20 dezembro 2006

Bom dia, Cida Pedrosa


Geração

vivíamos no intestino do recife
e o capibaribe
era um prato de sonhos
onde digeríamos versos

vai longe o tempo
em que fuzis e baionetas
poderia ser canto
enternecido e libre

geração ácida
que diluía a alma em álcool
e fazia da redoma o copo

com certeza senhores
vai longe, muito longe, o tempo
em que tiramos o papel do limbo
e cravamos o punhal no branco

Um comentário:

Anônimo disse...

Aqui, por Luciano, sempre lindos poemas.


Um pouco da poesia de José Saramago. Para Cida Pedrosa e Luciano Siqueira,

com abraço
de

Selenia Granja



Fala do velho do restelo ao astronauta


Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.


José Saramago
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)



Eu luminoso não sou


Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
Um poço mais remoto, e habitado
De cegas criaturas, de histórias e assombros.
Se, no fundo poço, que é o mundo
Secreto e intratável das águas interiores,
Uma roda de céu ondulando se alarga,
Digamos que é o mar: como o rápido canto
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
E as cobras-d'água dobram rugas no céu,
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.



José Saramago
(in PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)