Multinacionais de armas escalam militares brasileiros para lobby na Defesa
General aliado de
Bolsonaro, coronéis e almirante atuam no governo como consultores de empresas
de armas e equipamentos
Fábio
Fabrini e Julio Wiziack, Folha de S. Paulo
Interessadas
em prospectar negócios com a ampliação do mercado brasileiro, multinacionais de armas e
de equipamentos de guerra escalaram militares graduados, com influência no governo Jair Bolsonaro (sem
partido), para fazer lobby comercial no Ministério da Defesa.
A estratégia
se desenrola no momento em que o Brasil planeja expandir seus investimentos no
setor dos atuais 1,4% (hoje, R$ 109 bilhões) para 2% do PIB (Produto Interno
Bruto) em longo prazo.
A
diretriz para reequipar as Forças Armadas é evitar compras diretas e estimular
parcerias entre empresas estrangeiras e nacionais, a fim de atrair a produção
dos materiais a serem comprados para o território nacional, com transferência
de tecnologia.
Com contratos
na mira, representantes de empresários e de países interessados em fazer
negócios batem à porta da Secretaria de Produtos de Defesa (Seprod) do
ministério, que funciona como um abre-alas para essas tratativas.
Próximo de
Bolsonaro, o general reformado Paulo Chagas e um grupo de outros militares
fizeram reuniões neste ano com o chefe da secretaria, Marcos Degaut, e com
integrantes do Estado-Maior da Aeronáutica para a companhia italiana Leonardo
International.
A agenda
oficial da secretaria, obtida pela Folha via
Lei de Acesso à Informação, registra apenas a presença do general, na condição
de consultor, em 13 de fevereiro deste ano, embora outros militares estivessem
presentes, além de um executivo da empresa.
Chagas
foi o candidato do bolsonarismo pelo PRP ao governo do Distrito
Federal em 2018, mas não se elegeu.
No ano
passado, foi alvo de operação da Polícia
Federal no chamado inquérito das fake news, aberto pelo Supremo para
apurar supostos ataques aos seus ministros pela internet.
"Tivemos
uma audiência no Ministério da Defesa. O objetivo era mostrar tudo o que a
Leonardo tem para oferecer. E ela tem tudo o que o Exército e a Força Aérea
precisam, ou quase tudo", disse o general à Folha.
Segundo ele,
embora tenha participado da aproximação da empresa com o governo, ainda não
assinou contrato com a multinacional, pois a pandemia interrompeu as
negociações.
Chagas
afirmou que, com um grupo de amigos, pretende abrir uma firma para representar
a Leonardo. No passado, explicou, esse time defendeu os interesses de uma
empresa israelense, fornecedora do Exército.
O general já
juntou material sobre os produtos da companhia italiana e enviou ao escritório
de projetos do Exército.
"O
retorno foi quase que imediato. Eles viram vídeo, quase tudo o que eu mandei.
Falaram: 'Olha, nos interessa, sim, conhecer tudo o que a Leonardo tem, porque
tudo o que ela tem faz parte do nosso portfólio, das coisas que nós
queremos'", disse.
Um dos
principais objetivos das reuniões é convencer o governo a comprar da Leonardo
caças M-345 e M-346.
Serviriam
para combate, mas também para treinamento de pilotos, pois estão num estágio
tecnológico intermediário entre os Supertucanos, usados atualmente pelo Brasil,
e os Gripen, comprados da sueca Saab.
"Nessa
ida a Brasília a gente tratou desse assunto. Mas existem outros bem mais
delicados, como os de guerra eletrônica. Me parece que a Aeronáutica está se
voltando para o uso de drones", disse o coronel reformado da Aeronáutica
Flávio Passos, do time citado por Chagas.
A Folha procurou
a Leonardo, que não se manifestou.
Em
outra frente, a ISDS (International Security & Defense Systems), que
representa um grupo de empresas israelenses do setor, vem atuando com a ajuda
do consultor Flávio Josmar Pelegio, coronel do Exército que passou à reserva em
2013.
Em 1º de
agosto do ano passado, ele esteve na Secretaria de Produtos de Defesa com o
presidente da companhia, Leo Gleser.
À Folha Pelegio confirmou ter vínculo
comercial com a ISDS, da qual se diz consultor, mas não quis dar detalhes da
reunião ou dos propósitos da empresa. A ISDS não se pronunciou.
Na ativa, o
coronel comandou regimentos de cavalaria mecanizados do Exército. É considerado
nas Forças um oficial bem relacionado e influente.
Na véspera da
agenda na Defesa, ele e Degaut se reuniram no Palácio do Planalto com o
ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, cada um em um horário
distinto.
Questionada
sobre a pauta desses encontros, a pasta disse que foram apenas "visitas de
cortesia".
Segundo
Degaut, "normalmente o ministério não trabalha com consultores".
"Mas, como vieram recomendados por empresas, atendemos. Se houver alguma
coisa que possa ser apresentada para as Forças como de interesse, a conversa
prossegue", disse.
Questionado,
Degaut disse que, "na maior parte dos casos", o conhecimento técnico
é o motivo de multinacionais colocarem militares à frente de seu lobby
comercial na Defesa. Ele afirmou, porém, que, "em alguns casos",
conta também o acesso que eles podem ter a autoridades.
Segundo ele,
não há óbice na pasta para esse tipo de atuação.
"A
partir do momento em que ele está na reserva, tem total autonomia para escolher
a carreira que desejar. Se quiser ser representante comercial, pode ser. Se
achar que os contatos que construiu ao longo da vida dele podem ajudar em
alguma coisa, pode tentar a sorte. Diz respeito à iniciativa individual",
afirmou.
Os lobbies da
Leonardo e da ISDS, segundo a Defesa, ainda estão no status de propostas e não
evoluíram para contratos ou parcerias.
Degaut
afirmou que compras são feitas com base na realidade orçamentária, desde que o
produto ou serviço esteja "dentro do planejamento estratégico" das
Forças.
Diversos
projetos estão sendo discutidos, entre eles uma associação entre a MBDA,
produtora europeia de mísseis, e uma empresa brasileira. Foi esse o assunto de
reunião entre Degaut e representantes da multinacional em 19 de novembro de
2019.
Um dos
presentes era o contra-almirante Antônio Fernandes, que já deixou a ativa e
agora é diretor da Simtech. A empresa confirmou à Folha que
representa a MBDA no Brasil.
Ao menos três
grupos estrangeiros já fecharam parcerias neste ano e estiveram no ministério
antes de acertarem investimentos que, somados, chegam a R$ 1 bilhão na
construção de fábricas.
A eslovena
Arex, fabricante de pistolas e outros tipos de armas, assinou um memorando para
firmar sociedade com a Delfire Arms (DFA). Passarão a produzir em Goiás, com
incentivos fiscais do estado.
A indiana
Tatra está se instalando no Paraná e a americana Springfield, no Rio Grande do
Sul.
A suíça Sig
Sauer deve montar operação em Minas Gerais. Para isso, teve apoio do deputado
federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Em abril, ele postou no Twitter a foto de
uma reunião com representantes da Sig Sauer, prometendo ajudá-los:
"Falta a garantia política de que o lobby não atochará tantas burocracias
para emperrar a instalação [de uma fábrica no país]".
O avanço de
fabricantes de armas no Brasil ocorre no momento em que Bolsonaro incentiva a
população as se armar, proposta apresentada pelo
presidente na famosa reunião ministerial de 22 de abril.
Veja: Abordagem
dos desafios do Brasil há que se fazer com base teórica sólida https://bit.ly/3b37OeG
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