11 outubro 2020

Uma crônica de Cícero Belmar

 

Só Aristóteles sabe a resposta

Cícero Belmar

 

Num exercício de imaginação, se me fosse dada a chance de voltar ao passado para me encontrar com uma personagem histórica, eu nem pestanejaria. Tenho uma pergunta a fazer ao velho e bom Aristóteles. Certamente o filósofo, que era fascinado por encontrar respostas para explicar como funcionam as coisas práticas, me diria por que alguém, em sã consciência, quer ser prefeito nos dias de hoje.

Os municípios brasileiros estão praticamente falidos e tudo o que ouvimos são lamentações dos que estão terminando a gestão. Desejar substitui-los, portanto, deve ser uma abnegação. Uma atitude de desprendimento que tem explicação numa grande questão filosófica que só os mestres da Antiguidade Clássica poderiam justificar.

As campanhas já estão nas ruas, os candidatos iniciaram o corpo a corpo e não medem esforços gastando a sola do sapato por arrabaldes e logradouros. Haverá quem seja capaz de vender até a pobre mãezinha, em troca de votos, para conseguir sentar na cadeira de prefeito.

A estas alturas há candidatos à base de maracugina, fitoterápico que combate a ansiedade, a irritação, a agitação e a insônia. Outros, que nenhum comprimido dá jeito, são assaltados, no sono da noite, devido à difícil ascensão eleitoral. Uma terceira categoria anda assombrada na luz do sol por um certo espírito, o tal do espírito público, que cobra decência e ética de todos os que assumem a personagem de candidato ao cargo.

Do lado de cá, sabemos que eleger um prefeito é uma escolha de muita responsabilidade. O futuro da cidade estará nas mãos daquele que ungiremos nas urnas. Como pagamos a conta antecipadamente, estaremos prontos para fazer as cobranças quando o nosso correligionário exemplar tomar posse.

Nas funções do cargo, o prefeito eleito será uma criatura sem independência e sem liberdade de ação, pois a faixa é uma camisa de força. Os órgãos de controle não sabem quem é ou deixa de ser corrupto. E têm como princípio exigir que eles não saiam um milímetro daquilo que for fixado nas leis orçamentárias.

Se agora os postulantes ao cargo querem ser eleitos e garantem o impossível para bater a meta, passarão quatro anos se queixando de pouco dinheiro em caixa. O tamanho de cada município é proporcional aos problemas que enfrentarão para aplicar as micharias provenientes de impostos e demais verbas repassadas pelos estados e União.

Tem mais: em 2021, todo gestor estará com o fôlego administrativo mais curto por causa das dificuldades advindas da pandemia. Ressalte-se que o setor de saúde estará naquela de salve-se quem puder. Mergulhado numa crise profunda, nunca vista antes na história.

Com tantos problemas administrativos e financeiros, que os municípios brasileiros enfrentam e enfrentarão, ganha a proporção de ordem aristotélica o desejo de ser prefeito a partir destas eleições.

É certo que muita gente se candidata por mera vaidade ou porque deseja ardentemente ser reconhecida como autoridade máxima na estrutura administrativa do Poder Executivo do município.

Só para relembrar o que aprendemos na escola, Aristóteles era chegado a fazer umas caminhadas com os alunos itinerantes enquanto debatia ideias de ordem prática. E certamente, o mestre ficaria fascinado em analisar essa dialética dos prefeitos. A questão parece abstrata, mas também oferece uma oportunidade para se refletir o mundo concreto.

Vejam que coisa maravilhosa: Aristóteles, nas famosas andanças, analisou virtudes como temperança; honestidade; magnanimidade; veracidade e amistosidade. Ele observou, que cada uma dessas virtudes parece estar entre dois vícios.

Tenho ou não razão para achar que querer ser prefeito é uma questão de alta filosofia? Só Aristóteles tem a resposta. E assim mesmo está calado.

Cícero Belmar é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Pernambucano, mora no Recife. Já ganhou duas vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife; e outras duas vezes o Prêmio de Ficção da Academia Pernambucana de Letras. É membro da Academia Pernambucana de Letras. Email: belmar2001@gmail.com; Instagram: @cicerobelmar. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às segundas-feiras. 

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