A doce sensação de ser
medíocre - uma autobiografia
Cláudio Carraly*
Mesmo que nossa passagem seja apenas uma poesia mal escrita, destinada a ser descartada ao término da leitura, encontramos uma beleza única na efemeridade da experiência chamada de vida, como uma composição, pode durar apenas o tempo de execução da canção, sua marca não reside apenas no que foi escrito, ritmado e reproduzido, mas na intensidade dos versos refletidos em nós, nas emoções encapsuladas e nas nuances de sentimentos e emoções que despertam quando ouvimos essa música.
A efemeridade, muitas vezes, é
o que confere valor à experiência, mesmo que as palavras se percam ao vento, o
ato de escrever, de criar, torna-se significativo em si, só por isso, pelo ato
revolucionário da própria escrita. Nossa existência, é como o exemplo uma
poesia menor, rabiscada em um papel qualquer. E que provavelmente nunca mais
será lembrada, mas isso não é o importante, fundamental é o ato da criação,
naquele momento de expressão, onde encontramos uma centelha de significado em
estar vivo, pelo grito do poeta nas letras impressas, mesmo que olhos desapercebidos
de sentido tenha apenas passeado pelas frases sem verdadeiramente
decodificá-las.
Assim, ao encararmos a
possibilidade de sermos apenas como essas palavras perdidas, percebemos que a
beleza está na expressão momentânea, na autenticidade do ato criativo. A vida,
como uma a escrita logo descartada, ganha relevância na criação e na vivência,
independentemente da longevidade dessas páginas no tempo. Mesmo que o quadro
pintado permaneça sem nunca ser admirado, mesmo que seu valor estético seja
questionável, a digital do artista está registrada e isso ninguém nunca tomará
dele.
Nossa sociedade, lembra apenas
dos poucos que deixaram uma indelével marca em sua passagem pela existência
humana. Contudo, este texto não é para esses notáveis, aqui homenageamos aos
inúmeros desapercebidos pela história, aos que experimentaram a vida comum, e
carregaram as agruras da irrelevância, aos que tentaram seu melhor, mesmo que
seu melhor fosse uma fotografia em cores da sua vida em preto e branco,
celebramos a vasta legião dos degredados da grande tragédia de serem insípidos,
cujas vidas passearam no universo de maneira silenciosa e discreta, e tenha
existido em seu tempo, sem que seus os pares nada saibam dele, como desterrados
de toda terra.
Atestamos, nesse momento, um
tributo à coragem daqueles que persistiram, resistiram e existiram nas sombras
daqueles que triunfaram, brindemos aqueles cujas trajetórias não foram gravadas
em pedra, mas que foram parte essencial da tessitura do que nos levará até
depois do lá. Evoé para os que não alcançaram os holofotes da memória coletiva,
para todos que navegaram nas correntes invisíveis da vida e nadaram nas
contracorrentes dos aplausos, sem reconhecimento, “sem pódio de chegada ou
beijos de namorada”.
Portanto, na simplicidade
dessa complexidade, cada vida é verdadeiramente uma peça única no quebra-cabeça
da existência, e por existência, não tenham dúvida, ela é um sinônimo de dor!
Esta celebração é um reconhecimento dessa diversidade e da resiliência dos que
moldaram o curso da história, mesmo sem os devidos reconhecimentos, talvez pelo
mundo obviamente não saber quem são, nem o que fizeram, ou melhor, o que
deixaram de fazer.
Mas sabemos que viveram,
tentaram e fracassaram, ou talvez quem sabe? Nem tentaram, fato é que no fim
seus rastros desaparecem rapidamente, em duas ou três gerações até a lembrança
de seus nomes estarão se apagando. Todavia, esses são e continuarão sendo a
imensa maioria das pessoas. Os notáveis sempre serão muito poucos, porem nós os
medíocres, os desnecessários, abundamos, borbulhamos, exuberamos em quantidade,
e nos reproduzimos rapidamente. E como bem disse um desses notáveis certa vez…
"Deus deve amar os homens medíocres. Pois fez vários deles".
*advogado, ex-Secretário Executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
Leia um poema de Moacir Félix https://lucianosiqueira.blogspot.com/2021/07/palavra-de-poeta-moacir-felix.html
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