No Diário de Pernambuco:
Banda de travestis que se diz única no mundo inspira curta-metragem . O tradicional Clube Saboeira, no Centro de Goiana, cidade da Zona da Mata Norte, a 60 quilômetros do Recife, receberia pela primeira vez as Fashion Girls. Era a Noite das Bruxas, o Halloween, e a fotógrafa e cineasta Tuca Siqueira havia sido convidada para acompanhar a apresentação. Antes de a banda subir ao palco, o mestre de cerimônias da festa perguntou qual música elas iriam dublar e dançar. Quis confirmar se não seria I’ll survive, famosa na voz de Gloria Gaynor e de muitos outros ícones do mundo gay, como Edson Cordeiro. E ficou espantado ao vê-las responder que cantariam Single ladies, da diva pop norte-americana Beyoncé..Tuca Siqueira se arrependeu de não ter levado a câmera de filmar neste dia. Mas surgia ali a vontade de registrar e transpor para as telas a história de amizade e superação da banda liderada por Menidilson Henrique dos Santos, 30 anos, nome artístico Mendy, também conhecido em Goiana como Negão. O resultado é Garotas da Moda, curta-metragem com 20 minutos de duração, que ganha sua sessão de estreia nesta segunda-feira, às 20h, na 16ª edição do Cine PE - Festival do Audiovisual.
. Meny certamente ficará emocionado ao lado das amigas Cida, 24 anos, Joyce Pamela, 23, e Tasila (sem o erre mesmo!), 24, ao ver a maneira poética e verdadeira como Tuca retratou suas histórias de vida. O combinado foi que eles não veriam o filme antes de ficar pronto, pois todos têm a autocrítica muito aguçada. “Todo dia a gente se vê. A banda é mais uma maneira de estarmos próximas, porque a gente se reúne para ensaiar e jogar conversa fora”, contam as “amigas” inseparáveis.
. Para sobreviver, Meny vende cosméticos e é cabeleireiro. Cida dirige o próprio salão de beleza. Joyce escova cabelos. Meny e Tasila se conhecem desde a infância, passada em Nova Goiana, numa rua de terra batida, em frente a um canavial. Elas criam os próprios figurinos e se inspiram em figuras internacionais como a já citada Beyoncé, além de Shakira e Christina Aguilera, ou nacionais, como a supermodelo Gisele Bündchen e a cantora Joelma, da banda Calipso. “Queremos sempre treinar mais, pois nunca está perfeito”, fala Cida, que desenha, corta e borda as roupas usadas nos shows e ama dançar.
. Meny mora com a mãe, Dona Gloriete, e mais cinco sobrinhos. “Ela não tem nada contra a minha escolha. Diz que a vida é minha, que eu faço o que quiser, desde que não me meta em encrenca”, fala ele, que mantém as unhas sempre pintadas e o megahair bem cuidado. “Se a festa é para público GLS, a gente faz o make (maquiagem). Se não, vai uma coisa mais básica mesmo”, diz Joyce, completando que chega a demorar uma hora e 30 minutos para ficar toda “fechosa”. Ansiosas para ver o curta, comentam que se apresentaram em cidades próximas, como Condado, Itaquitinga e a praia de Ponta de Pedras.
. O preconceito contra os travestis (drag queens) numa cidade que vive do comércio e da cana, mas passa por crescimento econômico com a chegada de fábricas como a da Fiat e de outros investimentos, existe, elas admitem. Mas a população local apoia o grupo. “Eventos, não fazemos muito não. Mas, quando faz, ficamos na boca do povo dois, três dias”, conta Meny, que assim como as outras integrantes adoraria ver o filme no Cine-Teatro Polytheama, construído em 1914. Mas o projetor está quebrado.
. Não deve demorar muito para as Fashion Girls fazerem sucesso “em casa”. Mas, diante da ambiguidade que elas representam, até mesmo a repórter se errou o pronome de tratamento na entrevista, sem saber se deveria se referir às interlocutoras como eles ou elas. A dúvida durou segundos. Pois as Garotas da Moda de Goiana têm a alma mais feminina do que a de muitas “mulheres”. A quinta integrante, que aparece no filme, foi morar em São Paulo em maio do ano passado, sem data para retornar.
Por Tatiana Meira, do Diario de Pernambuco