07 julho 2025

BRICS: Trump ameaça

Fortalecimento do Brics sob a liderança de Lula provoca reação agressiva dos EUA
Trump prometeu punir com tarifa extra de 10% os países que adotarem políticas “antiamericanas” do Brics. Declaração ocorre após bloco consolidar avanço da agenda do Sul Global
Lucas Toth/Vermelho  

Horas depois da conclusão da 17ª Cúpula de Líderes do Brics no Rio de Janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi às redes sociais para lançar uma nova ameaça comercial contra países do Sul Global.

Sem mencionar nomes, afirmou que “qualquer país que se alinhe com as políticas antiamericanas do Brics” será punido com uma tarifa adicional de 10%, “sem exceções”. O anúncio é interpretado como uma resposta indireta à crescente projeção internacional do bloco, liderado atualmente pelo Brasil.

A ameaça tarifária ocorre em meio ao avanço de uma nova articulação global. Com a presidência exercida por Luiz Inácio Lula da Silva, o Brics aprovou no domingo (6) a Declaração do Rio de Janeiro, documento que defende reformas profundas na arquitetura multilateral, com propostas concretas em áreas como comércio, clima, soberania digital, saúde, ciência e combate à fome.

Ao mesmo tempo em que denuncia sanções unilaterais e o uso político das instituições financeiras dominadas pelo Norte, o bloco propõe mecanismos próprios de cooperação e financiamento — incluindo o comércio em moedas locais, fundos verdes e infraestrutura digital autônoma.

O incômodo da Casa Branca com esse movimento não é novo. Desde que retornou à presidência em 2024, Trump tem escalado sua retórica contra o Brics, especialmente diante das discussões sobre desdolarização do comércio internacional. Em declarações anteriores, chegou a ameaçar tarifas de 100% aos países que adotassem uma moeda alternativa ao dólar.

Agora, a nova ofensiva tarifária coincide com o encerramento de uma cúpula em que o Brics, pela primeira vez, formalizou propostas em nome de uma governança multipolar baseada na cooperação e na equidade.

Apesar de não ter citado o Brasil diretamente, a fala de Trump é vista como um ataque velado ao governo Lula, que tem exercido papel central na reconfiguração do bloco.

A resposta dos países do Brics à pressão de Trump veio rápida, ainda que com diferentes tonalidades. A Rússia afirmou que o bloco “nunca foi e nunca será direcionado contra quaisquer terceiros países”. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reiterou que os países do grupo compartilham “uma visão comum sobre como cooperar com base em seus próprios interesses”.

Já a China, por meio de sua chancelaria, criticou diretamente o uso de tarifas como ferramenta de coerção internacional. “O uso de tarifas não beneficia ninguém”, disse a porta-voz Mao Ning. A África do Sul adotou um tom mais cauteloso, reafirmando que não é antiamericana e que segue comprometida com negociações bilaterais.

A Malásia, parceira do Brics desde 2024, também respondeu que sua política externa é independente e voltada à facilitação do comércio, e não a alinhamentos ideológicos.

As reações indicam que, mesmo diante da pressão econômica dos EUA, os países do Brics e seus parceiros mantêm a disposição de seguir construindo uma ordem internacional baseada na soberania, na cooperação e no multilateralismo — pilares centrais da Declaração do Rio.

A realização da cúpula no Rio, a presença de mais de 20 países e a ênfase do presidente brasileiro na reforma da ONU e na defesa da Palestina sinalizam uma inflexão estratégica: o Sul Global também quer presença no centro do debate global. Na contramão, a resposta norte-americana não veio por meio do diálogo, mas por meio da coerção econômica.

Nos bastidores da diplomacia, o momento também é de tensão. Fontes ouvidas pelo UOL confirmaram que delegações do Brasil e dos EUA se reuniram por videoconferência na sexta-feira (4) para tentar negociar um acordo comercial e evitar a nova rodada de tarifas.

O governo brasileiro ofereceu a redução de tarifas sobre o etanol norte-americano, desde que os EUA suspendessem barreiras ao açúcar brasileiro. Até agora, no entanto, não houve resposta formal da Casa Branca. No Palácio do Planalto, cresce o pessimismo de que o Brasil será deixado de fora da lista de acordos a serem anunciados por Trump nesta semana.

A pressão tarifária afeta diretamente setores estratégicos da economia brasileira. Desde abril, os EUA impuseram tarifa geral de 10% e taxaram o aço brasileiro em 50%. Dados da Câmara de Comércio Brasil-EUA mostram que cinco dos dez produtos mais exportados do Brasil aos EUA registraram queda, e o superávit comercial norte-americano com o Brasil subiu para US$ 1 bilhão. Em vez de corrigir distorções, a medida amplia a dependência e fragiliza a balança comercial do lado brasileiro.

A ofensiva tarifária também deve ser interpretada sob uma ótica geopolítica. Ao retaliar países que se aproximam do Brics, Washington tenta conter o surgimento de alternativas ao seu domínio.

Mas, ao contrário de isolar o bloco, a retaliação reforça a necessidade de consolidar instrumentos próprios de desenvolvimento, como o Banco do Brics, o Acordo de Reservas de Contingência e a Parceria para a Restauração de Terras. Para o Sul Global, a resposta à coerção é mais integração.

Na Declaração do Rio, os países-membros foram categóricos: o sistema internacional atual é disfuncional, excludente e anacrônico.

Reafirmaram a defesa de um multilateralismo inclusivo, com reforma do Conselho de Segurança da ONU, rejeição ao uso político do FMI e ampliação do papel da OMC. Apoiaram o Irã diante dos ataques militares, denunciaram o genocídio em Gaza, propuseram regulação democrática da inteligência artificial e lançaram compromissos inéditos em saúde, ciência e combate à pobreza.

Ao reagir com ameaças, Trump escancara a fragilidade da posição norte-americana frente à emergência de uma ordem multipolar. A tentativa de punir o Brics não é apenas um gesto de hostilidade, mas o reconhecimento de que o bloco, sob a liderança de Lula, ocupa hoje um lugar central na disputa pelo futuro da governança global. Em vez de recuar, os países do Sul Global parecem dispostos a avançar — com cooperação, soberania e solidariedade.

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BRICS no Rio: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/brics-nova-governanca-global.html 


Postei nas redes

Trump ameaça países do BRICS com aumentos em taxas tarifárias. Lula retruca defendendo soberania. A superpotência decadente insulta e apanha. 

BRICS no Rio: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/brics-nova-governanca-global.html 

Humor de resistência

 

Aroeira

Leia: Neofascista "antissistema" só pode ser piada https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_44.html

Palavra do presidente Lula

Lula: ‘temor de uma catástrofe nuclear voltou’
Na abertura da 17ª Cúpula do BRICS, presidente disse que é 'mais fácil' investir na guerra do que na paz, citando que OTAN 'alimenta a corrida armamentista'
Opera Mundi 

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou neste domingo (06/07) na abertura da 17ª Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro.

Leia o discurso na íntegra: 

Pela quarta vez o Brasil sedia uma Cúpula do BRICS.

De todas, esta é a que ocorre em cenário global mais adverso.

A ONU completou 80 anos no último dia 26 de junho e presenciamos colapso sem paralelo do multilateralismo.

O advento da ONU marcou a derrota do nazi-fascismo e o nascimento de uma esperança coletiva.

A grande maioria dos países que hoje integram o BRICS foram seus membros fundadores.

Dez anos depois, a Conferência de Bandung refutou a divisão do mundo em zonas de influência e avançou na luta por uma ordem internacional multipolar.

O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado.

Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque.

Avanços arduamente conquistados, como os regimes de clima e comércio, estão ameaçados.

Na esteira da pior crise sanitária em décadas, o sistema de saúde global é alvo de investida sem precedentes.

Exigências absurdas sobre propriedade intelectual ainda restringem o acesso a medicamentos.

O direito internacional se tornou letra morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias.

Nos defrontamos com número inédito de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial.

A recente decisão da OTAN alimenta a corrida armamentista.

É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento.

Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política.

É sempre mais fácil investir na guerra do que na paz.

As reuniões do Conselho de Segurança da ONU reproduzem um enredo cujo desfecho todos conhecemos: perda de credibilidade e paralisia.

Ultimamente sequer é consultado antes do início de ações bélicas.

Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais.

Assim como ocorreu no passado com a Organização para a Proibição de Armas Químicas, a instrumentalização dos trabalhos da Agência Internacional de Energia Atômica coloca em jogo a reputação de um órgão fundamental para a paz.

O temor de uma catástrofe nuclear voltou ao cotidiano.

As violações recorrentes da integridade territorial dos Estados, em detrimento de soluções negociadas, solapam os esforços de não-proliferação de armas atômicas.

Sem amparo no direito internacional, o fracasso das ações no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria tende a se repetir de forma ainda mais grave.

Suas consequências para a estabilidade do Oriente Médio e Norte da África, em especial no Sahel, foram desastrosas e até hoje são sentidas.

No vazio dessas crises não-solucionadas, o terrorismo encontrou terreno fértil.

A ideologia do ódio não pode ser associada a nenhuma religião ou nacionalidade.

O Brasil repudiou os atentados na Caxemira.

Absolutamente nada justifica as ações terroristas perpetradas pelo Hamas.

Mas não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza e a matança indiscriminada de civis inocentes e o uso da fome como arma de guerra.

A solução desse conflito só será possível com o fim da ocupação israelense e com o estabelecimento de um Estado palestino soberano, dentro das fronteiras de 1967.

O governo brasileiro denunciou as violações à integridade territorial do Irã, como já havia feito no caso da Ucrânia.

É urgente que as partes envolvidas na guerra na Ucrânia aprofundem o diálogo direto com vistas a um cessar-fogo e uma paz duradoura.

O Grupo de Amigos para a Paz, criado por China e Brasil e que conta com a participação de países do Sul Global, procura identificar possíveis caminhos para o fim das hostilidades.

Gravíssimas crises em outras partes do mundo seguem ignoradas pela comunidade internacional.

No Haiti tivemos a MINUSTAH, mas a comunidade internacional abandonou o país antes da hora. O Brasil apoia a ampliação urgente do papel da Missão da ONU no país, que combine ações de segurança e desenvolvimento.

Senhoras e senhores,

Nas oito décadas de funcionamento das Nações Unidas, nem tudo foi fracasso.

A organização foi central no processo de descolonização.

A proibição do uso de armas biológicas e químicas é exemplo do que o compromisso com o multilateralismo pode alcançar.

O sucesso de missões da ONU no Timor-Leste demonstra que é possível promover a paz e a estabilidade.

A América Latina fez a opção, desde 1968, por ser uma Zona Livre de Armas Nucleares.

A União Africana também consolida seu protagonismo na prevenção e resolução de conflitos que afligem aquele continente.

Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século XXI, cabe ao BRICS contribuir para sua atualização.

Sua representatividade e diversidade o torna uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos.

Podemos lançar as bases de uma governança revigorada.

Para superar a crise de confiança que enfrentamos, é preciso transformar profundamente o Conselho de Segurança.

Torná-lo mais legítimo, representativo, eficaz e democrático.

Incluir novos membros permanentes da Ásia, da África e da América Latina e do Caribe.

É mais do que uma questão de justiça.

É garantir a própria sobrevivência da ONU.

Esse é o espírito do “Chamado à Ação sobre a Reforma da Governança Global” lançado pela presidência brasileira do G20.

Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso.

Cada dia que passamos com uma estrutura internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as graves crises que assolam a humanidade.

Muito obrigado.

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BRICS no Rio: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/brics-nova-governanca-global.html 

06 julho 2025

BRICS: rede de comunicação comum

Brics poderá ter rede própria de comunicação submarina de alta velocidade
Lula e ministra Luciana Santos ressaltam importância da estrutura para a segurança, a soberania na troca de dados e o desenvolvimento dos países
Priscila Lobregatte/Vermelho  

A Declaração Final da 17ª Reunião de Cúpula do Brics, divulgada neste domingo (6), incluiu, entre outros pontos, um estudo para avaliar a viabilidade da construção de uma rede de comunicação de alta velocidade por meio de cabos submarinos. Proposta pelo Brasil, a estrutura poderá ser usada, por exemplo, para o compartilhamento de dados entre os países e o desenvolvimento de inteligência artificial (IA).

“Saudamos a proposta brasileira de discutir, em 2025, a realização de um ‘Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica’ para o estabelecimento de uma rede de comunicação de alta velocidade por meio de cabos submarinos entre os países do Brics”, diz o documento, intitulado “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.

Ao tratar do assunto em seu discurso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou que tal iniciativa “aumentará a velocidade, a segurança e a soberania na troca de dados”.

“Estamos em um tempo dadocêntrico, cuja questão dos dados é decisiva para uma agenda de desenvolvimento dos países. Nós temos que ter um cabo próprio, em que os dados sejam nossos, sejam desses países”, declarou a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Luciana também salientou que os cabos de fibra óptica onde hoje circulam os dados “são muito concentrados no Norte Global”, de maneira que a ideia é reduzir essa dependência e ampliar a cooperação entre os países do Sul. “Foi uma decisão dos 11 países, e nós vamos buscar o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento do Brics)”, completou.

É por meio de cabos de fibra óptica instalados no fundo do oceano que dados em larga escala são transmitidos entre continentes e entre países de todo o mundo. Esses cabos possibilitam a realização de chamadas de vídeo e outras comunicações, inclusive o tráfego da internet. A maior parte desses cabos é, no entanto, de países como Estados Unidos, França, Japão e China.

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BRICS: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/brics-nova-governanca-global.html 

BRICS: nova governança global

BRICS no Rio: Declaração da Cúpula traça nova arquitetura da governança global
Reforma institucional, justiça climática, soberania digital e combate à fome marcam prioridades do Sul Global lideradas pelo Brasil na 17ª Reunião de Líderes
Cezar Xavier/Vermelho  

A Declaração do Rio de Janeiro, aprovada neste domingo (6) na 17ª Cúpula de Líderes do BRICS, consolida uma inflexão estratégica: o bloco ampliado emerge como polo articulador de uma governança global mais justa, inclusiva e sustentável. Sob a presidência brasileira, a reunião — realizada no Rio — fortaleceu a coordenação política entre os países do Sul Global e lançou uma agenda propositiva com resultados concretos em áreas como clima, saúde, tecnologia, finanças e comércio.

Com o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”, a cúpula reafirma o BRICS como herdeiro político da Conferência de Bandung e do Movimento Não-Alinhado, agora expandido e institucionalmente mais robusto. Em meio à crise de credibilidade da ONU e à fragmentação das instituições multilaterais, o bloco atua como catalisador de reformas e como fórum alternativo de convergência entre países do mundo em desenvolvimento.

Reforma da governança global: compromisso com multilateralismo inclusivo

A principal mensagem da Declaração é clara: o sistema internacional atual é disfuncional, anacrônico e excludente. Em resposta, os líderes reiteram a urgência de reformar o Conselho de Segurança da ONU, com apoio explícito de China e Rússia à ampliação da presença de Brasil e Índia como membros permanentes. Também reafirmam a necessidade de revisão da governança das instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, com aumento da participação dos países em desenvolvimento.

As potências do BRICS rejeitam medidas coercitivas unilaterais e sanções extraterritoriais, denunciando sua ilegalidade e impacto no comércio global. Em contrapartida, reafirmam apoio à Organização Mundial do Comércio (OMC) e celebram documentos como o Marco sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável e a Declaração sobre a Reforma da OMC, refletindo a aposta do bloco em um comércio multilateral equilibrado.

Clima, saúde e IA: soluções do Sul Global para problemas globais

A cúpula também produziu três declarações temáticas inovadoras, assinadas por todos os membros e endossadas por Malásia e Bolívia:

  • A Declaração-Marco sobre Finanças Climáticas, que propõe mecanismos próprios de financiamento verde, como o Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF), e estratégias para mobilização de recursos até 2030;
  • A Declaração sobre Governança Global da Inteligência Artificial, que marca a entrada do Sul Global no debate regulatório internacional, destacando temas como acesso a dados, soberania digital e competição justa;
  • A Parceria para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas, que conecta desigualdade, pobreza e saúde em uma estratégia integrada, centrada na equidade e na justiça social.

O fortalecimento da OMS como autoridade multilateral em saúde, assim como a consolidação de redes próprias — como o Centro de P&D em Vacinas do BRICS e a Rede BRICS de Pesquisa em Tuberculose — refletem a estratégia do bloco de construir capacidades próprias de resposta global.

Cooperação financeira e tecnológica: do resseguro à soberania digital

Na frente financeira, a Declaração do Rio avança no debate sobre o uso de moedas locais no comércio intra-BRICS e a interoperabilidade entre os sistemas financeiros. Um novo projeto para a criação de uma Iniciativa de Garantias Multilaterais (GMB) e o desenvolvimento de soluções em resseguros foram lançados como prioridades para os próximos anos.

Na área de ciência, tecnologia e inovação (CTI), destacam-se o lançamento do Plano de Ação BRICS para Inovação 2025–2030 e a proposta de estabelecer uma rede de cabos submarinos de comunicação de alta velocidade entre os países do grupo, aumentando a autonomia digital e a segurança da informação.

Agricultura, fome e terras degradadas: aliança para justiça social e ambiental

Na área de desenvolvimento, o BRICS firmou o compromisso com a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e lançou uma Parceria para a Restauração de Terras, integrando segurança alimentar, sustentabilidade ambiental e combate à exclusão. A agricultura, a pesca e a aquicultura aparecem como vetores estratégicos para erradicar a pobreza, fomentar o desenvolvimento rural e enfrentar a má nutrição.

Essas iniciativas complementam a proposta de reconstrução de capacidades produtivas próprias em setores-chave para o Sul Global, em meio à crescente incerteza nos mercados internacionais.

Participação social e fortalecimento institucional: BRICS se abre à sociedade civil

Pela primeira vez, a cúpula deu espaço formal ao Conselho Civil do BRICS, além dos tradicionais fóruns empresarial, sindical, acadêmico e parlamentar. O relatório entregue aos líderes e a integração progressiva dos novos membros e países parceiros foram citados como sinais de amadurecimento institucional. O documento destaca o esforço brasileiro em democratizar e descentralizar os processos decisórios do bloco, com mais de 200 reuniões técnicas envolvendo 30 ministérios e agências ao longo do ano.

O BRICS como vetor da nova ordem: entre ambição e urgência

A Declaração do Rio de Janeiro não é apenas um compêndio diplomático, mas uma plataforma estratégica do Sul Global para reformar a ordem mundial. Em tempos de crise climática, conflitos armados, fragmentação institucional e ameaças digitais, os BRICS apostam na construção de um novo multilateralismo, fundado na cooperação, na equidade e na soberania.

A presidência brasileira, que se estende até o fim de 2025, promete dar continuidade aos compromissos assumidos, consolidando o BRICS como um dos principais eixos da transição para um mundo multipolar. Em um cenário de paralisia do Norte Global, o Sul assume a dianteira.

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Leia também: O crepúsculo de Bretton Woods https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/padrao-dolar-em-decadencia.html 

Comunista presidente do Chile?

Quem é Jeannette Jara, a comunista candidata à presidência do Chile?
O grande desafio de Jeannette Jara será explicar as debilidades do governo Boric e renovar a esperança em um país que viveu tempos de rebeldia e de frustração
Ana Prestes/Opera Mundi  

Pela primeira vez, uma comunista vai liderar um conjunto de partidos progressistas e de esquerda nas eleições presidenciais chilenas, que ocorrerão em 16 de novembro deste ano. Jeannette Jara, dirigente do PCCh e ex-Ministra do Trabalho do Governo Boric apoiada pelos partidos Esquerda Cristã e Ação Humanista, venceu as primárias do último dia 29 de junho. Ela enfrentará José Antonio Kast, do Partido Republicano, e Evelyn Matthei, da União Democrática Independente (UDI), apoiada pela Renovação Nacional.

As primárias partidárias e de frentes de partidos são opcionais no Chile, diferente das primárias obrigatórias da Argentina. No domingo 29 de junho, um milhão e meio de pessoas (perto de 10% dos habilitados para votar) foram às urnas. Enquanto Jara alcançou amplo apoio, com pouco mais de 60% dos votos (pouco mais de 800 mil votos), sua principal concorrente, Carolina Tohá, do Partido pela Democracia (PPD), que contou com o apoio do Partido Socialista (PS), do Partido Radical (PR) e da Democracia Cristã (DC) teve 28% dos votos. Tohá carrega o sobrenome do paí, José Tohá, ministro do governo golpeado de Salvador Allende, assassinado pela ditadura em março de 1974. O candidato do partido do Boric, Frente Amplio, foi o deputado Gonzalo Winter, e obteve 9% dos votos. Jaime Mulet, do Partido Regionalista Verde Social, ficou com 2,7% dos votos.

Segundo Mario Amorós, biógrafo da gigante Gladys Marín, o triunfo de Jara é historicamente enorme se considerarmos que desde 1932 somente em duas ocasiões militantes comunistas participaram de uma corrida presidencial: Elías Lafertte, em 1932, e Gladys Marín, em 1999. E nunca como líderes de uma frente de partidos de esquerda. Em 2021, o ex-prefeito da Recoleta, Daniel Jadue, participou das primárias presidenciais, mas foi derrotado por Gabriel Boric, que se tornou o candidato da esquerda. Hoje, Jadue encontra-se em prisão domiciliar em um absurdo caso de lawfare.

Jeannette nasceu em 1974 na comuna Conchalí, na região metropolitana de Santiago, em uma família de pai operário e mãe dona de casa. Foi a mais velha de cinco irmãos e a primeira da família a ter ensino superior, titulada pela Universidade de Santiago, em direito e administração pública. Desde muito jovem, 15 anos, se integrou às Juventudes Comunistas do Chile (JJCC) e foi presidente da Federação de Estudantes da sua universidade em 1997. Teve cargos políticos no governo Bachelet, como vice-ministra do Desenvolvimento Social e no governo Boric, como ministra do Trabalho. Suas principais conquistas foram a elevação do salário mínimo, a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais e a reforma da previdência. 

As inscrições para candidaturas presidenciais vão até o dia 16 de agosto e é possível que surjam outras candidatas ou candidatos do centro e mesmo do campo da esquerda. Por isso, os primeiros dias de ação da nova candidata tem sido a costura da frente de esquerda em torno do nome dela. No dia 2 de julho ela reuniu uma série de partidos, no que ficou estabelecido como uma mesa política de coordenação da Unidade por Chile, com partidos de esquerda, centro-esquerda, progressistas e independentes. Fazem parte desta coordenação os partidos Frente Ampla, Partido Socialista, Federação Regionalista Verde Social, Partido pela Democracia, Partido Radical, Partido Comunista e o Partido Ação Humanista.

Tanto em seu discurso após os resultados das primárias como na reunião dos partidos e demais integrantes da frente política Unidade por Chile, Jeannette apontou para Salvador Allende, Gladys Marín e Michelle Bachelet como seus referenciais na política. Ao que Amorós acrescentou todos os líderes históricos do PCCh, ao dizer que o partido de Recabarren e Lafferte, de Pablo Neruda e Francisco Coloane, de Violeta Parra e Víctor Jara, de Luis Corvalán e Gladys Marín alcançou um triunfo que sacode o país em tempos de genocídio em Gaza, do imperialismo e da extensão da ameaça da ultradireita. O grande desafio será debater com a população os porquês das debilidades do governo Boric e renovar a esperança na esquerda em um país que viveu tempos de rebeldia e de frustração no seu persistente enfrentamento ao neoliberalis mo legado pela ditadura pinochetista.

(*) Ana Prestes é Cientista Política e Historiadora. Escritora. Analista Internacional. Participa dos programas RodaMundo e Outubro na grade do Opera Mundi no YouTube.

Veja: Estratégia, tática e correlação de forças https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/estrategia-tatica-e-correlacao-de-forcas.html?m=1