Livros como a roupa do
corpo
Luciano Siqueira
Leio muito - velho e prazeroso hábito que me acompanha desde a adolescência.
Aqui em casa mantemos uma biblioteca bastante razoável:
- Você já leu isso tudo?
- Essencialmente, sim.
- Como "essencialmente"?
- Nem sempre leio da primeira à última página. Busco o conteúdo que momentaneamente me interessa, seja porque pesquiso alguma questão política ou de outra ordem, seja pelo simples prazer da leitura.
E nos dias que correm me considero um resistente. Sigo lendo livros no papel, avesso à versão digital.
Guardo uma relação física com os livros e deixo rastros através de grifos e anotações à margem.
Autores e autoras eu os tenho como amigos. Os que já se foram e os que ainda respiram, produtivos ou não. Pois desde a primeira leitura estabeleço com eles uma sincronia muito semelhante ao diálogo olhos nos olhos.
Como esquecer Einstein quando afirmou, na breve apresentação ao seu opúsculo “Introdução à física”, que no processo de investigação científica frequentemente o mérito maior é de quem formulou as perguntas e não necessariamente de quem encontrou as respostas?
Tomei para a vida inteira e, particularmente, para a militância política.
Há quem estranhou encontrar numa das estantes quase toda a obra de Agatha Christie.
- Por quê?
- Porque sempre me ajudaram, na medicina e na militância política.
- Como assim, se ela não era médica nem militante?
- Pelo raciocínio “clínico”: tudo começa com um crime e vários são os suspeitos. Durante toda a trama, o detetive Hercule Poirot considera cada hipótese e com muita sensibilidade crítica termina descobrindo o criminoso.
- Sim...
- Na abordagem de cada caso isso é o que se chama diagnóstico diferencial.
- E na política?
- É análise multilateral da situação concreta, o avesso da superficialidade e da improvisação.
Não sem razão até na dura militância clandestina, sob a ditadura militar, onde rigorosos eram os cuidados com a segurança, sempre tivemos livros em nossas modestas residências .
Quando fui preso e sequestrado numa praça do Crato, no Ceará, em abril de 1974, levava na bagagem um exemplar de “A Insurreição Praieira”, de Edison Carneiro e outro de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis .
Conservo até hoje o hábito de ler um poema quando acordo, cedo da manhã. E exibo uma estrofe sobre uma obra de arte, no story do Instagram, e a íntegra do poema publico em meu blog.
Os livros são como a roupa do corpo. Indispensáveis. Sempre.
[Ilustração: Camille Engel]
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