Não sei quantas almas tenho
Fernando Pessoa
Não sei quantas almas
tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me
estranho.
Nunca me vi nem
acabei.
De tanto ser, só tenho
alma.
Quem tem alma não tem
calma.
Quem vê é só o que
vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e
vejo,
Torno-me eles e não
eu.
Cada meu sonho ou
desejo
É do que nasce e não
meu.
Sou minha própria
paisagem;
Assisto à minha
passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde
estou.
Por isso, alheio, vou
lendo
Como páginas, meu
ser.
O que segue não
prevendo,
O que passou a
esquecer.
Noto à margem do que
li
O que julguei que
senti.
Releio e digo:
"Fui eu ?"
Deus sabe, porque o
escreveu.
[Ilustração: David Carmack Lewis]
Leia
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