Economista fala dos desafios para manter ritmo da produção industrial
IBGE aponta que a indústria nacional teve crescimento de 4,1% no mês de junho. Diogo Santos avalia a participação no PIB e a nova política do governo Lula para o setor
Murilo da Silva/Vermelho
O mês de junho trouxe um importante resultado para a indústria nacional. De acordo com a Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF), divulgada no início do mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a indústria brasileira cresceu 4,1% em junho frente ao mês de maio.
A pesquisa ainda indicou que em 12 meses, até junho, o crescimento é de 1,5% e no acumulado de 2024, de 2,6%. Apesar de resultados positivos, o nível da atividade industrial ainda está 14,3% abaixo do máximo anotado em maio de 2011.
Para entender em qual cenário a atividade industrial está inserida e avaliar no contexto da política industrial que está em um processo de retomada pelo governo Lula, o Portal Vermelho conversou com o economista e doutorando em Economia pela UFMG, com período de pesquisa na Universidade de Leeds na Inglaterra, Diogo Santos.
Qual avalição é feita sobre o impacto da indústria no PIB?
A indústria brasileira, como já estamos acompanhando há muito tempo, vem perdendo espaço no PIB brasileiro. Em termos de participação no PIB, atualmente, a indústria de transformação corresponde a cerca de 11%, o que é um valor muito baixo e acarreta uma série de consequências negativas, porque a indústria tem várias características importantes. Entre elas a de impulsionar o desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento de outros setores que chamamos de serviços modernos, aqueles serviços intensivos em conhecimento, intensivos em mão de obra qualificada e que são os serviços que os países desenvolvidos controlam e são uma parte muito importante da cadeia de produção global. Então, sem indústria é difícil desenvolver esses serviços. Por isso o impacto no PIB na indúst ria de transformação, não estamos falando de indústria extrativa e da indústria de construção, o impacto dela vai muito além do que simplesmente pensar nos cerca de 10% do PIB, pois uma indústria que cresce tem a capacidade de induzir o crescimento em outros setores.
O Programa Nova Indústria Brasil (NIB) foi lançado pelo governo Lula para retomar o desenvolvimento industrial, que está 14,3% abaixo do nível recorde alcançado em maio de 2011. A NIB é suficiente para retomar alcançar novamente este patamar e superá-lo?
A NIB é uma excelente iniciativa porque busca gerar um projeto, uma ideia, um caminho que o Brasil possa percorrer e criar convergências e unidade de ação entre governo e o setor privado, academia, institutos de pesquisa e institutos tecnológicos para caminhar todos na mesma direção de quais desafios e de quais missões o Brasil deve enfrentar. A NIB ainda também tem uma grande questão importante que é de não só pensar em desenvolver a indústria de transformação, pois muito mais importante do que isso é pensar a indústria de transformação como uma ferramenta para resolver grandes problemas do país. Os problemas que temos que enfrentar de diversificação energética, do desenvolvimento do sistema de saúde.
Por exemplo, temos que pensar em adensar a produção nos setores e nos produtos relacionados à indústria de saúde para depender menos de importações de equipamentos médicos e de fármacos, ou seja, fundamentar essas ideias de a indústria ser chamada pelo poder público para enfrentar esses problemas e a partir daí realizar um processo de desenvolvimento industrial ao mesmo tempo com um processo de desenvolvimento social.
Nesse sentido, quais desafios a NIB apresenta para oferecer resultados para a sociedade brasileira?
A NIB é muito boa, porém tem muitos desafios para dar conta, porque isso demanda tempo de maturação para os agentes públicos, o setor privado, a academia e a sociedade de modo geral internalizar os desafios e transformar o que está escrito lá na política na NIB em ação concreta, entendendo isso como um caminho necessário para o Brasil. Para isso é fundamental uma capacidade de coordenação que o Brasil precisa retomar: um Estado brasileiro com capacidade de diálogo e de interação com o setor privado, com a universidade e com os trabalhadores que estão nesses setores importantes. Essa capacidade de coordenação precisa ser melhorada ainda, sendo que este é um limite sério do problema. Outro limite é que ainda os recursos são poucos. É preciso colocar novos recursos que ajudem, de fato, a ampliar o acesso ao cr&e acute;dito e ao financiamento para as empresas, este é outro problema que enfrentamos.
Além disso, tem um grande problema de estarmos sob um regime macroeconômico que não favorece esse desenvolvimento industrial, uma vez que favorece a desindustrialização, favorece a manutenção do país como refém do agronegócio, do setor extrativo … então precisamos também ganhar força e capacidade política para mudar essas questões. Isto tem a ver com o regime da política monetária, com uma meta de inflação que é muito baixa, tem a ver com um regime fiscal que dificulta o estado realizar investimentos públicos de maior de maior monta, tudo isso dificulta a capacidade do Estado ser indutor do desenvolvimento. Por outro lado, temos ferramentas importantes como os bancos públicos, um parque tecnológico e de universidades que são essenciais para ajudar nisso, porém tudo leva tempo e o desafio é grande para dar conta de fazer muita coisa em pouco tempo.
O governo Lula viabilizou a criação das Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCDs), atendendo o setor industrial que demanda mais crédito. A medida é vista com grande expectativa. Como a emissão das LCDs contribuirá para este cenário de retomada?
As Letras de Crédito do Desenvolvimento são uma medida importante porque vai ajudar a ter uma fonte de recursos nova para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) fornecer linha de crédito a uma taxa de juros um pouco mais baixa, mesmo em um regime em que a taxa de juros do Banco Central é muito alta. A LCD pode ser um pouco melhor, mas ao mesmo tempo eu vejo que essa política, que é muito necessária e não tenho nada para dizer contra, é uma forma encontrada de o BNDES agir diante de uma série de limitações que foram impostas à sua atuação, principalmente depois do golpe de 2016.
Foi feito um desmonte do BNDES com uma redução drástica do seu papel de financiamento. Ainda foi feita uma tentativa de criminalização da ação do banco por uma mentira chamada de “caixa-preta do BNDES”, como também foi retirado da entidade a possibilidade de ser capitalizada ao receber recursos por emissão de títulos do Tesouro, sendo que o TCE o julgou que essa forma de fazer a capitalização pelo BNDES era irregular.
Agora o banco não tem mais a modalidade da taxa de juros de longo prazo, que é uma taxa bem mais baixa. Essa taxa que era um referencial importante para o financiamento de longo prazo via BNDES também não existe mais, ou seja, o banco criando essa letra, esse instrumento financeiro, ele ajuda a ampliar as fontes de financiamento, mas é preciso entender que isso acontece em um cenário que tivemos grandes retrocessos ao longo dos últimos anos.
É preciso entender que estamos fazendo política industrial, que isto é muito importante, que é importante criar novos setores industriais, pois não basta crescer a indústria que já temos, é preciso desenvolver outros setores industriais, precisamos que esses setores industriais consigam avançar tecnologicamente, precisamos que eles ajudem a desenvolver os outros setores, como os setores de serviços intensivos em tecnologia. Portanto, para pensar um projeto de país temos que sempre nos manter vigilantes, pois o desafio é muito maior.
Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/limites-da-industria-brasileira.html
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