19 dezembro 2025

Palavra de poeta

Lembrança alada
Mia Couto  

Em alguma vida fui ave.

Guardo memória

de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante.

E sinto em meus pés

o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.

Liga-me à terra

uma nuvem e seu desleixo de brancura.

Vivo a golpes

com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.

Guardo a pluma

que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.

Em alguma ave fui vida.

[Ilustração: Gilvan Samico]

Leia também: "O baile", poema de Cida Pedrosa https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/palavra-de-poeta_18.html 

Nenhum comentário:

Postar um comentário