Só Aristóteles sabe a resposta
Cícero Belmar
Num exercício
de imaginação, se me fosse dada a chance de voltar ao passado para me encontrar
com uma personagem histórica, eu nem pestanejaria. Tenho uma pergunta a fazer
ao velho e bom Aristóteles. Certamente o filósofo, que era fascinado por
encontrar respostas para explicar como funcionam as coisas práticas, me diria
por que alguém, em sã consciência, quer ser prefeito nos dias de hoje.
Os
municípios brasileiros estão praticamente falidos e tudo o que ouvimos são
lamentações dos que estão terminando a gestão. Desejar substitui-los, portanto,
deve ser uma abnegação. Uma atitude de desprendimento que tem explicação numa
grande questão filosófica que só os mestres da Antiguidade Clássica poderiam
justificar.
As
campanhas já estão nas ruas, os candidatos iniciaram o corpo a corpo e não
medem esforços gastando a sola do sapato por arrabaldes e logradouros. Haverá
quem seja capaz de vender até a pobre mãezinha, em troca de votos, para
conseguir sentar na cadeira de prefeito.
A
estas alturas há candidatos à base de maracugina, fitoterápico que combate a
ansiedade, a irritação, a agitação e a insônia. Outros, que nenhum comprimido
dá jeito, são assaltados, no sono da noite, devido à difícil ascensão
eleitoral. Uma terceira categoria anda assombrada na luz do sol por um certo
espírito, o tal do espírito público, que cobra decência e ética de todos os que
assumem a personagem de candidato ao cargo.
Do
lado de cá, sabemos que eleger um prefeito é uma escolha de muita
responsabilidade. O futuro da cidade estará nas mãos daquele que ungiremos nas
urnas. Como pagamos a conta antecipadamente, estaremos prontos para fazer as
cobranças quando o nosso correligionário exemplar tomar posse.
Nas
funções do cargo, o prefeito eleito será uma criatura sem independência e sem
liberdade de ação, pois a faixa é uma camisa de força. Os órgãos de controle
não sabem quem é ou deixa de ser corrupto. E têm como princípio exigir que eles
não saiam um milímetro daquilo que for fixado nas leis orçamentárias.
Se
agora os postulantes ao cargo querem ser eleitos e garantem o impossível para
bater a meta, passarão quatro anos se queixando de pouco dinheiro em caixa. O
tamanho de cada município é proporcional aos problemas que enfrentarão para
aplicar as micharias provenientes de impostos e demais verbas repassadas pelos
estados e União.
Tem
mais: em 2021, todo gestor estará com o fôlego administrativo mais curto por
causa das dificuldades advindas da pandemia. Ressalte-se que o setor de saúde
estará naquela de salve-se quem puder. Mergulhado numa crise profunda, nunca
vista antes na história.
Com
tantos problemas administrativos e financeiros, que os municípios brasileiros
enfrentam e enfrentarão, ganha a proporção de ordem aristotélica o desejo de
ser prefeito a partir destas eleições.
É
certo que muita gente se candidata por mera vaidade ou porque deseja
ardentemente ser reconhecida como autoridade máxima na estrutura administrativa
do Poder Executivo do município.
Só
para relembrar o que aprendemos na escola, Aristóteles era chegado a fazer umas
caminhadas com os alunos itinerantes enquanto debatia ideias de ordem prática.
E certamente, o mestre ficaria fascinado em analisar essa dialética dos
prefeitos. A questão parece abstrata, mas também oferece uma oportunidade para
se refletir o mundo concreto.
Vejam
que coisa maravilhosa: Aristóteles, nas famosas andanças, analisou virtudes
como temperança; honestidade; magnanimidade; veracidade e amistosidade. Ele
observou, que cada uma dessas virtudes parece estar entre dois vícios.
Tenho
ou não razão para achar que querer ser prefeito é uma questão de alta
filosofia? Só Aristóteles tem a resposta. E assim mesmo está calado.
Cícero Belmar é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Pernambucano, mora no Recife. Já ganhou duas vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife; e outras duas vezes o Prêmio de Ficção da Academia Pernambucana de Letras. É membro da Academia Pernambucana de Letras. Email: belmar2001@gmail.com; Instagram: @cicerobelmar. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às segundas-feiras.
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