26 outubro 2024

A ideologia rentista

As semelhanças entre os terraplanistas e os faria limers
O indicador mais relevante não é o do superávit primário - o que calcula receitas e despesas do governo, excluindo juros.
Luís Nassif/Jornal GGN    

Os vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2024 foram Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson. Um dos temas que exploram é a maneira como os bancos passaram a dominar a opinião pública, mesmo após o desastre de 2008. Na ocasião, conseguiram desenvolver um discurso que levou o FED a salvá-los – em vez de abrir processos criminais contra os responsáveis pelos golpes – e a deixar os clientes se afogando.

Vamos recorrer a trechos do livro “Poder e Progresso – uma luta de mil anos entre a tecnologia e a prosperidade”.

O viés da confirmação

Temos uma série de vieses, como a propensão a encontrar provas para algo em que já acreditamos (“ viés da confirmação”), ou a pensar que eventos raros são mais comuns do que na verdade são.

O poder da persuasão

Uma heurística aparentemente razoável consiste em prestar mais atenção em quem tem mais prestígio. De fato, acreditamos quase por instinto que as ideias e recomendações de gente dotada de status merecem nossa atenção. (…) Em outras palavras, somos imitadores tão bons que é difícil não absorvermos a informação embutida nas ideias e visões com que nos deparamos, normalmente propostas pelos mais poderosos.

Aliás, é só conferir repórteres da área econômica que tratam a Faria Lima como “elite”.

O poder dos bancos

No meio da pior recessão desde os anos 1930, nove instituições financeiras que estavam entre as maiores beneficiadas pelos resgates pagaram bônus de mais de 1 milhão de dólares a 5 mil funcionários—sob a justificativa de que precisavam reter o “talento”.(…)

A retórica de que a grande indústria financeira é benéfica para a sociedade pareceu irresistível porque os banqueiros e sua turma conquistaram uma posição de autoridade, conceberam a narrativa e forneceram sua interpretação das evidências.

Vacinas e Selics

A partir dessas constatações, vamos tentar entender porque a opinião pública anti-vacina é tão similar à opinião pública que inclui de caça-fantasmas de gastos públicos até autoridades econômicas que acreditam que a fé cega que a faca amolada do superávit fiscal levará à salvação da Nação (os Faria Limers e seus porta-vozes ainda não foram rezar em porta de quartel, mas chegam lá).

O indicador mais relevante não é o do superávit primário – o que calcula receitas e despesas do governo, excluindo juros. A prova do pudim, o indicador central, é a relação dívida/PIB. O tamanho do superávit primário é definido por sua capacidade de estabilizar – e até reduzir – a relação dívida/PIB.

Vamos a algumas continhas singelas para entender o busílis da questão.

Hoje em dia, a relação dívida/PIB está em 78,3% do PIB. A relação dívida/PIB depende da seguinte fórmula:

(PIB x taxa de crescimento x superávit) – (dívida x taxa real de juros).

Vamos a dados de hoje.

  1. Com o PIB crescendo a 3% ao ano, em 10 anos quanto seria necessário de superávit primário para estabilizar a relação dívida/PIB em 78,3%

Segundo nossos cálculos, o superávit necessário seria de 2,3% todo ano. Quem achar isso possível acredita em discos voadores. 

2. Mas suponhamos que a economia seja impactada pelos juros e só consiga crescer 2,% ao ano.

Nesse caso, para estabilizar a relação dívida/PIB, o superávit deveria ser de 3,05% todo o ano. Eu disse estabilizar. 

3. Mas, por algum milagres do divino, suponhamos um PIB crescendo a 4% ao ano. Nesse caso, as regras atuais das metas inflacionárias espalharão terrorismo sobre a volta da inflação e, suponhamos, conseguem elevar a taxa real para 7% ao ano. Nesse caso, seria necessário um superávit primário de 2,2% todo ano. 


4. Finalmente, com fé em Deus, a economia consegue superar todas as armadilhas e crescer a 5% ao ano. Nesse caso, os discos voadores desceriam em plena Faria Lima.

Trata-se de uma hipótese quase impossível, já que cada sopro de crescimento é abortado pelo terrorismo com a “gastança” e com a volta da inflação. Mas se conseguiria estabilizar a dívida com um superávit de 1,5% todo ano. 

Agora, vamos a algumas contas com a taxa real da dívida pública em 4%. Nesse caso, com a economia crescendo sistematicamente 3% ao ano, seria necessário um superávit de 0,7%. 

Em uma posição mais realista, com a economia crescendo a 2% ao ano e a taxa real em 3%, o superávit necessários será de 0,8%.

Leia sobre a resistência ao rentismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/search?q=capital+financeiro 

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