03 novembro 2025

Palavra de poeta

Lições
Mia Couto  

Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trêmula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?

[Ilustração: Edvard Munch]

Leia também: "Eros & Dionísio", poema de Adalberto Monteiro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/palavra-de-poeta_25.html 

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