Geraçãovivíamos no intestino do recife
e o capibaribe
era um prato de sonhos
onde digeríamos versos
vai longe o tempo
em que fuzis e baionetas
poderia ser canto
enternecido e libre
geração ácida
que diluía a alma em álcool
e fazia da redoma o copo
com certeza senhores
vai longe, muito longe, o tempo
em que tiramos o papel do limbo
e cravamos o punhal no branco
Aqui, por Luciano, sempre lindos poemas.
ResponderExcluirUm pouco da poesia de José Saramago. Para Cida Pedrosa e Luciano Siqueira,
com abraço
de
Selenia Granja
Fala do velho do restelo ao astronauta
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.
José Saramago
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
Eu luminoso não sou
Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
Um poço mais remoto, e habitado
De cegas criaturas, de histórias e assombros.
Se, no fundo poço, que é o mundo
Secreto e intratável das águas interiores,
Uma roda de céu ondulando se alarga,
Digamos que é o mar: como o rápido canto
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
E as cobras-d'água dobram rugas no céu,
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.
José Saramago
(in PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)