10 setembro 2025

Pauta de exportações em xeque

Vulnerabilidade estrutural
A estratégia brasileira de buscar novos mercados para suas exportações, sem alterar o perfil da pauta comercial, perpetua um modelo primário-exportador que limita o desenvolvimento econômico e a soberania, enquanto acordos de livre comércio com países desenvolvidos podem agravar essa situação 
PAULO  NOGUEIRA  BATISTA Jr. MANOEL CASADO/Terra é Redonda  

Donald Trump iniciou uma arquitetura comercial internacional que os Estados Unidos realizaram. Foi sem cerimônia. A velha ordem liberal teve um enterro de indigente.

Como fica o Brasil? Desde fins do século. XIX, a maior ameaça externa à realização do potencial brasileiro tem sido os EUA. De uma maneira ou de outra, normalmente nossa ação constrangida pelo controle que os norte-americanos exercem sobre a maior parte do Hemisfério Ocidental. É novo, no entanto, o tipo de ataque agora perpetrado por Donald Trump contra o governo do Brasil.

O principal instrumento para dobrar o País foi a imposição de tarifa de importação de 50%, aplicada a bens exportados para os EUA. Em resposta, o governo brasileiro apelou à diplomacia e recorreu à Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao mesmo tempo, desenhou formas de amortecer o impacto sobre os produtores brasileiros e acena cautelosamente com a imposição de medidas de retaliação, invocando a Lei de Reciprocidade Econômica, que autoriza o país a responder a medidas unilaterais impostas por parceiros comerciais.

Outra linha de ação reside em apostar na busca por novos destinos para bens que exportamos para os EUA. Embora geralmente difícil, essa busca é indispensável, uma vez que não se pode mais confiar no acesso ao mercado dos EUA.

Não há, porém, disposição de alteração do perfil de nossa pauta de exportação. A ênfase é dada à multiplicação das vendas ao exterior. Mais do que isso, essa é uma das formas pelas quais o presidente Lula quer fazer o país crescer [i] . "É como se eu fosse um mascate. O que você tem para vender? O que você tem para comprar? É assim que eu quero fazer esse país crescer", disse ele recentemente. Mas essa é uma receita que não nos entregará um crescimento sustentado nem nos ajudará a garantir nossa soberania.

Commodities  e produtos de baixo valor agregado são uma marca de nossa relação comercial com o resto do mundo. Não temos controle sobre os preços que garantem o bom desempenho de nossa balança comercial. Vivemos ao sabor de mercados internacionais – de soja, café, minerais de ferro, petróleo etc. Condição que repercute qualidades sobre várias outras dimensões da vida nacional, como saúde, defesa, energia, meio ambiente e economia digital.

Essa vulnerabilidade estrutural permanecerá inalterada se, ao invés de transformar nosso horizonte produtivo e nosso tecido industrial, buscando tão-somente novos demandantes para o que já produzimos. A mera diversificação de destinos nos aprisionará num modelo primário-exportador – politicamente conservador, economicamente concentrado de renda e ambientalmente predatório.

Há um agravante, e este é o ponto que queremos destacar neste artigo: o governo pretende garantir essa diversificação por meio de acordos de livre comércio com países desenvolvidos. O acordo Mercosul-União Europeia é o exemplo mais bem-acabado dessa estratégia e possui, para a presente reflexão, dupla utilidade: (i) ilustrar a postura brasileira frente às grandes tendências internacionais da atualidade; e (ii) servir de parâmetro sobre o que se pode esperar dessa escolha.

Contexto internacional e o acordo Mercosul-União Europeia

Crises múltiplas, superpostas e persistentes – financeiras, climáticas, geopolíticas e sanitárias – caracterizam uma nova realidade global e escancaradas vulnerabilidades estruturais dos países. Não à toa, a questão nacional volta à baila. No plano econômico, os governos apostaram em investimentos públicos massivos em setores estratégicos – notadamente nos segmentos ligados à transição energética, transformação digital e ao complexo industrial-militar.

Esse novo protagonismo estatal é incompatível com as prescrições do antigo Consenso de Washington, fundado no trinômio desregulamentação, desestatização e liberalização. Essa abordagem foi abandonada há algum tempo nos países desenvolvidos onde se originou, mas parece ter raízes fincadas na América Latina, até mesmo no Brasil, país que se mostrava um pouco mais refratário a essa ideologia. Como disse certa vez Millôr Fernandes, as ideologias quando ficam caducas vêm se refugiar na América Latina.

Na China, necessariamente, o controle estratégico sobre fluxos comerciais e de investimentos, e o planejamento econômico estão na base da trajetória de desenvolvimento mais extraordinária desde a Industrial [ii] . As lideranças chinesas nunca se deixaram seduzir pelas falsas promessas do neoliberalismo.

Diante da nova realidade internacional, como reage ao Presidente Lula? Em seu discurso de vitória, em 30 de outubro de 2022, o presidente eleito afirmou que “não nos interessam acordos comerciais que condenam nosso país ao eterno papel de exportação de commodities e assuntos-primas”. Em 1º de janeiro de 2023, quando do seu juramento à Constituição, foi ainda mais didático: "O Brasil é grande demais para renunciar a seu potencial produtivo. Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Temos capacitação técnica, capitais e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo".

No entanto, as ambiguidades e contradições não tardaram a chegar. A estratégia de comércio exterior aplicada não foi nada consistente com esses compromissos. Ainda em janeiro de 2023, Lula expressou seu desejo de “trabalhar de forma muito dura para concretizar esse acordo” (de livre comércio entre Mercosul e União Europeia). [iii]

Segundo o mandatário brasileiro, a intenção era concluí-lo até junho de 2023 – contanto que alguns aspectos do acordo concluído em 2019 foram alterados, principalmente compras públicas, o calendário de gravação do setor automotivo e a possibilidade de estabelecimento de imposto de exportações para minerais críticos. Sua essência, no entanto, permaneceria intacta: a indústria brasileira foi trocada por acesso limitado ao mercado de bens agrícolas europeus. [4]

O governo mobilizou todas as energias para anunciar a conclusão do acordo com a União Europeia na cúpula do Mercosul de dezembro de 2023. Embora não tenha conseguido esse objetivo naquele momento, a cúpula do Mercosul não foi “desperdiçada”. O fim da presidência  pro tempore  brasileira foi marcado pelo anúncio da conclusão do acordo de livre comércio com Singapura.

Pois bem, ainda que pareça inofensiva, por se tratar de economia de uma cidade-Estado, Singapura é uma importante base de reexportação, além de ser um dos maiores fornecedores globais de plataformas e sondas de exploração de petróleo do mundo – setor liberalizado pelo acordo e que o governo Lula planejou reerguer no Brasil.

Em dezembro de 2024, houve a conclusão das negociações do Acordo com a União Europeia. Recorde-se, aqui, que esse acordo havia sido fechado em 2019, após 20 anos de negociações. Com o alinhamento ideológico entre os governos Bolsonaro e Macri, na Argentina, criou-se oportunidade única para que os dois principais países do Mercosul fizessem concessões amplas, que jamais foram feitas anteriormente, aos europeus.

Apesar de o governo Lula defender um reequilíbrio de seus termos, o acordo concluído em 2024 não alterou a base daquele fora negociado em 2019, como veremos mais adiante. Some-se a isso, o compromisso do governo em promover, entre outros, acordos de livre comércio com Canadá, EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio), recentemente concluído, e Japão, anulando boa parte dos efeitos da Nova Indústria Brasil, política prioritária do governo.

O perfil de nossas trocas com os europeus

Nossa balança comercial com os europeus é uma espécie de espelho invertido. Em 2024, do total exportado para a UE (US$ 48,3 bilhões), 52% foram de produtos da indústria extrativa (32%) e da agropecuária (20%). Destas, quase toda a produção já é isenta de imposto de importação na UE. [v] 

A indústria de transformação, por sua vez, reúne os produtos que tiveram alguma agregação de valor. Suas exportações alcançaram US$ 22,4 bilhões, ou 46% do total exportado (US$ 48,3 bilhões). Vão de farelo de soja para aviões da Embraer. Ocorre que o grosso do que exportamos nesse segmento depende mais para farelo de soja e outros produtos que sofrem transformações muito simples, como por exemplo sucos de frutas, carnes frescas e tabaco. Nesse agregado (indústria de transformação), mais de 60% do que exportamos para a UE exibe essa característica. Para que tenhamos a ideia do grau de importância desses bens em nossa pauta comercial, exportamos para a UE, em valor, cinco vezes mais farelo de soja do que produtos da indústria aeronáutica.

Ressalte-se, ainda, que produtos de interesse do setor agrícola brasileiro, como açúcar, carne bovina e etanol, por exemplo, não serão liberalizados pelos europeus. Nestes casos, a UE não abriu mão do comércio administrado por meio de cotas – muitas das quais pequenas ou insuficientes, dado que as exportações brasileiras atuais já atingem ou superam os patamares definidos pelos europeus. [vi]

Para completar o quadro desfavorável para nós, o governo brasileiro e seus parceiros no Mercosul aceitaram compromissos adicionais no sentido de restrições até mesmo um aumento discreto das exportações desses bens para a União Europeia. De acordo com novas cláusulas, negociadas para contornar as resistências da França, o simples aumento das exportações em 10% justificaria investigação com o objetivo de suspender a liberalização comercial concedida ao Mercosul. [vii]

Por outro lado, 98% de nossas importações oriundas da UE são reservas de bens fabricados, especialmente aqueles de média e alta intensidade tecnológica – os quais serão extremamente liberalizados pelo acordo. É aqui onde se praticará o livre-comércio. Justamente onde mais perdemos e eles mais ganham.

Importante frisar, ainda, que a média do imposto de importação do Brasil para bens da indústria da transformação é de 12,5% [viii] , enquanto a União Europeia aplica tarifa de importação média de 4,1% [ix] . Assim, a redução a zero, no caso europeu, constituiria desconto tarifário insuficiente para que produtos brasileiros de maior intensidade tecnológica passassem a ter mais participação no mercado europeu.

Pois bem, caro leitor, é essa a radiografia de nossa relação comercial com os europeus. Terão as alterações ocorridas pelo governo Lula a condição de reorientação? Uma avaliação cuidadosa mostra que não. Explicamos sucintamente.

As mudanças mais relevantes se concentrarão em três áreas: a) certa margem de manobra em compras governamentais; b) algumas abordagens à jurisdição de tributar exportações de minerais críticos; ec) um pequeno alongamento do cronograma de desgravação tarifária no setor automobilístico. [x]

Nas compras governamentais, o acordo deixará o grosso das nossas licitações totalmente expostas às concorrentes europeias. O governo, é verdade, negociou abordagens importantes, como a possibilidade de estabelecer contrapartidas comerciais, a preservação de políticas para pequenas e médias empresas, das compras do SUS e de programas voltados para a agricultura familiar. Mas para tudo isso devemos apresentar justificativa. Hoje nosso raio de manobra é maior – sem contar o fato de que sempre podemos alterar nossa legislação interna com mais facilidade.

Em contrapartida, a postura chinesa chama atenção: mesmo com a força tecnológica de sua indústria e o peso de suas exportações, a China mantém fechado seu mercado de compras público. Nesse campo, aceita apenas cláusulas de transparência, sem conceder acesso ao mercado.

No caso dos minerais críticos, que são essenciais para setores como energia e economia digital, o Brasil abriu mão de sua liberdade atual de tributar exportações. Criou-se apenas uma lista reduzida de produtos sujeitos a impostos de exportações, limitada a 25%. Essa concessão enfraquece a margem de manobra para garantir insumos estratégicos e estimular o processamento interno de minerais cruciais para cadeias industriais de ponta.

Quanto ao setor automotivo, a única conquista palpável, embora pouco relevante, foi a dilatação do cronograma de eliminação do imposto de importação. Para veículos eletrificados, a redução a zero será concluída em 18 anos; para veículos a hidrogênio, em 25 anos; e para aqueles movidos a novas tecnologias, em 30 anos. Nos demais casos, prevalece o prazo original de 15 anos.

Passados ​​esses períodos, a indústria brasileira fica virtualmente desprotegida, em competição direta com a Europa, que possui acesso a financiamento mais barato e economias de escala superiores. E para nós não há fuga semelhante ao que se confere ao setor agrícola europeu. Somente em casos de disparada de importações de veículos é que o Mercosul poderia iniciar processo de suspensão ou recomposição de tarifas, mas por apenas três anos. Nessas condições, por que os montados europeus continuariam a produzir no Brasil, espremidas que estão entre americanas e chinesas?

Faz muito sentido, portanto, constatação recente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em relação ao acordo de livre comércio com os europeus, ao afirmar em evento em Paris (31/03/25) que: “Quando você olha, do ponto de vista meramente econômico, não salta à vista uma grande vantagem para o Mercosul. cláusula que garanta isso (…). O Mercosul também, se fizer a conta mais mesquinha, vai encontrar uma série de razões para não fazer, para não agregar, para não somar com a Europa”. [xi]

Em abril, Fernando Haddad afirmou que “eles (os europeus) podem enxergar o potencial do Mercosul como uma forma de recuperar a competitividade que a indústria europeia perdeu”. Declaração curiosa que sugere a flexibilidade por parte do governo brasileiro de que é a neoindustrialização da Europa que o acordo favorece, ao mesmo tempo em que solapa a proclamada a neoindustrialização do Brasil.

É enorme a distância entre a capacidade produtiva, tecnológica e financeira da Europa e do Brasil. E se esta é uma condição de partida, faz pouco sentido imaginar que o acordo promoverá integração equilibrada entre as duas regiões [xii] . Como afirmou importante negociador europeu, na época em que Jair Bolsonaro e Mauricio Macri fizeram concessões sem precedentes, “ we got away with killer on this deal” (esse acordo é tão favorável a nós que caracteriza um assassinato – tradução livre) [xiii] .

Incrivelmente, como já mencionado, o ímpeto liberalizante do governo não para por aí, pois está avançando em uma série de outros acordos de livre comércio com países com densidade industrial e capacidade tecnológica e de financiamento muito superior ao Brasil. Todos esses acordos, herdados do governo Bolsonaro, têm perfil e consequências semelhantes. Se acrescentarmos esse cenário aos desvios de comércio que deverão ocorrer a partir da política tarifária dos EUA, testemunharemos, muito provavelmente, a transformação do nosso mercado em escoadouro de mercadorias de diferentes países.

Segundo o  Financial Times , espera-se que o acordo com o Mercosul compense em cerca de 1/3 as perdas da União Europeia com as exportações que deixarão de ocorrer para os EUA. [xiv]  O Brasil corre assim o risco de ter como futuro o retorno ao passado, desempenhando, ainda que com algumas atualizações, o papel de fazenda e mina do mundo.

Livre-comércio não é meio para desenvolvimento

Não há dúvida de que o desenvolvimento e o comércio estão intimamente relacionados. Mas desenvolvimento e comércio livre, não. A China não se transformou numa potência industrial e tecnológica nos últimos 40 anos porque atualizou o livre comércio como estratégia. Com direção estatal e planejamento promoveu uma extraordinária transformação produtiva e tecnológica de sua economia.

História que não é apenas chinesa. EUA, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, enfim, virtualmente todos os países desenvolvidos relevantes percorreram trajetória semelhante em sua época de ascensão. Transformaram estruturalmente suas economias, e com isso passaram a ocupar um lugar de destaque no comércio internacional. O desenvolvimento produtivo e tecnológico foi o que levou a níveis crescentes de participação no comércio internacional, e não o contrário. [xv]  O comércio exterior foi utilizado apenas como ferramenta, administrado estrategicamente para incentivo à produção local e às exportações.

Além disso, não se pode perder de vista que a independência política de um país anda de mãos dadas com sua independência econômica. Se fixar em tratados a ampla liberalização comercial de sua economia com países desenvolvidos, o Brasil optará pela especialização produtiva que caracteriza sua relação atual com o resto do mundo. A visão de um país independente defendido pelo Presidente Lula não é compatível com a reprodução de um presente essencialmente agrícola e extrativista.

A América Latina é um laboratório de acordos do tipo. O estágio é previsível. México, Chile e Colômbia não nos deixam mentir. Campeões de acordos de livre comércio, os três negociaram há algum tempo acordos com a União Europeia e os Estados Unidos. Resultados: mera montagem, sem desenvolvimento produtivo e inovação (maquila), no caso do México, e dois grandes exportadores de commodities agrícolas e minerais, nos casos do Chile e da Colômbia.

Os defensores da abertura comercial costumam ressaltar que acordos desse tipo ocorrem no aumento de investimentos externos diretos (IDE). Embora os influxos incluídos no IDE não sejam boas análises de desenvolvimento, como mostram categoricamente os casos do leste asiático, onde o capital nacional liderou o desenvolvimento, nossa rede de acordos comerciais até agora relativamente mais tímida não impede o Brasil de ser o principal destino de investimento externo direto (IDE) da América Latina.

Seria o acordo com a União Europeia um tributo aos 25 anos de negociações, com o objetivo de compensar os esforços dos que por tanto tempo participaram desse processo? Seria, como afirmaram alguns negociadores brasileiros, uma estratégia para proteger a unidade do Mercosul, tendo em vista que nos governos dos demais países do bloco, notadamente na Argentina, prevalecem tendências liberalizantes? [xvi]  Seria uma contribuição do Brasil ao multilateralismo, uma forma de “oferecer uma alternativa a um mundo bipolar” [xvii] , como afirmou o Ministro Fernando Haddad? Ou gratidão aos líderes europeus que acusaram a prisão injusta de Lula? Nenhuma dessas especulações justifica um acordo tão grave com o país.

Na atual quadra histórica, quando as potências industriais maduras e os principais países emergentes adotam estratégias nacionais de desenvolvimento ambiciosas, buscando níveis crescentes de autonomia e sofisticação tecnológica, o Presidente Lula realiza périplo pelo mundo numa espécie de missão ecumênica em defesa dos benefícios do livre comércio.

Durante visita oficial a Pequim no último mês de maio, Lula afirmou que “nós temos que exportar agronegócio, usar o dinheiro que entra no Brasil para investir em educação, para a gente poder ser competitivo com a China na produção de carro elétrico, na produção de baterias, na construção de inteligência artificial. Ninguém vai dar isso de graça para nós brasileiros. O que queremos é o multilateralismo para que a gente possa praticar o livre comércio. O livre comércio. A gente exporta o que a gente quiser, a gente compra o que a gente quiser”. [xviii]

Em termos objetivos, não faz sentido o Brasil adotar o livre comércio como meio para o desenvolvimento do País. O Acordo com a União Europeia, assim como os demais acordos herdados do governo de Jair Bolsonaro, enfraquece ou, na melhor das hipóteses, torna-se sem uma das principais políticas de desenvolvimento do governo –a Nova Indústria Brasil. Nenhum estudo de impacto realizado até hoje aponta para outro resultado. O acordo irá acentuar uma das mais graves desindustrializações prematuras do mundo.

Deveríamos conceber uma inserção econômica arrojada e criteriosa, que buscasse gerenciar fluxos comerciais e de investimentos em função de nossos interesses produtivos e tecnológicos. Também deixamos claro que nossas parcerias econômico-comerciais são focadas no desenvolvimento em sentido amplo, menos focadas em facilitação e liberalização comercial, e mais focadas em parcerias produtivas cooperativas benéficas, capazes de promover adensamento produtivo e autonomia tecnológica.

Temos trunfos evidentes para construir parcerias do tipo: mercado continental, recursos naturais, centros de formação de inteligência, o ecossistema de inovação mais robusto da América Latina, entre outros fatores. E somos o país latino-americano mais disputado pelos principais centros globais de poder, dos EUA, passando pela União Europeia, à China. Em vez de se entregar um neoliberalismo superado, que fazemos uso sistemático de nossa condição estratégica, a fim de que possamos não apenas proclamar nossa soberania, mas garanti-la.

*Paulo Nogueira Batista Jr.  é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, previsto pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de  Estilhaços ( Contracorrente ) [ https://amzn.to/3ZulvOz ] Manoel Casado  é mestre em desenvolvimento econômico.

Notas


[i] . Link:  https://www.instagram.com/p/DNJgjyoOl_7/?img_index=1&igsh=eHIzbWE2dzliaGNr

[ii]  Ver, por exemplo, Relatórios do Governo dos EUA sobre o cumprimento dos compromissos reforçados pela China quando da sua entrada no OMC. Em 2022, conforme a USTR, "após 20 anos da acessão à OMC, a China ainda abraça uma abordagem focada pelo Estado e não baseada no mercado para a economia e o comércio internacional. [...] Na verdade, a adoção dessa abordagem aumentada ao invés de diminuir ao longo do tempo [...]. Disponível em:  https://ustr.gov/sites/default/files/files/Press/Reports/2021USTR%20ReportCongressChinaWTO.pdf

[iii]  https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/01/30/lula-diz-querer-concluir-acordo-mercosul-ue-at-junho-mas-com-mudanas.ghtml

[iv]  A diversão já bastante normalizada no debate público europeu. Aqui, uma das formas pelas quais o acordo costuma ser resumido: " Quanto vale tudo isso? O acordo visa reduzir as tarifas sul-americanas sobre carros, máquinas e produtos industriais fabricados na UE, ao mesmo tempo que permite que os quatro países do Mercosul, em troca, vendam mais produtos agrícolas para a Europa ". Link:  https://www.politico.eu/newsletter/brussels-playbook/mercosur-day/

[v]  Números extraídos da plataforma de estatísticas de comércio exterior do governo federal. Podem ser encontrados neste link:  https://comexstat.mdic.gov.br/pt/comex-vis/3/22

[vi]  https://www.viomundo.com.br/politica/marcelo-zero-acordo-mercosul-ue-que-ja-e-ruim-torna-se-inaceitavel-com-as-novas-e-draconianas-exigencias-europeias.html

[vii]  www.ft.com/content/91ed4920-d4e5-4fd5-9525-8d989340f319

[viii]  Brasil Parte A.1 Tarifas e importações: Resumo e faixas de direitos Parte A.2 Tarifas e por grupos de produtos Parte B Exportações t

[ix]  OMC – Tarifas e importações: Resumo e faixas de direitos

[x]  www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2024/12/governo-federal-divulga-integra-do-acordo-de-parceria-entre-mercosul-e-uniao-europeia

[xi]  Para Haddad, acordo com UE não é uma grande vantagem para o Mercosul | Metrópoles

[xii]  Trabalho de 2023 do IPEA, ao revisar os principais estudos de impacto realizados sobre o acordo, aponta ganhos inexpressivos para o Brasil no flanco agrícola e perdas evidentes no setor industrial – sobretudo em máquinas e equipamentos e no setor automotivo, setores intensivos em conhecimento. Mais do que isso, confirme que possíveis ganhos, sempre muito discretos, tenderão a promover, como resultado global, a regressão produtiva do país. Acessível em:  www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-content/uploads/2023/07/230704_nota_32.pdf

[xiii]  Batista Jr., Paulo N. Samuel e o acordo com a UE In: Carta Capital, 16.11.2023. Disponível em:  https://www.cartacapital.com.br/opiniao/samuel-eo-acordo-com-aue/

[xiv]  www.ft.com/content/91ed4920-d4e5-4fd5-9525-8d989340f319

[xv]  Negociando Ilusões – Política Externa

[xvi]  https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/07/01/mercosul-brasil-admite-reducao-das-tarifas-para-salvar-bloco-mas-teme-prejuizo-a-industria-nacional.ghtml

[xvii]  https://www.metropoles.com/mundo/economia-int/para-haddad-acordo-com-ue-nao-e-uma-grande-vantagem-para-o-mercosul

[xviii]  https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2025/05/discurso-do-presidente-lula-no-encerramento-do-forum-empresarial-brasil-china

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A urgência de um projeto nacional para além de 2026  https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/xvi-congresso-em-debate.html

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