Sergio Moro, a CIA e a devastação do Brasil
Por qualquer lógica formal básica, era evidente que Moro estava a serviço dos interesses dos EUA – e não do Brasil
Altair Freitas, Portal Vermelho
De tempos em tempos, a CIA – aquele
órgão de espionagem mundial a serviço de Washington – produz relatórios
traçando cenários futuros sobre economia, política e desdobramentos gerais para
o mundo em geral e para os EUA em especial. Já tratei disso aqui algumas vezes,
mas há elementos novos.
Esses relatórios não são estudos acadêmicos.
São peças de inteligência que orientam as ações do Estado ianque para agir
mundo afora e tentar garantir sua hegemonia conforme os interesses dos seus
conglomerados privados e o aparato civil-militar, que, de fato, comandam aquele
país, muito acima de quaisquer presidentes que são, na verdade, a ponta visível
do iceberg oculto sob as águas turvas e fétidas do capitalismo espoliador dos
trabalhadores locais e de povos inteiros para além das suas fronteiras. Com
eles nas mãos, os demais serviços de inteligência, o Pentágono e a própria CIA,
adotam as medidas necessárias para buscar manter seus conglomerados privados e
corporações de imenso poder político-militar predominantes no mundo.
Os diversos relatórios produzidos
entre 2006 e 2010 apontavam o Brasil como potência emergente, com empresas
privadas e estatais alavancadas pela parceria com o Estado brasileiro comandado
por Lula, entrando forte na disputa por mercados dentro e fora do Brasil, em
concorrência direta com as corporações dos EUA e Europa. Três setores
sobressaíam: energia, com o grande fortalecimento da Petrobrás; engenharia de
construção (Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa); e produção de
proteína animal (JBS). As empresas não são nominadas, mas, nesses setores, eram
essas as principais companhias na disputa palmo a palmo com os conglomerados
privados estrangeiros.
Se olharmos com detalhes o que
acontecia naquele período de grande crescimento da economia brasileira
(chegamos à quinta posição em termos de PIB em alguns meses de 2011, primeiro
ano do Governo Dilma!), os relatórios da CIA comprovavam cenários por ela
projetados para a década seguinte (os anos 20 do nosso século): fortalecimento
do Brasil como potência regional, com presença global em alguns setores e
declínio acentuado dos EUA. A CIA não olhava só para o Brasil, claro, mas para
o rápido ascenso chinês, a retomada da grandeza política e econômica da Rússia,
a expansão da economia da Índia, o papel da Venezuela de Hugo Chávez no cenário
petrolífero e político, etc.
Meu recorte aqui diz respeito aos
nossos interesses nacionais – e como o Brasil foi brutalmente afetado pelo
desmonte, desmoralização e quase extinção dos grupos e empresas citadas acima
em função dos grandes escândalos de corrupção que levaram à queda do governo
petista e seus aliados à esquerda. Em especial o papel da Operação Lava Jato
para essa desmoralização, cujo real chefe foi o então juiz Sérgio Moro.
No campo das profundas disputas entre
conglomerados nacionais e oligopólios estrangeiros, a guerra é suja, profunda.
Envolve espionagem estatal e privada. Envolve também negociatas, cooptação e
convencimento de agentes públicos para criar facilidades legais e financeiras,
bem como o financiamento de golpes de Estado para derrubar governos hostis aos seus
interesses, financiamento aberto e secreto para forças políticas afinadas com
esses interesses. Tem sido assim no capitalismo desde seu processo histórico de
desenvolvimento e muito mais intenso a partir do surgimento das chamadas
transnacionais ou multinacionais. O crescimento dos conglomerados privados
brasileiros seguiu esse velho roteiro – e, claro, o hegemonismo estadunidense
não assistia a isso parado. Foi à guerra!
Poderia ficar aqui descrevendo por
inúmeros parágrafos os movimentos internos e externos que conduziram o Brasil à
crise profunda instalada desde 2013 – uma combinação de crise econômica global
do capitalismo a partir de 2008 com as disputas políticas no Brasil entre os
blocos liderados por PSDB e PT. Tudo isso resultou no impeachment de Dilma e na
ascensão da extrema direita bolsonarista ao poder em 2018, na esteira do
denuncismo anticorrupção promovido pela Lava Jato, em associação com a grande
mídia capitaneada pela Rede Globo e demais atores políticos e sociais que
agiram de caso pensado ou induzidos a erro pela avalanche denuncista.
Apenas a título de exemplo, quem não
lembra os grampos promovidos pelos serviços de inteligência dos EUA contra a
presidenta Dilma, uma violação criminosa da soberania nacional? Quem não se
lembra das profundas manipulações das investigações da Lava Jato para levar
Lula à prisão e tirá-lo da disputa eleitoral de 2018? Ou, ainda antes, das
investigações sobre o “mensalão” e a prisão de figuras de proa do petismo? Isso
tudo sempre esteve diretamente interligado aos interesses estratégicos acima
identificados.
Como o espaço aqui é curto, atenho-me
ao recentíssimo fato envolvendo o ex-juiz e ex-ministro da Justiça de
Bolsonaro, Sergio Moro, o verdadeiro chefe da Lava Jato, como ficou amplamente
comprovado pelas matérias do site The Intercept, através das
matérias que ficaram conhecidas como Vaza Jato. Ao longo da Lava Jato, ficaram
evidenciadas as articulações de Moro com órgãos de inteligência dos EUA, com
seu Departamento de Estado, o que era confirmado por ele mesmo, inclusive sob o
manto de “parceiras para troca de informações no combate à corrupção e lavagem
de dinheiro”. Por qualquer lógica formal básica, era evidente que Moro estava a
serviço dos interesses dos EUA – e não do Brasil –, mas tudo ficava encoberto
pela aura de “Eliot Ness brasileiro” combatendo as “máfias e quadrilhas” que
roubavam o País a serviço do PT.
Moro foi contratado como sócio-diretor pela multinacional
estadunidense Alvarez & Marsal, especialista na recuperação judicial e
financeira de grandes empresas. Do próprio site da A&M, extraio o seguinte
trecho sobre tal contratação:
“Moro é especialista em liderar investigações anticorrupção complexas e de alto perfil, crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro e crime organizado, bem como aconselhar clientes sobre estratégia e conformidade regulatória proativa. Sua contratação reforça o time da A&M formado por ex-funcionários de governos, incluindo Steve Spiegelhalter (ex-promotor do Departamento de Justiça dos EUA), Bill Waldie (agente especial aposentado do FBI), Anita Alvarez (ex-procuradora do estado de Cook County, Chicago) e Robert DeCicco (ex-funcionário civil da Agência de Segurança Nacional), Paul Sharma (ex-vice-chefe da Autoridade de Regulação Prudencial do Reino Unido) e Suzanne Maughan (ex-líder investigativo da Divisão de Execução e Crime Financeiro da Autoridade de Conduta Financeira e investigador destacado para o Escritório de Fraudes).
Uma empresa estadunidense, recheada de ex-agentes públicos dos EUA, contrata como sócio o ex-juiz brasileiro para recuperar empresas que ele mesmo ajudou afundar, como Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS e Set Brasil (setor petrolífero). Em especial as empreiteiras foram praticamente destruídas pela Lava Jato e seus espaços nos mercados foram ocupados por empresas estrangeiras. Na esteira desse desmonte de grandes empresas brasileiras em combinação com as crises econômica e política que devastaram o Brasil, o País despencou no seu PIB, o desemprego explodiu e a crise social voltou a ser parte do cotidiano.
Tudo isso é explicado ao povo como
resultado da corrupção do PT e da esquerda que governou o Brasil entre 2003 e
2016. Volto então aos relatórios da CIA: tenho todos os motivos para
compreender que a realidade é muito mais complexa do que o lixo podre
midiático, jurídico e político vendido ao Brasil como verdade absoluta e
inquestionável. É preciso questionar tudo, indo à essência dos fenômenos,
saindo do conforto das aparências e das explicações simples – que são, na
verdade, grandes cortinas de fumaça para não enxergarmos os grandes interesses
e a guerra subterrânea pelo controle do Brasil.
[Ilustração: Aroeira]
Veja: Primeiras impressões sobre os
resultados das eleições municipais https://bit.ly/2VoPPYY
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