11 outubro 2024

Cláudio Carraly opina

A doce sensação de ser medíocre - uma autobiografia
Cláudio Carraly* 

Mesmo que nossa passagem seja apenas uma poesia mal escrita, destinada a ser descartada ao término da leitura, encontramos uma beleza única na efemeridade da experiência chamada de vida, como uma composição, pode durar apenas o tempo de execução da canção, sua marca não reside apenas no que foi escrito, ritmado e reproduzido, mas na intensidade dos versos refletidos em nós, nas emoções encapsuladas e nas nuances de sentimentos e emoções que despertam quando ouvimos essa música.

A efemeridade, muitas vezes, é o que confere valor à experiência, mesmo que as palavras se percam ao vento, o ato de escrever, de criar, torna-se significativo em si, só por isso, pelo ato revolucionário da própria escrita. Nossa existência, é como o exemplo uma poesia menor, rabiscada em um papel qualquer. E que provavelmente nunca mais será lembrada, mas isso não é o importante, fundamental é o ato da criação, naquele momento de expressão, onde encontramos uma centelha de significado em estar vivo, pelo grito do poeta nas letras impressas, mesmo que olhos desapercebidos de sentido tenha apenas passeado pelas frases sem verdadeiramente decodificá-las. 

Assim, ao encararmos a possibilidade de sermos apenas como essas palavras perdidas, percebemos que a beleza está na expressão momentânea, na autenticidade do ato criativo. A vida, como uma a escrita logo descartada, ganha relevância na criação e na vivência, independentemente da longevidade dessas páginas no tempo. Mesmo que o quadro pintado permaneça sem nunca ser admirado, mesmo que seu valor estético seja questionável, a digital do artista está registrada e isso ninguém nunca tomará dele.

Nossa sociedade, lembra apenas dos poucos que deixaram uma indelével marca em sua passagem pela existência humana. Contudo, este texto não é para esses notáveis, aqui homenageamos aos inúmeros desapercebidos pela história, aos que experimentaram a vida comum, e carregaram as agruras da irrelevância, aos que tentaram seu melhor, mesmo que seu melhor fosse uma fotografia em cores da sua vida em preto e branco, celebramos a vasta legião dos degredados da grande tragédia de serem insípidos, cujas vidas passearam no universo de maneira silenciosa e discreta, e tenha existido em seu tempo, sem que seus os pares nada saibam dele, como desterrados de toda terra.

Atestamos, nesse momento, um tributo à coragem daqueles que persistiram, resistiram e existiram nas sombras daqueles que triunfaram, brindemos aqueles cujas trajetórias não foram gravadas em pedra, mas que foram parte essencial da tessitura do que nos levará até depois do lá. Evoé para os que não alcançaram os holofotes da memória coletiva, para todos que navegaram nas correntes invisíveis da vida e nadaram nas contracorrentes dos aplausos, sem reconhecimento, “sem pódio de chegada ou beijos de namorada”. 

Portanto, na simplicidade dessa complexidade, cada vida é verdadeiramente uma peça única no quebra-cabeça da existência, e por existência, não tenham dúvida, ela é um sinônimo de dor! Esta celebração é um reconhecimento dessa diversidade e da resiliência dos que moldaram o curso da história, mesmo sem os devidos reconhecimentos, talvez pelo mundo obviamente não saber quem são, nem o que fizeram, ou melhor, o que deixaram de fazer. 

Mas sabemos que viveram, tentaram e fracassaram, ou talvez quem sabe? Nem tentaram, fato é que no fim seus rastros desaparecem rapidamente, em duas ou três gerações até a lembrança de seus nomes estarão se apagando. Todavia, esses são e continuarão sendo a imensa maioria das pessoas. Os notáveis sempre serão muito poucos, porem nós os medíocres, os desnecessários, abundamos, borbulhamos, exuberamos em quantidade, e nos reproduzimos rapidamente. E como bem disse um desses notáveis certa vez… "Deus deve amar os homens medíocres. Pois fez vários deles".

*advogado, ex-Secretário Executivo de Direitos Humanos de Pernambuco

Leia um poema de Moacir Félix https://lucianosiqueira.blogspot.com/2021/07/palavra-de-poeta-moacir-felix.html 

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