08 junho 2016

Projetos opostos

O desafio da educação, entre a direita retrógrada e o progresso social
A última semana foi marcada por dois eventos importantes para a educação. Um deles foi o seminário sobre a Base Nacional Comum Curricular, realizado no dia 31 de maio, na Câmara dos Deputados, em Brasília. O outro foi a posse, em 3 de junho, de Nádia Campeão como secretária da Educação do município de São Paulo, cargo que acumula com o de vice-prefeita da capital paulista.
José Carlos Ruy, no Blog do Renato
A importância destes eventos está naquilo que eles sinalizam para a sociedade brasileira. O primeiro aponta para o regresso preconizado pelo conservadorismo que domina o exercício ilegítimo de Michel Temer à frente da presidência da República. E que passa a dar os rumos no ministério da Educação cujo ocupante, Mendonça Filho (DEM-PE), havia recebido em audiência, no dia dia 25 de maio, o ator Alexandre Frota que, com outras pessoas ligadas ao movimento Escola Sem Partido, foram levar seu projeto ao ministério. Projeto conservador e retrógrado, que pretende eliminar qualquer ensino crítico e emancipador, e também toda referência sobre a opressão da mulher, o machismo e a homofobia. É um movimento cujo objetivo é frear os avanços educacionais alcançados nos último treze anos e voltar ao velho ensino que valoriza o branco, o macho e o rico, e despreza todos aqueles que não se enquadram nesse perfil elitista. Ensino voltado para valorizar o domínio de classes na sociedade brasileira e a preparar alunos subordinados e submissos aos poderosos.
O Escola Sem Partido se esbaldou no Seminário ocorrido na Câmara dos Deputados, onde participaram expoentes ligados a ele, como o professor Bráulio de Matos e o padre Orley Silva. Esteve por lá também o Movimento Unidos pela Educação (Mupe), criado por pais católicos que querem o ensino religioso (católico, claro!) e rejeitam a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que consideram “marxista” influenciada pelo “viés ideológico da esquerda brasileira”.
Na mesma sexta-feira (3), o MUPE realizou um seminário em São Paulo, com o mesmo objetivo – barrar a BNCC, que abominam e querem substituir por uma proposta própria, de viés tradicionalista e religioso. Ela “afronta as famílias por ter viés marxista, traz valores distorcidos que vão contra nossa sociedade. O documento só fala em luta de classes. O marxismo está presente até em Química”, disse a advogada Solange Santos, uma das fundadoras do Mupe.
Um dos principais apoiadores desse grupo, o deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), teve grande destaque no seminário realizado na Câmara dos Deputados. Ele critica a BNCC por ter “uma visão ideológica e parcial da história e dos fatos sociais”, ter sido “elaborada por meia dúzia de especialistas das universidades”, e não “mostrar a visão plural da sociedade”.
Não é verdade. A BNCC resultou daquele que talvez seja o maior esforço contemporâneo de debate e consulta sobre os rumos da educação brasileira. Foi elaborada por nada menos que 116 especialistas de 35 universidades, com a colaboração de 96 revisores técnicos e de entidades científicas. E o resultado foi submetido, durante seis meses, a uma consulta pública, pela internet, e recebeu mais de 12 milhões de contribuições.
Pois é, são estas diretrizes, que resultam do trabalho de pelo menos duas centenas de especialistas, de entidades científicas e do debate envolvendo 12 milhões de pessoas, que a direita tradicionalista, intransigente e intolerante quer jogar no lixo para colocar em seu lugar o ultrapassado, elitista e – ele sim – ideológico, ensino tradicional.
Este é mais um capítulo na velha luta por uma escola emancipadora, sem preconceitos, e aberta para todos os brasileiros, e não voltada apenas para uma parte pequena da população. Luta iniciada já na década de 1920 e que teve expoentes como Fernando de Azevedo, Anibal Teixeira e Florestan Fernandes, Paulo Freire e Darcy Ribeiro.
Corrente emancipadora em que a secretária paulistana Nádia Campeão se insere, a julgar pelo discurso que pronunciou em sua posse. A Secretaria da Educação da capital paulista se capacita, assim, para ser um ponto de resistência ao conservadorismo e reacionarismo fincados em Brasília, no seio do governo interino de Michel Temer.
Naquele discurso ela manifestou o propósito de trabalhar por uma educação democrática e de qualidade, como já acontece na prefeitura paulistana e se reflete inclusive no piso salarial dos professores da rede pública municipal, elevado para 3.550 reais na atual gestão municipal.
Nádia Campeão iniciou seu discurso lembrando que a “causa da educação é universal e, nas condições de um país com a história e a formação do Brasil, com as desigualdades que persistem, ela é ainda mais urgente e prioritária”. Urgência que deve ser enfrentada – e citou, neste ponto, um trecho do manifesto da Escola Nova, de 1932 – com “…a educação, que dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos, e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana”.
Este é o desafio e, neste momento, a resistência – além das condições materiais, de dinheiro e salários, a educação precisa de um projeto nacional que envolva a todos os brasileiros. Projeto que foi delineado na Constituição de 1988, lembrou ela. E que “consagra princípios fundamentais da educação como um direito social: o papel do estado em garantir educação pública, com qualidade social e gestão democrática; a destinação de verbas públicas para a escola pública; a vinculação de recursos orçamentários para educação; a erradicação do analfabetismo; a universalização do ensino fundamental e a progressiva universalização do ensino médio; a valorização dos profissionais da educação; o piso nacional de salários; a promoção humanística, científica e tecnológica do país”.
Projeto que a direita nunca aceitou (sob o argumento falacioso de que os direitos previstos pela Constituição na cabem no PIB!) e ao qual, no poder com Michel Temer, pretende dar um fim.
O desafio está lançado e Nádia Campeão, servidora pública experiente e construtora de trajetórias vitoriosas em suas passagens pelo poder público, não foge dele. “O que continua a exigir respostas”, disse em seu discurso, “é: como combater as desigualdades nesse país e nessa cidade sem garantir aos trabalhadores, aos negros, às mulheres e aos oriundos da escola pública o acesso às universidades?”
Desafio que, na Secretaria da Educação do Município de São Paulo, será enfrentado com galhardia.

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