Na Cúpula do Futuro, Lula critica falta de vitalidade, legitimidade e ousadia na ONU
Durante abertura do evento, presidente brasileiro defende reformulação dos organismos internacionais para incluir o Sul Global e enfrentar a fome e a crise ambiental
Priscila Lobregatte/Vermelho
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou, neste domingo (22), na abertura da Cúpula do Futuro, em Nova York. O evento integra os debates promovidos no âmbito da Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU). Em sua fala, o presidente voltou a destacar a necessidade de reformar a governança global da organização e de outras instituições, como forma de dar voz aos países do Sul Global e de responder à altura os desafios atuais. Também enfatizou a falta de vitalidade, legitimidade e ousadia de instâncias da ONU.
“A crise da governança global requer transformações estruturais. A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais. A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões”, declarou Lula.
O presidente continuou salientando que a Assembleia Geral “perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades”.
Lula também destacou que as instituições de Bretton Woods “desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento” e que “o Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico”.
Revigoramento do multilateralismo
Ao iniciar seu discurso, Lula lembrou que a pauta da reformulação dos órgãos globais remonta há pelo menos 20 anos, quando o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, abordou a importância de revigorar o multilateralismo.
Naquela ocasião, recordou o presidente, “ressaltei, nesta tribuna, a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir seu papel histórico. Aquela reflexão conjunta rendeu frutos como a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos. Outras ideias não saíram do papel”.
Considerando esta questão e o cenário atual, Lula enfatizou que existem duas grandes responsabilidades “perante aqueles que nos sucederão”.
A primeira é não retroceder. “Não podemos recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação. Tampouco podemos voltar a conviver com ameaças nucleares. É inaceitável regredir a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência”, disse.
Ponto central de sua atuação como líder em âmbito nacional e internacional, o combate à vulnerabilidade alimentar foi outro ponto salientado pelo presidente. “Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso. Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente”.
O presidente avalia que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, propostos pela ONU em 2015, foram “o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo”. Isso porque, levando em conta o ritmo atual, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo.
Como forma de contribuir para a superação da crise alimentar que afeta milhões de pessoas pelo mundo, Lula destacou que na presidência do G20, o Brasil lançará uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O lançamento oficial deverá ocorrer paralelamente à Cúpula do G20, em novembro, na cidade do Rio de Janeiro.
Crise ambiental
No que diz respeito à crise ambiental, Lula enfatizou que, na COP28, em 2023, o mundo realizou um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris. “Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro”, lamentou.
Lula disse, ainda, que em parceria com o secretário-geral e como preparação para a COP30, “vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade”.
Segunda responsabilidade
A segunda responsabilidade apontada pelo presidente brasileiro é “abrir caminhos diante dos novos riscos e oportunidades”. Para ele, “o Pacto para o Futuro nos aponta a direção a seguir. O documento trata de forma inédita temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional”.
O Pacto foi adotado com a anuência de 193 países durante a Cúpula para o Futuro, evento paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada neste domingo.
Lula disse, ainda, que “o Pacto Global Digital — um anexo do Pacto para o Futuro — é um ponto de partida para uma governança digital inclusiva, que reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a Inteligência Artificial.Todos esses avanços serão louváveis e significativos. Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia”.
Lula concluiu seu discurso destacando que “o melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão”.
Na próxima terça-feira (24), o presidente fará o tradicional discurso de abertura na Assembleia Geral das Nações Unidas. Por tradição, desde a 10ª sessão da cúpula, o presidente do Brasil é sempre o primeiro país a discursar.
Leia mais sobre a política externa https://lucianosiqueira.blogspot.com/2022/11/nova-diplomacia-brasileira.html
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