tentam seguir o voo de uma vistosa borboleta, são atraídos por alguma árvore ou fruta exótica. Se observam um inseto, esquecem-se dele ao contemplar a flor peculiar sobre a qual rasteja", detalhou ele em seu diário.

O naturalista inglês, célebre pela obra A Origem das Espécies, em que descreveu em detalhes a Teoria da Evolução, passou pelo Brasil por duas ocasiões, em 1832 e 1836.

De acordo com essa teoria, há uma luta pela sobrevivência na natureza, mas aquele que sobrevive não é necessariamente o mais forte e, sim, o que melhor se adapta às condições do ambiente em que vive.

Durante esses anos, ele integrou a tripulação do navio HMS Beagle, que fazia levantamentos costeiros e cartográficos de certas regiões da América do Sul.

A expedição começou em dezembro de 1831 em Plymouth, no Reino Unido, margeou ilhas europeias e africanas, chegou ao Brasil, "desceu" para Uruguai e Argentina, cruzou o Estreito de Magalhães, passou por Chile e Peru, aportou em Galápagos, foi para a Oceania e África do Sul, e precisou passar de novo pelo nordeste brasileiro antes de voltar para casa em 1836.
 

Durante todo esse tempo, Darwin fez observações e coletou muitos animais, plantas e minerais, além de escrever diversas cartas para colegas e familiares. Não há dúvidas de que a expedição de quatro anos e meio foi fundamental para que ele tivesse muitas ideias e posteriormente pudesse realizar os experimentos que culminaram na Teoria da Evolução.

Mas e o Brasil? Como a passagem por locais como Fernando de Noronha, Salvador, Recife e Rio de Janeiro inspiraram e influenciaram o trabalho do cientista inglês?

Para o jornalista Pedro Alencastro, responsável pela tradução e organização do livro Darwin no Brasil, lançado recentemente pela Editora Duas Aspas, não há dúvidas de que a passagem do naturalista por terras brasileiras foi decisiva para o trabalho que revolucionaria a Biologia.

“O Brasil foi muito importante para Darwin, porque ele tinha um grande desejo de conhecer florestas tropicais e desde cedo demonstrava um interesse muito grande pela América do Sul”, afirma ele.

“Ao chegar em locais como Fernando de Noronha, Salvador e Rio de Janeiro, ele teve a real percepção sobre o que é a floresta tropical e de como podem existir tantas espécies diferentes”, complementa o tradutor.

A bióloga Shirley Noely Hauff destaca que, até então, o jovem cientista inglês estava acostumado com os ambientes do Reino Unido, cuja biodiversidade é bem mais limitada quando comparada a do Brasil.

A especialista brasileira fez parte de um projeto capitaneado pela Universidade de Brasília (UnB) e outras instituições que, entre 2015 e 2016, refez parte da viagem de Darwin pela América Latina.
 

O biólogo Nelio Bizzo, professor titular sênior da Universidade de São Paulo (USP), concorda com a avaliação dos colegas.

"O que está registrado no diário de Darwin é o espanto que ele teve com a biodiversidade brasileira, particularmente com a biodiversidade vegetal", detalha o especialista, que trabalhou nas duas mais recentes traduções d'A Origem das Espécies para o português, lançadas pelas editoras Martin Claret e Edipro.

"Darwin tinha o naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769–1859) como um grande ídolo", descreve Bizzo.

À época, Humboldt fora proibido de entrar no Brasil porque suspeitava-se que ele era espião, mas as expedições do alemão pela América Latina espanhola — e os relatos que compartilhou em livros, artigos e cartas — fascinaram e influenciaram os amantes de História Natural na Europa.

"Darwin já tinha uma noção do que era uma floresta tropical. Mas quando ele viu de fato aquela diversidade toda, ficou muito emocionado", diz Bizzo. 

Por onde Darwin passou e o que viu

O primeiro contato do naturalista com o território brasileiro aconteceu em fevereiro de 1832, quando o HMS Beagle alcançou o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, um pequeno conjunto de ilhéus rochosos no meio do Atlântico.

Dias depois, a viagem seguiu em direção a Fernando de Noronha e logo se aproximou de Salvador, onde permaneceu por várias semanas.

No início de abril de 1832, a expedição aportou no Rio de Janeiro, a então capital brasileira. Você pode ver todas as localizações e datas no mapa a seguir: 

As passagens de Darwin pelo Brasil

Durante a expedição de cinco anos, naturalista inglês esteve no país em duas ocasiões.

Dali, o navio seguiu em direção a Montevidéu, no Uruguai.

Como explicado anteriormente, o Beagle precisou retornar ao Brasil em 1836. A princípio, a ideia dos viajantes era margear a costa da África e retornar diretamente à Europa.

Mas houve a necessidade de fazer alguns reparos, o que exigiu uma parada em Salvador e Recife durante algumas semanas de agosto daquele ano — Darwin até escreveu cartas em que desabafou estar com saudades de casa.

Como a embarcação ficava muito tempo parada em cada local, o pesquisador tinha a oportunidade de fazer caminhadas e expedições em terra firme. Muitas vezes, ele passava dias ou até semanas em viagens exploratórias por terra.

Ele ficou em Salvador, por exemplo, entre 29 de fevereiro e 17 de março de 1832. No Rio de Janeiro, mais uma estadia prolongada, de dois meses: Darwin esteve na então capital brasileira entre 4 de abril e 5 de junho daquele mesmo ano.

Porém, mesmo nos locais em que as visitas eram mais ligeiras, o cientista dava um jeito de fazer observações e pesquisas. Foi o caso do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, onde Darwin fez reflexões sobre geologia.

"A constituição mineralógica do terreno não é simples. Em algumas partes a rocha é de quartzo, noutras é de natureza feldspática, com finos veios de serpentina", escreveu no diário.

Ele também notou as aves, algas e peixes que habitam os arredores dos rochedos — e reparou na ausência de espécies de plantas ali.

"De certa maneira, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo foi o local em que Darwin começou a pensar na questão do isolamento geográfico das ilhas e das espécies que se desenvolvem nesses locais. Isso foi algo que ele observou com mais intensidade posteriormente em Galápagos", pontua Alencastro.

Em Fernando de Noronha, as análises geológicas prosseguiram. Depois, em Salvador, o naturalista inglês fez a tão aguardada visita à floresta tropical.

Em 29 de fevereiro, ele anotou: "O dia transcorreu deliciosamente. Mas esse talvez seja um termo pobre para expressar as emoções de um naturalista que, pela primeira vez, aventurou-se sozinho em uma floresta brasileira. A elegância da relva, o inusitado das plantas parasitas, a beleza das flores, o verde brilhante das folhagens e, acima de tudo, a exuberância do ambiente me encheram de admiração."

"Uma mistura paradoxal de som e silêncio se espalha nas profundezas da mata", notou.

Bizzo lembra que Darwin teve uma formação conservadora. "Ele era um cientista que havia estudado Teologia Natural, que reforçava a perfeição do mundo e da natureza. Essa perfeição é concebível num ambiente com poucos elementos. Mas como é possível conceber tal perfeição num contexto da floresta tropical, em que milhares de espécies se concentram num mesmo lugar? Como elas se harmonizam perfeitamente?", questiona o biólogo.

"Essa abundância exige uma contabilidade muito mais complexa para ser compreendida", constata ele.

No Rio de Janeiro, Darwin teve a oportunidade de ir até a cidade de Cabo Frio, onde conheceu a propriedade de um inglês.

Uma observação importante que o naturalista fez em terras fluminenses foi a de um macaco dos trópicos, o primeiro que ele viu em carne e osso.

"O animal estava morto, mas continuava enrolado pelo rabo a um galho", descreve Alencastro.

"Essa cena causou uma forte impressão em Darwin, e ele depois escreveu sobre como as caudas evoluíram nos animais terrestres e qual a função dessa estrutura em diferentes espécies", complementa o tradutor.

Ao deixar o Brasil, Darwin seguiu para Montevidéu, no Uruguai. Nas paradas seguintes, ele reuniu objetos e artefatos que poderia facilmente encontrar também na Região Sul do Brasil, nas áreas dos Pampas.

"Um exemplo são os fósseis, principalmente aqueles coletados na Patagônia. Eles foram muito importantes para o desenvolvimento da Teoria da Evolução", diz Alencastro.

"Nas suas obras, Darwin fez comparações e citou diversas vezes as descobertas de fósseis de mamíferos feitas pelo paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) na região de Lagoa Santa, Minas Gerais." 

Amou o Brasil, não curtiu os brasileiros

A leitura dos diários de Darwin revela que, em contraste ao deslumbre diante da floresta tropical, ele ficou bastante incomodado com o que viu da sociedade brasileira da época.

Isso se deve principalmente ao choque que o naturalista teve diante de um regime escravocrata — o Brasil só aboliu a servidão completamente mais de cinco décadas depois.

Num determinado trecho do diário, ele cita "as atrocidades que só poderiam acontecer num país escravagista". Em outro, confessa que deseja nunca mais pisar num país escravocrata como o Brasil.

"Ele achou um absurdo a forma como as pessoas tratavam os outros", lembra Hauff.

Darwin também reclamou dos modos dos brasileiros, que ele considerou excessivamente brutos e pouco corteses.

Bizzo lembra que, quando Darwin fez a expedição, o Brasil havia se tornado independente há uma década — e o Reino Unido só reconheceu essa condição de soberania alguns anos depois.

"Para que isso acontecesse, D. Pedro I precisou assinar um tratado com o Reino Unido que foi absolutamente humilhante, com a imposição de tarifas alfandegárias enormes sobre bens brasileiros e praticamente nenhum tributo sobre os produtos industrializados que vinham da Inglaterra", contextualiza ele.

À época, o Reino Unido também impôs a necessidade de acabar com escravidão no Brasil e passou a monitorar o Atlântico para coibir o comércio de pessoas escravizadas vindas da África.

Todo esse contexto fez com que os britânicos não fossem bem quistos, principalmente nas grandes cidades brasileiras. "Quando Darwin chegou ao país, ele não foi bem recepcionado, ao contrário do que aconteceria hoje com um turista inglês. Ele estava ali como representante de uma potência mundial que havia imposto condições que incomodavam", diz Bizzo.

O biólogo também destaca que Darwin vinha de uma família com posições progressistas.

"Susan, uma das irmãs de Darwin, não era apenas militante contra a escravidão, mas foi também uma das primeiras defensoras dos direitos dos animais e trabalhou para abolir o uso de algumas armadilhas de caça", exemplifica o pesquisador. 

O bom filho à casa torna

Sustos, horrores e problemas de relacionamento com brasileiros à parte, o naturalista retornou à Inglaterra depois de 4 anos e meio de viagem, em 1836.

Mas ele só publicaria A Origem das Espécies, livro que revolucionaria o mundo, 23 anos depois, em 1859.

Bizzo explica que Darwin saiu da Inglaterra sem ter desenvolvido a Teoria da Evolução — e retornou ao seu país sem ser um evolucionista.

"Não é verdade que ele elaborou a Teoria da Evolução durante a viagem no HMS Beagle. O que ele fez ao longo desse tempo foi coletar muito material e conhecer boa parte do mundo de um jeito que poucas pessoas conheciam naquela época", esclarece o professor.

Os entrevistados pela BBC News Brasil descreveram Darwin como um pesquisador meticuloso, quase obsessivo, que fez os mais diversos experimentos antes de tornar pública a sua teoria.

"Darwin era um pesquisador metódico e observador", caracteriza Hauff.

Um desses estudos, por exemplo, tentava desvendar quanto tempo as ovas de moluscos sobrevivem nas lamas grudadas nas patas de aves migratórias.

"Numa de suas experiências mais inventivas, Darwin colocou dois pés de pato, cortados na altura do joelho, dentro de um aquário cheio de caramujos de água doce. A ideia era simular uma ave dormindo com os pés enfiados numa lagoa, hábito comum de muitas espécies. Passado um tempo, ele retirou os pés do aquário, sacudiu os dois para imitar o voo de uma ave e pediu aos filhos, que tinham uma visão muito melhor, para contar quantos filhotes de caramujo encontrariam nelas", descreve o livro Darwin no Brasil.

O naturalista também tornou-se um grande especialista em cracas, organismos marinhos que se instalam em rochas — alguns dos trabalhos que ele publicou sobre esses seres continuam atuais até hoje.

"Ele estudou cracas por cerca de oito anos, e mesmo atualmente é bem difícil trabalhar com essa espécie", estima Hauff.

"Darwin fez tudo isso porque não queria dar brecha nenhuma, pois tinha muito receio de como as ideias seriam recebidas e questionadas com a religiosidade e a moral da época", avalia Alencastro.

"Por isso, ele sempre procurou se cercar do máximo de evidências possíveis, que iam desde as experiências caseiras até correspondências que trocou com especialistas do mundo inteiro", conclui ele.

Jabuti não sobe em árvore https://bit.ly/3Ye45TD

Palavra de poeta: Chico de Assis

SUBLIMAÇÃO

Chico de Assis*


 
Dentro de mim há
interrogações exclamações 
vírgulas e reticências.
Nenhum traço de união! 
 
No entanto porque ruiu
a pilastra dos sonhos
procuras agora
cimentar pesadelos?

[Ilustração: Mario Tozzi]

*Advogado, poeta

As mil faces da vida https://bit.ly/3Ye45TD 

29 abril 2024

Espionagem ilegal

Exército comprou maleta espiã que intercepta ligações e liga microfone de celular, mostra depoimento

Governo Bolsonaro monitorou jornalistas, políticos e até ministros do Supremo Tribunal Federal
Cézar Feitoza e Thaísa Oliveira/ICL Notícias

 

O Exército comprou uma maleta espiã que permite interceptar ligações, ativar remotamente o microfone de celulares e bloquear comunicações sem a necessidade de autorização judicial para executar as tarefas.

O sistema de inteligência é chamado de GI2 e é vendido pela Verint (atualmente conhecida como Cognyte) como um complemento ao FirstMile -software espião cujo uso ilegal por integrantes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) é investigado pela Polícia Federal.

Segundo documentos da Verint repassados por um ex-funcionário da empresa à Folha de S.Paulo, a venda casada dos produtos é sugerida a clientes pelo menos desde 2013.

Na época, a empresa usava no lugar do FirstMile outro produto, chamado SkyLock, que possui o mesmo princípio do sistema investigado pela PF – obter acesso à localização aproximada de celulares por meio de brechas nos serviços de telecomunicações.

“Um exemplo disso (uso combinado dos sistemas) é utilizar o SkyLock em conjunto com o ENGAGE GI2 para primeiro identificar a localização de uma célula alvo e, em seguida, usar o GI2 da Verint para identificar a localização precisa desse alvo”, diz trecho do material de divulgação do produto.

O GI2 foi comprado pelo Exército durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, no final de 2018, que era comandada pelo general Walter Braga Netto. A informação foi relatada pelo vendedor da Verint Caio Santos Cruz, em depoimento à Polícia Federal obtido pela Folha.

Santos Cruz disse ainda que o Exército comprou, no mesmo pacote, os sistemas FirstMile, WebAlert e FaceDetect ao custo de cerca de US$ 10,8 milhões (R$ 56 milhões na cotação atual).

Sem explicação do Exército

O Exército afirmou, em nota, que a legislação brasileira a impede de comentar assuntos de inteligência. Procurada, a Abin disse que a informação é sigilosa para “preservar capacidades operacionais”.

Em portfólio apresentado a clientes, a Verint detalha as funcionalidades do GI2. Entre elas, estão “localizar com precisão o alvo usando um dispositivo dedicado de busca sem desativar a capacidade de comunicação do alvo” e “extrair as coordenadas GPS do telefone móvel do alvo em redes GSM e UMTS”.

Outras utilidades do equipamento são “ouvir, ler, editar e redirecionar chamadas e mensagens de texto de entrada e saída”, “ativar remotamente o microfone de um telefone móvel”, “identificar a presença de telefones móveis alvo” e “bloquear comunicações celulares para neutralizar IEDs (Dispositivos Explosivos Improvisados, em inglês)”.

A maleta espiã possui um sistema intricado. Na prática, quando o GI2 é acionado, ele passa a funcionar como uma antena de telecomunicação, e todos os celulares em um raio próximo de 1 km se conectam a ela.

Dessa forma, o operador do GI2 consegue aplicar suas funções contra todos os celulares próximos à região em que se encontra.

Uma função do sistema, porém, permite que o operador da maleta espiã selecione um celular-alvo –e, assim, todos os demais telefones voltam a se conectar com a antena mais próxima.
 

Após definir o celular-alvo, a maleta consegue extrair os dados e acessar remotamente somente os dados do telefone monitorado, permitindo ao operador ouvir ligações e ativar o microfone do aparelho.

O Parlamento Europeu concluiu em 2023 uma investigação sobre a utilização de softwares espiões entre os países-membros da União Europeia. Parte do documento é destinado a relatar as negociações e suspeitas envolvendo as empresas Verint e Cognyte.

O relatório final do inquérito destaca que a empresa vendeu produtos espiões para governos repressivos, como Mianmar, Azerbaijão, Indonésia e Sudão do Sul. “Neste último caso, o Serviço de Segurança Nacional do Sudão do Sul utilizou equipamento de interceptação da Verint contra ativistas dos direitos humanos e jornalistas entre março de 2015 e fevereiro de 2017.”

O documento ainda diz que a tecnologia GI2, da Verint, foi enviada a uma filial da empresa na Polônia para “fins de demonstração”. “A tecnologia GI2 permite acessar um determinado dispositivo e fazer-se passar pelo proprietário e enviar mensagens falsas através desse dispositivo”, completa.

A reportagem procurou a Verint por ligações, emails e mensagens a funcionários da empresa, mas não teve resposta.

Como funciona a integração de FirstMile e GI2

A Verint Systems é uma empresa israelense que fornece mundialmente serviços e soluções de inteligência para governos e agências. Em 2021, o grupo decidiu desmembrar seu setor de inteligência para a Cognyte Software, que manteve os contratos firmados pela antecessora com diversos órgãos governamentais brasileiros.

Em documentos enviados aos seus clientes, a Verint oferecia a venda dos sistemas SkyLock (antecessor do FirstMile e que fornece o mesmo serviço) e GI2 em conjunto. Na prática, as funcionalidades dos dois produtos são complementares.

O FirstMile utiliza uma brecha no protocolo internacional das telecomunicações, chamado de SS7 (Sistema de Sinalização nº7), para obter acesso da localização aproximada de celulares.

O protocolo funciona da seguinte maneira: quando alguém liga para o celular de outra pessoa, a rede de telefonia precisa localizar em qual antena de celular cada um dos interlocutores está conectado.

A operadora da pessoa que faz a chamada solicita à operadora de quem recebe a ligação a localização da antena. O protocolo é quase instantâneo, e a conexão entre os dois celulares é estabelecida.

Empresas de inteligência encontraram uma brecha nesse protocolo internacional ao descobrir que nenhuma operadora bloqueava os pedidos de localização -já que são muitas as solicitações feitas a todo momento.

Esses grupos viram que seria possível criar empresas de telecomunicação de fachada para solicitar às operadoras reais a localização de celulares.

O FirstMile foi criado nesse contexto. O operador do sistema consegue incluir o telefone de qualquer pessoa na plataforma e, assim, pode realizar o monitoramento em tempo real do celular.

Toda vez que o telefone entra em contato com a antena de telecomunicação ao receber ligação, SMS, ou atualizar serviço, um registro da localização do celular é feito no sistema do FirstMile.

Segundo relatos de pessoas que conhecem o funcionamento do sistema, é possível ainda realizar outros tipos de consulta, como solicitar os números de telefone conectados a uma determinada antena ou estabelecer critérios para receber notificações sempre que algum celular passar por um local predefinido.

O GI2 se torna útil neste momento. Com a localização da pessoa monitorada, obtida pelo FirstMile, o investigador pode se locomover para perto da região e usar a maleta espiã para escutar as ligações feitas pelo alvo ou mesmo ligar o microfone do aparelho sem deixar rastros.

O produto ainda consegue dar a “localização exata do suspeito para detenção, tornando praticamente impossível para os alvos escaparem, não importa o local em que estejam no mundo” -segundo documento da Verint que sugere a venda conjunta dos sistemas.

O Tribunal de Contas da União (TCU) está investigando o contrato do Exército com a empresa que ofereceu a ferramenta israelense usada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no governo de Jair Bolsonaro (PL), para monitorar jornalistas, políticos e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Firmado com dispensa de licitação, o acordo se deu por meio do escritório de Washington — um mecanismo de compras que é alvo de apuração, segundo o Estadão. A Marinha também tem contratos com a empresa.

Leia: De que dispersão estamos falando? https://bit.ly/3TKqvu7