17 dezembro 2025

Uma crônica de Abraham Sicsu

Três Senhoras
Abraham B. Sicsu 

Os homens se foram faz algum tempo. Três mulheres de longa vida, passaram dos noventa, uma dos cem. Uma geração que se acaba na vida terrena. Uma missão cumprida na base do afeto. Reverenciadas, sempre serão lembradas.

Bem fazem os mexicanos. A morte é motivo de festa. Muita música, muita comida e bebida. A memória homenageada. Dizem eles, quem é lembrado sempre estará no reino divino.

Três guerreiras de origens diferentes. A vida fez com que se unissem em São Paulo. As uniões de filhos as tornaram grandes amigas. Encontrar uma delas trazia, obrigatoriamente, a primeira pergunta. Como está sua mãe?

Lideraram três famílias. Com carinho e muita compreensão. Enfrentaram as adversidades da vida e souberam conduzir seus descendentes. Filhos, netos e bisnetos.

Lembro das festas familiares. Sempre as três numa mesa. Juntas cercadas por todos. Contando suas aventuras, seus momentos felizes. Como nós hoje, lembrando os que se foram sem deixar de transmitir orgulho e saudades. E mostrar a alegria da vida.

Nina, a espanhola que veio do Marrocos. De dona de casa virou comerciante de sucesso. Sempre simpática, sempre divertida. Inventava histórias que nem ela acreditava, nos fazia felizes. Comer em sua casa era sinal de fartura. Quatro filhos, oito netos, onze bisnetos.

Pina, paulistana de família de origem italiana, muito carinhosa. Foi minha grande amiga. Gostava de escutar minhas andanças, perguntava tudo de todos. Com ela comia as massas à moda de seus antepassados, com ela escutava canções da “Velha Bota”. Uma filha, dois netos, três bisnetos.

Leucipe, que agora se foi. Nordestina, orgulhosa das origens. Franca como ninguém. Às vezes até demais. Cozinheira de mão cheia. Jamais esquecerei nossas conversas, seu modo peculiar de ver a vida, de amar plantas e animais. Quatro filhos, seis netos, sete bisnetos.

Enterros mechem comigo. Sempre me desestruturam, talvez, para me reestruturar. Acabo de vir de um deles, da última das velhas senhoras. As lágrimas da morte marcam. A dor da perda, momento para reviver tudo que juntos vivemos.

Lembrei de um belo filme. “Por quem os sinos dobram”, com Gary Cooper e Ingrid Bergman. Baseado na obra de Hemingway. Livro que também li. Tendo como cenário a guerra civil espanhola.

A mensagem que me vem à mente é clara. A morte de qualquer um de nós afeta a todos. A humanidade tem desígnio comum. Somos todos dependentes. De geração em geração.

O “tocar dos sinos”, anunciando a morte, prenuncia o continuar que seus entes queridos devem dar à vida.

Não é um fim em si, é caminho da vida que nossa civilização ainda não aprendeu a tornar algo natural. Faz com que novos grupos assumam o sentido a dar ao mundo. Lembrando que a herança de ensinamentos e princípios que recebem é que poderá dar o real significado.

A conexão de gerações se faz presente. Respeitar os que se foram sem deixar de ter esperança nos que ficaram e começam a enfrentar os duros caminhos que se lhes apresentam. Os que terão como missão nos liderar. Com dignidade, com empatia, com muita esperança.

O suceder de gerações traz responsabilidades. Agora, na minha família expandida, é a vez do meu grupo assumir o papel de anciões conselheiros. De dar afeto e apoio aos que nos sucedem. Não se tem mais as “bisas”, os jovens não serão contemplados mais com a doçura das velhas senhoras. Verdade, nas lembranças guardarão seus ensinamentos.

Dá sentido à vida que nos resta na Terra. Viver para acolher, viver para transmitir o que nos foi dado, viver para aprender, um mundo que não é o nosso, mas que faça sentido para os que nos sucedem.

Leucipe, Pina e Nina, estarão sempre presentes. Muitas saudades.

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A vida segue https://lucianosiqueira.blogspot.com/ 

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