10 janeiro 2025

Algorítmos, arma política

O Leviatã Algorítmico
O uso de algoritmos pode desencadear reflexos diretos na democracia
Herbert Salles/Le Monde Diplomatique  


As tecnologias possibilitaram uma nova estruturação social a partir da construção de um novo modelo capitalista em que o uso massivo de algoritmos e a absorção da Inteligência Artificial pela indústria se torna frequente. Assim, uma nova Economia Digital emerge e, com ela, é possível observar uma mudança nas formas de trabalho e garantia de renda. O ciberproletário surge enquanto o trabalho algoritmizado se pavimenta como grande catalisador de precarização de mão-de-obra na Economia Digital. Entende-se, então, a algoritmização como núcleo do capitalismo de vigilância.

No capitalismo de vigilância, o Estado arrefece sua predominância e dá lugar aos monopólios das Big Techs, onde a democracia se coloca em risco quando há o esvaziamento do conceito de cidadão para que se consolide, entre os usuários dessas empresas, a ideia de que são participantes ativos para além de meros clientes. Ou seja, enquanto um indivíduo trabalha na Uber, debate política no Facebook, recebe e repassa informações no whatsapp e cria conteúdos para o TikTok, ele se percebe não como um usuário ou cliente dessas plataformas, mas sim, se vê como um agente fundamental para que essas empresas se mantenham ativas. São “quase-sócios”, pessoas que estão ativas através de contas em plataformas e redes sociais, que eventualmente geram renda e comumente tem ganhos psíquicos, se enxergam como influenciador ou empreendedor e s ão capazes de defender essas empresas pois estão vinculadas à elas de forma simbiótica.

Diante desse cenário, é possível ver que as Big Techs, consolidadas no ambiente digital, se tornam o Leviatã Algorítmico, em que dominam a indústria, a política e, principalmente, as relações sociais. Dessa forma, essas empresas podem ter uma legião de adeptos maiores que populações de vários países. A Meta, por exemplo, pode ter 3,2 bilhões de usuários nos seus diferentes aplicativos, mais que o dobro da população chinesa. A Uber informa que possui mais de 7 milhões de motoristas e entregadores no mundo, duas vezes a população do Uruguai. Estima-se que o Google realize 3 bilhões de pesquisas por dia e o TikTok possui 700 milhões de downloads no ano de 2023, é como se a cada dois indianos, um baixe a rede social e que cada um deles faça duas pesquisas por dia no buscador.

É preciso entender que, cada vez mais, essas empresas se aproximam entre si a partir do uso de algoritmos que se conectam. Pesquisas do Google ou Youtube, por exemplo, têm influência por lastros do Instagram ou TikTok. Isso se dá a partir do entendimento do comportamento desses usuários em diferentes espaços digitais que criam segmentações a partir de alguns interesses.

Os algoritmos, então, são capazes de criar pontes que interligam interesses em comum em diferentes aplicativos, plataformas e sites. Não é uma estrutura em rede, ao qual a conexão é homogênea e centralizada, é mais uma aglutinação de dados que a depender do interesse dos envolvidos, possibilitam a troca e a soma desses dados com a finalidade de lucro.

Por exemplo, em uma estrutura mais simples, ao mostrar algum interesse em um determinado produto no aplicativo da Amazon, esse usuário será impactado com um anúncio no Instagram desse produto visualizado. Mas é possível ter aplicações mais robustas e complexas, como os interesses em músicas no Spotify que podem ser cruzados com informações que monitoram a saúde, o sono ou os hábitos de um indivíduo. Assim, uma empresa pode saber se um determinado podcast afeta o sono ou qual pedido é feito por uma mulher em seu período menstrual.

Não há nada de distópico nisso pois todas essas informações já estão disponíveis e são capazes de serem estruturadas e cruzadas com o objetivo de gerar mais lucros para as empresas envolvidas.

O caso da Cambridge Analytica é um exemplo de como o uso de algoritmos pode desencadear reflexos diretos na democracia. Mais que isso, esse escândalo mostra a fusão do enfraquecimento democrático com o fortalecimento do neoliberalismo. Assim, a algoritmização constrói um arcabouço de poder com o auxílio de um contigente de bilhões de usuários.

A fragilidade democrática proporciona o crescimento ideológico mercantilizado, em que tudo poderá ser visto, pautado e avaliado a partir do fortalecimento capitalista. A corrosão da democracia ocorre, no espaço algoritmizado, quando há a mercantilização do Estado e a glorificação dos mega bilionários. Basta observar o que há anos Musk vem fazendo ao utilizar democracias do mundo inteiro como um bibelô desprezível. Sua mais recente afronta está no apoio à extrema-direita alemã em sua própria plataforma algoritmizada.

Musk é, apenas, mais um dono de capital algoritmizado a usar do seu poder e negócio para enlaçar o capital de vigilância com a política. Meta, Amazon, Uber, Google e Apple já tiveram seus donos e empreendimentos envolvidos em diferentes debates, apoios formais e lobby em diferentes países.

Entretanto, não é novidade a aliança entre capital e política ao longo da História, porém, dessa vez há um forte apoio popular, inclusive de trabalhadores. A algoritmização arregimentou um imenso contigente de indivíduos que, absortos na ideologia neoliberal, defendem ferrenhamente os interesses empresariais mesmo perdendo seus próprios direitos.

Há, então, a visão de que o Leviatã algorítmico é supridor, a partir dos ganhos de renda pelo trabalho em espaço virtual, garantidor da liberdade, por criar espaços para debates, tais como as redes sociais, e um gestor público, pois é dele que vem aquilo que deve ser seguido como eficiência. Assim, a morte do Leviatã irá representar aos seus seguidores, o fim da prosperidade, da liberdade e da eficiência.

Na teoria de Hobbes, o Leviatã algorítmico encontra sinergia, pois os indivíduos encontram paz e prosperidade sob uma forma coercitiva a partir de regramento próprio. Os que não concordam ou se viram contra o Leviatã serão expurgados do âmago digital, mantendo a inviolabilidade e a soberania do Supremo.

O Leviatã algorítmico pode ser visto como a artificialidade da democracia no cerne do capitalismo digital e de vigilância, onde o entendimento daquilo que é liberdade se consolida na materialidade dos algoritmos, que por sua vez, constroem um espaço imaterial, que é o virtual. Ora, a força do Leviatã está na fragilidade, pois a algoritmização constrói um imaginário que fortalece a ideologia neoliberal. Logo, há pouco de concreto, os laços físicos são substituídos em uma base que se tem lógica no ambiente digital.

A força do Leviatã está na sua capacidade de manter seus indivíduos servos de sua soberania, enquanto a fragilidade está, justamente, no quão tênue é a sua ideologia. Portanto, o Leviatã Algorítmico é fruto do fortalecimento mercadológico e da desidratação democrática, onde o Estado suprime a prosperidade e o capitalismo provê a liberdade.

A reflexão sobre o Leviatã Algorítmico deve buscar a reconsideração das propostas de regulação de redes sociais, pois o problema não é o fruto e sim, a semente. A regulação deve ser orientada aos algoritmos e em toda a sua capacidade de reprodução, enquanto as redes são as estruturas tidas como reflexo da capacidade de produção desses algoritmos.

Ora, não é o aplicativo da Uber que é gerador de precarização e sim, como os algoritmos constroem essa plataforma e engrenam as relações de trabalho presentes ali. Bem como, não é a plataforma X (ex-Twitter) ou Facebook que propagam Fake News, mas são os algoritmos os responsáveis pela disseminação e engajamento desses conteúdos.

O enfrentamento do Leviatã está em como arrefecer o poder algorítmico e não na mera regulação de espaços virtuais. Mais que isso, como o Estado será capaz de garantir a democracia e fortalecer a sociedade contra o poderio algoritmizado. Portanto, é construir uma Economia Digital longe dos tentáculos do Leviatã e do seu capitalismo de vigilância, para proporcionar sociedades mais justas e com garantias sociais estabelecidas.

Herbert Salles é Doutor em Economia pela UFF

Leia: Jogo duro para além das redes sociais https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_6.html 

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