A última
semana foi marcada por dois eventos importantes para a educação. Um deles foi o
seminário sobre a Base Nacional Comum Curricular, realizado no dia 31 de maio,
na Câmara dos Deputados, em Brasília. O outro foi a posse, em 3 de junho, de
Nádia Campeão como secretária da Educação do município de São Paulo, cargo que
acumula com o de vice-prefeita da capital paulista.
José Carlos Ruy, no Blog do Renato
A importância destes eventos está naquilo que eles sinalizam para a
sociedade brasileira. O primeiro aponta para o regresso preconizado pelo
conservadorismo que domina o exercício ilegítimo de Michel Temer à frente da
presidência da República. E que passa a dar os rumos no ministério da Educação
cujo ocupante, Mendonça Filho (DEM-PE), havia recebido em audiência, no dia dia
25 de maio, o ator Alexandre Frota que, com outras pessoas ligadas ao movimento
Escola Sem Partido, foram levar seu projeto ao ministério. Projeto conservador
e retrógrado, que pretende eliminar qualquer ensino crítico e emancipador, e
também toda referência sobre a opressão da mulher, o machismo e a homofobia. É
um movimento cujo objetivo é frear os avanços educacionais alcançados nos último
treze anos e voltar ao velho ensino que valoriza o branco, o macho e o rico, e
despreza todos aqueles que não se enquadram nesse perfil elitista. Ensino
voltado para valorizar o domínio de classes na sociedade brasileira e a
preparar alunos subordinados e submissos aos poderosos.
O Escola Sem Partido se esbaldou no Seminário ocorrido na Câmara dos
Deputados, onde participaram expoentes ligados a ele, como o professor Bráulio
de Matos e o padre Orley Silva. Esteve por lá também o Movimento Unidos pela Educação
(Mupe), criado por pais católicos que querem o ensino religioso (católico,
claro!) e rejeitam a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que consideram
“marxista” influenciada pelo “viés ideológico da esquerda brasileira”.
Na mesma sexta-feira (3), o MUPE realizou um seminário em São Paulo, com
o mesmo objetivo – barrar a BNCC, que abominam e querem substituir por uma
proposta própria, de viés tradicionalista e religioso. Ela “afronta as famílias
por ter viés marxista, traz valores distorcidos que vão contra nossa sociedade.
O documento só fala em luta de classes. O marxismo está presente até em
Química”, disse a advogada Solange Santos, uma das fundadoras do Mupe.
Um dos principais apoiadores desse grupo, o deputado federal Rogério
Marinho (PSDB-RN), teve grande destaque no seminário realizado na Câmara dos
Deputados. Ele critica a BNCC por ter “uma visão ideológica e parcial da
história e dos fatos sociais”, ter sido “elaborada por meia dúzia de
especialistas das universidades”, e não “mostrar a visão plural da sociedade”.
Não é verdade. A BNCC resultou daquele que talvez seja o maior esforço
contemporâneo de debate e consulta sobre os rumos da educação brasileira. Foi
elaborada por nada menos que 116 especialistas de 35 universidades, com a
colaboração de 96 revisores técnicos e de entidades científicas. E o resultado
foi submetido, durante seis meses, a uma consulta pública, pela internet, e
recebeu mais de 12 milhões de contribuições.
Pois é, são estas diretrizes, que resultam do trabalho de pelo menos
duas centenas de especialistas, de entidades científicas e do debate envolvendo
12 milhões de pessoas, que a direita tradicionalista, intransigente e
intolerante quer jogar no lixo para colocar em seu lugar o ultrapassado,
elitista e – ele sim – ideológico, ensino tradicional.
Este é mais um capítulo na velha luta por uma escola emancipadora, sem
preconceitos, e aberta para todos os brasileiros, e não voltada apenas para uma
parte pequena da população. Luta iniciada já na década de 1920 e que teve
expoentes como Fernando de Azevedo, Anibal Teixeira e Florestan Fernandes,
Paulo Freire e Darcy Ribeiro.
Corrente emancipadora em que a secretária paulistana Nádia Campeão se
insere, a julgar pelo discurso que pronunciou em sua posse. A Secretaria da
Educação da capital paulista se capacita, assim, para ser um ponto de
resistência ao conservadorismo e reacionarismo fincados em Brasília, no seio do
governo interino de Michel Temer.
Naquele discurso ela manifestou o propósito de trabalhar por uma
educação democrática e de qualidade, como já acontece na prefeitura paulistana
e se reflete inclusive no piso salarial dos professores da rede pública
municipal, elevado para 3.550 reais na atual gestão municipal.
Nádia Campeão iniciou seu discurso lembrando que a “causa da educação é
universal e, nas condições de um país com a história e a formação do Brasil,
com as desigualdades que persistem, ela é ainda mais urgente e prioritária”.
Urgência que deve ser enfrentada – e citou, neste ponto, um trecho do manifesto
da Escola Nova, de 1932 – com “…a educação, que dando ao povo a consciência de
si mesmo e de seus destinos, e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém,
cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima
com a consciência humana”.
Este é o desafio e, neste momento, a resistência – além das condições
materiais, de dinheiro e salários, a educação precisa de um projeto nacional
que envolva a todos os brasileiros. Projeto que foi delineado na Constituição
de 1988, lembrou ela. E que “consagra princípios fundamentais da educação como
um direito social: o papel do estado em garantir educação pública, com
qualidade social e gestão democrática; a destinação de verbas públicas para a
escola pública; a vinculação de recursos orçamentários para educação; a
erradicação do analfabetismo; a universalização do ensino fundamental e a
progressiva universalização do ensino médio; a valorização dos profissionais da
educação; o piso nacional de salários; a promoção humanística, científica e
tecnológica do país”.
Projeto que a direita nunca aceitou (sob o argumento falacioso de que os
direitos previstos pela Constituição na cabem no PIB!) e ao qual, no poder com
Michel Temer, pretende dar um fim.
O desafio está lançado e Nádia Campeão, servidora pública experiente e
construtora de trajetórias vitoriosas em suas passagens pelo poder público, não
foge dele. “O que continua a exigir respostas”, disse em seu discurso, “é: como
combater as desigualdades nesse país e nessa cidade sem garantir aos
trabalhadores, aos negros, às mulheres e aos oriundos da escola pública o
acesso às universidades?”
Desafio que, na Secretaria da Educação do Município de São Paulo, será
enfrentado com galhardia.
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