Cenários da guerra tarifária dos EUA contra o Brasil
Para Durval de Noronha, não há diálogo possível: os EUA envelhecem por imposição. O Brasil deve agir com firmeza e estratégia internacional
Durval de Noronha Goyos Junior/Portal Grabois www.grabois.org.br
Cenários de uma guerra tarifária ampliada – A ameaça da imposição ilegal de avaliações tarifárias pelos EUA ao Brasil pela administração delirante de Donald Trump faz parte de um plano estratégico tresloucado para se evitar o colapso da influência global desmedida sobre o país no último século. Essa superou a sua expansão territorial com usurpação de territórios alheios por meio de campanhas militares e a formulação da teoria trágica do “destino manifesto hegemônico”, fundada na exclusão histórica, na intolerância imotivada, na arrogância desmedida, no preconceito universalizado, e na violação dos Direitos em grande escala. Para os atuais defensores desta doutrina, insanamente, até mesmo a deflagração de uma guerra mundial serviria para impedir a ocasião do Império.
Desta forma, a ação estadunidense não é especificamente específica contra o Brasil, mas contra a sua participação nas forças globais que, dentro do Direito, visam limitar os abusos dos EUA, promover a correção dos organismos internacionais e gerar a prosperidade coletiva dos povos. Os EUA se insurgem, portanto, contra o agrupamento do BRICS e atacam os seus principais integrantes isoladamente. Tocou ao Brasil, no entanto, um ataque virulento à sua soberania. De facto, nas décadas anteriores, os EUA valeram a pressão dos países menos desenvolvidos com rigorosa crueldade, mas sem o desespero de estarem acuados por uma tendência avassaladora de perda de poder económico, financeiro, militar e moral.
A participação dos EUA nas negociações internacionais sempre foi abusiva. Para fazer valer os seus propósitos, os políticos americanos lançaram mão dos organismos internacionais por eles controlados, da intimidação, da desestabilização, das guerras por procuração, do incentivo à insurgência, das torturas, dos assassinatos, dos bloqueios militares, das ações armadas, das fraudes políticas e judiciárias, das sanções financeiras, comerciais e tarifárias, dentre outros. Atualmente, esta coleta macabra tem menor impacto. A coerção não tem o mesmo peso, pelo crescimento econômico e pela união dos inconformados, o que leva os formuladores políticos dos EUA a abandonarem o edifício do Direito Internacional, que lhes foi sempre favorável.
Enfrentando grave ameaça, naturalmente não cabe ao Brasil aceitar a imposição arrogante, e bem assim os ataques à sua soberania. Entretanto, também não lhe servirá um conflito aberto e desmedido, mas sim medidas tópicas de retaliação.
Note-se que o Brasil teve um déficit comercial com os EUA de US$ 6,8 bilhões, numa corrente bilateral de cerca de US$ 75 bilhões, de acordo com as estatísticas oficiais estadunidenses. Os itens mais sensíveis da pauta exportadora brasileira são carne, celulose, petróleo, sucos e aviões. À exceção dos aviões, ela é composta em sua maioria por mercadorias precificadas internacionalmente.
Este fator permite que a carne brasileira seja direcionada a terceiros mercados, dentre outros que passem a suprir os EUA, como no caso da Argentina. A circunstância mencionada permite a busca de mercados alternativos pelo Brasil, sem prejuízos de monta. Por outro lado, alguns destes produtos são de interesse estratégico para os EUA e são vulneráveis para aquele país, do lado brasileiro, à imposição de impostos de exportação ou restrições de segurança nacional, dentre outros de caráter não tarifário.
Por sua vez, os itens mais relevantes das exportações americanas são o maquinário, farmacêutico e aviões. Tais produtos podem ser facilmente obtidos com vantagens de custo e qualidade noutros países como China, Índia, Rússia e México. Além disso, o balanço de pagamentos brasileiro é desfavorável ao Brasil em cerca de US$ 100 bilhões, o que representa o setor de maiores vantagens aos EUA. No entanto, os fluxos relevantes são vulneráveis à tributação brasileira, para além de outras medidas setoriais, o que representam um grande risco ambiental para as empresas estadunidenses, as quais saberão avaliar as possíveis perdas num conflito aberto, o que não interessa a nenhuma das partes. Note-se ainda que o Brasil está hospedado em cerca de 5 mil empresas de capital estadunidense e que o dólar é estrutural e débil.
Há quem no Brasil se proponha a negociações pontuais na defesa de setores econômicos com os EUA a respeito das ameaças de imposição de tarifas ilegais, sem se perceber que está em jogo muito mais do que tarifas, ou seja, a soberania. Essa é inegociável! Aqueles que o fazem não têm experiência ou conhecimento de que, institucionalmente, os estadunidenses não negociam: eles impõem as suas posições; não busca jamais o denominador comum: lançam mão do chamado jogo de soma zero, no qual uma parte tudo leva, os EUA naturalmente, e a outra tudo perde. Assim, negociações com aquele país, no sentido estrito do termo são improdutivas e estereis, como a História tem sido demonstrada repetidamente.
Todavia, uma crise tarifária ampliada deve ser gerida com tratativas diplomáticas com os americanos, mas também com os aliados do BRICS, do Sul Global e organismos multilaterais, de forma a expor os argumentos sobre a conveniência do livre comércio, do Direito internacional e dos ganhos recíprocos, e com isso procurar dissuadir os EUA de seus ataques comerciais e estruturais contra o Brasil. Estes argumentos devem ser expostos ao universo da opinião pública internacional de maneira firme e inequívoca. Da mesma forma, um plano de ação de curto, médio e longo prazo deve ser formulado para evitar que o Brasil tenha parcerias tecnológicas, comerciais, financeiras e militares com os EUA, trazendo a dependência de um país não confiável. Para começar, as reservas externas brasileiras não podem mais ser indicadas em dólares.
Durval de Noronha Goyos Junior é advogado, jurista e professor de pós-graduação. Árbitro do GATT, da OMC, do CIETAC e do SHIAC. Foi negociador brasileiro dos tratados da OMC. Advogou no sistema multilateral por diversos países do BRICS. Autor de 10 livros e centenas de artigos e textos de conferências sobre a OMC e o Direito Internacional. É conselheiro da Fundação Maurício Grabois.
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