08 maio 2024

Palestina: solidariedade internacional

A possível Primavera contra a Barbárie
AwSarah Babiker, no El Salto | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Nina Berman/OutrasPalavras


 

Angela Davis fala para a câmera e sorri: “Acredito que os estudantes sempre abriram o caminho”, comenta sobre os acampamentos em solidariedade a Gaza que 22w na Universidade de Columbia e em muitos outros campi nos Estados Unidos. A histórica ativista celebra o uso do conhecimento adquirido em todas essas universidades de elite para ajudar a construir um mundo melhor, e diz que “finalmente a luta pela liberdade do povo palestino está sendo abraçada em todo o mundo”. Ela deixa outra mensagem: o que acontecer agora na Palestina determinará o futuro de todos.

As redes sociais fervilham há duas semanas com imagens de manifestações, acampamentos, gente em assembleia debatendo, ouvindo discursos, dançando dakbe [dança tradicional palestina]. Ao mesmo tempo, policiais reprimindo brutalmente estudantes e professores, ou sionistas tentando demonstrar que não se sentem seguros nas manifestações em favor da Palestina. Tudo isso acontece nos gramados de várias universidades norte-americanas, sendo Columbia onde tudo começou. Muitas dessas cenas lembram outras vividas há mais de uma década, no Occupy Wall Street, na Primavera Árabe ou no 15M. Mas o objetivo deste ciclo de mobilizações entre barracas e faixas é bem concreto: a solidariedade com o povo palestino e a luta contra o genocídio. 

Enquanto isso, em Berlim, um acampamento resistiu por duas semanas em frente ao Reichstag [Parlamento], até ser desocupado na última sexta-feira. Tudo isso ocorre num contexto em que se proíbe um congresso sobre a Palestina, impede-se que líderes europeus como o ex-ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, entrem no país e até mesmo se comuniquem por videoconferência com pessoas dentro do território alemão, ou se proíbe o uso de línguas que não sejam o alemão ou o inglês nas mobilizações.

Nos Estados Unidos na Alemanha, no Reino Unido — onde as manifestações são massivas – e na França (onde estudantes da SciencePo de Paris organizavam um acampamento na última quarta-feira rapidamente desocupado pela polícia), os protestos crescem em um clima hostil para a crítica ao colonialismo israelense. Nas universidades da elite americana, kufiyas e bandeiras palestinas tomam a paisagem enquanto pessoas de todas as origens conversam, participam de eventos e discussões, fazem cursos de árabe, aprendem a dançar dakbe e, sobretudo, denunciam o genocídio. Ilustres judeus antissionistas como Miko Peled, o candidato à presidência dos EUA Cornel West, ou políticos democratas como Ilhan Omar ou a atriz e ativista Susan Sarandon, visitam os acampamentos e se juntam às manifestações. Sobreviventes do holocausto testemunham o que aconteceu e se recusam a permi tir que essa memória seja usada para justificar outro genocídio.

O despejo brutal do primeiro acampamento que começou em 16 de abril, na Universidade de Columbia, só fez com que as ações se espalhassem, até se tornarem dezenas e chegarem a universidades no Canadá, no México, na França, na Alemanha e na Austrália. Às imagens das prisões em massa daquele dia seguiram-se outras que mostram a repressão contra estudantes e professores. Na sexta-feira, dia 26, ao desmantelar o acampamento em frente ao Reichstag, a polícia produziu outra série de imagens que alimentam a indignação diante da violência imposta aos cidadãos nacionais, para defender os interesses de Israel.

Circulam as exposições didáticas de como os veículos comerciais oferecem uma narrativa distorcida do que ocorre nas manifestações, como o artigo do New York Post em que se fala de “uma estudante judia esfaqueada no olho com uma bandeira palestina”, mas se mostra um vídeo em que nada parecido acontecie. As contínuas acusações de antissemitismo, ou de defender o Hamas, não estão impedindo a expansão dos acampamentos. As universidades de elite associadas à Ivy League como a própria Columbia, Yale ou Harvard, estão povoadas por uma nova geração de estudantes não disposta a perpetuar a cumplicidade dos EUA com Israel. Na sexta-feira, um vídeo mostrava estudantes tomando o prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Quem compartilhou o pos t se perguntava: “Estamos diante de uma primavera antissionista?”.

Desinvestimento, boicote acadêmico, fim da repressão e anistia para as pessoas detidas — essas são as principais demandas dos acampamentos desde que começaram em Columbia. As ações policiais também não estão conseguindo dissuadir os manifestantes. Ao contrário, reforçam as mobilizações: “Parece que a repressão está recrudescendo cada vez mais. Mas quanto mais nos reprimem, mais nos rebelaremos”, disse um membro do Students for Justice in Palestine à TV alternativa norte-americana Democracy Now.

A Universidade mostrou estar tão dividida quanto a sociedade. Enquanto a maioria do corpo docente apoia os protestos, suas elites pedem repressão, expulsam em massa estudantes e suspendem as aulas. Ao fazê-lo, recebem as mesmas acusações que os partidos: curvarem-se à narrativa sionista, por dependerem do financiamento de seus lobbies, uma submissão que poderia reinstalar o macartismo nas universidades. O próprio primeiro-ministro israelense, Benyamin Netanyahu, pronunciou-se há alguns dias sobre os acampamentos nas universidades, reproduzindo o discurso de que são espaços antissemitas onde os judeus correm risco de vida e comparando os campi com os da Alemanha dos anos 30. A intervenção do mandatário israelense alimentou a percepção de que Israel está interferindo na política notr-americana, crítica condensada no irônico term o, “Estados Unidos de Israel”. A interferência sionista para que os Estados Unidos reprimam seus estudantes estaria ameaçando algo que os americanos consideram definidor de sua identidade nacional, a primeira emenda à Constituição, que garante o direito à livre expressão, à liberdade de imprensa e de manifestação.

O movimento nas universidades evidencia uma ruptura geracional nos Estados Unidos. Os mais jovens se mostram mais próximos da luta do povo palestino. Por outro lado, os movimentos interseccionais recuperaram uma tradição anticolonialista a partir da qual desconstroem as narrativas israelenses, unindo coletivos racializados que enfrentem o colonialismo racista e a supremacia. São movimentos e narrativas que preocupam fortemente os think tanks sionistas, como mostrava o relatório Navegando em Paisagens Interseccionais, publicado pelo Instituto Reut israelense e o Conselho Judaico para Assuntos Públicos há alguns anos. O mesmo texto dedica va atenção especial aos movimentos de judeus antissionistas e suas alianças com outros coletivos. 

Por outro lado, as protestos também interpelam a identidade norte-americana, conectando os protestos com o movimento estudantil em 1968 contra a guerra do Vietnã, desmontando o relato que os enquadra como algo estrangeiro.

Muito drama

No momento em que o número de pessoas assassinadas por Israel desde 7 de outubro em Gaza supera 34.000, o mundo observa como centenas de corpos de crianças, mulheres e homens palestinos, alguns amarrados, outros enterrados vivos, são recuperados em valas comuns perto dos hospitais de Al Nasser ou Al Shifa, ou o exército sionista assassina símbolos como Shaima Refaat Alareer, a filha do poeta lastimado, e seu bebê. Mas são múltiplos os sionistas que insistem nas redes em sua condição de vítimas de um sentimento antijudaico nos campi. A multiplicação de vídeos mostrando o suposto antissemitismo nas mobilizações chega ao paroxismo. Tornaram-se virais um vídeo de uma mulher judia “arriscando” a se expor diante do acampamento e interpelando as pessoas presentes aos gritos:”sou judia, olhem para mim”, sem que ninguém lhe d&eci rc; a mínima atenção. Ou o vídeo de outra mulher com seu cachorro, relatando que está cercada por manifestantes e não se sente segura como mulher judia, enquanto os ativistas insistem que ela pode ir onde quiser. Ou o professor de Columbia Shai Davidai, um conhecido sionista e provocador – alguns meios relacionam sua família com a fabricação de armas – denunciando o antissemitismo e comparando a universidade atual com a Alemanha nazista quando lhe negam a entrada no campus temendo confrontos.

Davidai chamaria os manifestantes judeus solidários com Gaza de Kapos, em referência aos judeus que colaboraram com os nazistas, fatos pelos quais foi denunciado. E por mais que movimentos como Jewish Voice for Peace ou Jews for Ceasefire estejam entre os organizadores dos acampamentos, e estes contem com a presença contínua de pessoas judias, isso não parece ser suficiente para desmontar a narrativa que confunde antissionismo e antissemitismo, uma estratégia repetidamente denunciada dessas organizações que apontam a instrumentalização do antissemitismo para justificar a repressão do movimento contra o genocídio. Junto com a estratégia de autovitimização, a criminalização dos que protestam é uma parte fundamental do relato. O líder da Liga Anti-Difamação chegou a qualificar as organizações Students for Justice in Palestine e Jewish Voice for Peace como representantes do Irã. Ao mesmo tempo, eles são acusados de estar a serviço de Soros e Rockefeller…

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/05/protestos-pela-palestina-nova-fase.html

Enio Lins opina

A tragédia gaúcha e a tragédia das “revoltas na rede”

Enio Lins


Dentre as inúmeras charges sobre o desastre que assola o Rio Grande do Sul, uma foi escolhida “pra Cristo” e tem sido levada, sob açoite, ao calvário midiático. O desenho do cartunista Jean, publicado no jornal Folha de São Paulo tem apanhado mais que pandeiro de chegança – numa mistura de incompreensão, ignorância e injustiça que, há muito, virou moda no mundo digital.

MANCHETE RECORRENTE

Repetido à exaustão, há tempos, o título “Causou revolta nas redes sociais” carimba – e condena instantaneamente – com o vezo próprios das santas inquisições, o que possa considerar como “pecados mortais” dos mais variados tipos, muito além dos sete tidos como “capitais” e dos dez mandamento mosaicos. O termo “lacração” tornou-se de uso corrente para definir a ação de linchamento digital de quem quer que caia nas malhas finas da fiscalização da moral, dos bons costumes, do patriotismo e outros valores próprios dos “homens de bem”.

JEAN E SEU TRAÇO SEM ERROS

Apois está sendo assim: Jean Galvão, cartunista na Folha, publicou uma charge onde sobre o teto de uma casa alagada até a beirada das telhas, uma criança tenta consolar outra ainda menor, dizendo “Não chora, vai alagar ainda mais” enquanto um casal adulto, em apreensão, observa a catástrofe. Pronto: o mundo da moral e dos bons costumes desabou em mais uma patriotada que está unindo gente à esquerda, à direita, e ao centro, numa cruzada de ataques pelo que consideram “deboche”.

CHARGE CORRETA

Podendo ser considerado um cartum, posto ser um quadro perene (pode ser usado para qualquer enchente em qualquer lugar e a quaisquer momentos), o desenho retrata a inocência infantil diante de uma tragédia e a tentativa de exercer a solidariedade à pessoa próxima mesmo diante de uma realidade catastrófica. E, convenhamos, gente adulta de todas as ideologias: vai alagar ainda mais, não chorem, e vamos à luta. Vamos nos preparar, pois dias piores virão, isto é líquido e certo.

PREVISÕES DO TEMPO

Infelizmente para o mundo não eram, nem são, notícias falsas as previsões sobre os efeitos desastrosos das mudanças climáticas. E ação humana é uma das causas dessa tragédia anunciada – não é a única causa (como creem alguns), mas todas as iniciativas predatórias levadas adiante, em ambiência global e ritmo industrial cada dia mais acelerado, especialmente ao longo dos últimos 150 anos, têm contribuído decisivamente para a degringolada das condições ambientais, em prejuízo para a vida de uma série de seres, entre estes os humanos.

INQUISIÇÃO DIGITAL

Para além da Natureza, a ação predatória de humanos que se consideram arautos do bem contra o mal, se espalha pelas redes sociais. Chova ou faça sol, Torquemadas estão sempre de plantão mandando para a fogueira quem identifiquem como criatura herética. Para não se afastar do campo do desenho, no final de 2022, uma caricatura do craque africano Mbappé postada no perfil Jornalistas Livres ficou presa nas grades lacradoras e virou cinzas, pois assim que os primeiros internautas a consideraram “racista” – uma inverdade grosseira e falsa – o site excluiu o desenho e ainda publicou nota de retratação, desconsiderando o debate sobre o tema e cassando o direito de defesa de uma obra de arte e de quem a fez. Nesses dias chuvosos, espera-se que a Folha resista, e não se deixe levar pela enxurrada inquisitória. Ao Jean, abrigo e aplausos!

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Golpismo lá e cá

Dois ataques ao governo. Dois resultados bem diferentes.

Por que a maioria esmagadora dos brasileiros rejeita a insurreição de um ano atrás, enquanto os Estados Unidos continuam profundamente divididos sobre o 6 de janeiro?
Jack Nicas/New York Times


 

Esta segunda-feira marca um ano desde que milhares de manifestantes de extrema-direita, vestidos com as cores da bandeira do Brasil, invadiram os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto com o objetivo de anular a eleição presidencial.

Sábado marcou três anos desde que milhares de americanos fizeram praticamente a mesma coisa.

Foram dois ataques chocantes às duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental, transmitidos ao vivo pelo mundo e fomentados por presidentes que questionaram suas derrotas eleitorais. Esses atos representaram um teste de fogo para as instituições de ambos os países e provocaram um debate sobre como sociedades profundamente polarizadas poderiam seguir em frente após tais episódios.

Com o tempo, a resposta para essa pergunta tem se tornando cada vez mais clara: apesar de similares, os ataques tiveram desfechos quase opostos.

Nos Estados Unidos, o apoio à campanha de Donald J. Trump para retomar a Casa Branca tem crescido, enquanto ele se refere ao 6 de janeiro como “um belo dia”. 

Ao mesmo tempo, seu homólogo no Brasil, o ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, rapidamente segue rumo à irrelevância política. Seis meses depois de deixar o cargo, no ano passado, autoridades eleitorais o impediram de concorrer novamente até 2030 – e líderes de direita têm evitado estar próximos a ele.

Entre os cidadãos, as opiniões sobre os atos de 6 de janeiro de 2021, nos Estados Unidos, e 8 de janeiro de 2023, no Brasil, também divergem. Pesquisas recentes mostraram que 22% dos americanos apoiam o ataque ao Capitólio, enquanto no país sul-americano apenas 6% defendem as manifestações que culminaram com a depredação dos prédios públicos em Brasília.

Afinal, por que houve reações tão contrastantes a ameaças tão semelhantes? Pesquisadores e analistas apontam para uma série de razões, que incluem diferenças nos sistemas políticos, nos cenários midiáticos, nas histórias nacionais e nas respostas judiciais de cada país. No entanto, uma diferença se destaca.

Líderes da direita no Brasil “aceitaram publicamente, de forma clara e inequívoca, os resultados das eleições e fizeram exatamente o que políticos democráticos deveriam fazer”, disse Steven Levitsky, professor de ciência política na Universidade de Harvard que estuda as democracias americana e brasileira e co-autor do livro “Como as Democracias Morrem”. “Isso é muito diferente da resposta dos membros do Partido Republicano”. 

Na noite seguinte ao 8 de janeiro, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, marchou, pela Praça dos Três Poderes, onde houve a depredação, de braços dados com juízes, governadores e congressistas de diferentes linhas ideológicas, em um gesto de união contra o ataque. 

Em sentido oposto, nas horas após o ato de 6 de janeiro, alguns membros do Partido Republicano votaram no Congresso contra a certificação da vitória eleitoral do presidente Joe Biden, e, desde então, os republicanos têm retratado a insurreição como um ato patriótico – ou até como uma iniciativa de infiltrados de esquerda.

Ciro Nogueira, político de direita que foi ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro e agora é líder da minoria no Senado, disse que a reação nos Estados Unidos é surpreendente.

“Existe uma unanimidade na classe política do nosso país de condenar esses atos”, disse. “Eu acho muito ruim que uma parte dos políticos americanos aplauda esse tipo de manifestação”.

Nogueira levantou a hipótese de que o Brasil rejeitou com tanta veemência os ataques porque muitos cidadãos experienciaram a violenta ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. “Os Estados Unidos não viveram uma ditadura, uma época de período autoritário”, disse. “A gente jamais quer que isso volte ao nosso país”. 

Analistas destacam ainda que a fragmentação política do Brasil – 20 partidos são representados no Congresso – torna os políticos mais dispostos a confrontar uns aos outros e a expressar uma gama mais ampla de opiniões, enquanto os conservadores americanos estão em grande parte confinados ao Partido Republicano.

Outra observação dos analistas é de que a mídia tradicional é menos fragmentada no Brasil, o que, segundo eles, influenciou uma parcela maior do público a concordar com fatos em comum. Por exemplo, a TV Globo atinge uma parcela dominante da audiência brasileira, com índices frequentemente superiores aos das quatro redes seguintes somadas.

Mas há outra razão pela qual o Brasil rejeitou tão firmemente o 8 de janeiro – um fator que pode representar uma ameaça não intencional às instituições do país. O Supremo Tribunal Federal expandiu seu poder para investigar e processar pessoas consideradas uma ameaça à democracia.

A abordagem ajudou a abafar alegações de fraude em torno das eleições de 2022 no Brasil, já que um juiz do Supremo em particular, o ministro Alexandre de Moraes, ordenou que empresas de tecnologia retirassem postagens que espalhavam tais notícias falsas. Moraes disse ter visto a desinformação online minar a democracia em outros países e que estava determinado a não permitir que isso acontecesse no Brasil. 

Como resultado, os tribunais brasileiros têm ordenado que empresas de tecnologia excluam perfis das redes sociais a uma das mais altas taxas de banimento do mundo, de acordo com o Google e a Meta, proprietária do Instagram, Facebook e WhatsApp.

Moraes também é relator da investigação do 8 de janeiro (em alguns casos no Brasil, o papel dos ministros do Supremo pode se confundir com o de um procurador e de um juiz).

Um ano após os atos no Brasil, 1.350 pessoas foram denunciadas e 30, condenadas, com sentenças variando de 3 a 17 anos. Já nos Estados Unidos, após três anos, cerca de 1.240 manifestantes foram denunciados e 880, condenados ou declarados culpados. As sentenças variam de alguns dias a 22 anos.

Na semana passada, Moraes concedeu uma série de entrevistas nas quais criticou os manifestantes que são réus em casos julgados por ele, chamando-os de “covardes” e “um povo doente” por terem ameaçado sua família. Ele também disse que as ações tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, composto por 11 juízes, foram cruciais.

“Eu não tenho dúvida em afirmar que, se não houvesse uma reação forte das instituições, nós hoje não estaríamos aqui conversando. O Supremo estaria fechado e eu, como as investigações demonstraram, não estaria aqui”, disse Moraes em uma entrevista, ressaltando que alguns manifestantes tinham a intenção de matá-lo.

“Eu acho que há problemas na atuação do Supremo, que há problemas nessa concentração de poderes por parte do ministro Alexandre de Moraes”, disse Emilio Peluso, professor de direito constitucional na Universidade Federal de Minas Gerais. “Mas, eu acho que o Supremo tinha mesmo que dar uma resposta firme ao que aconteceu no 8 de janeiro”.

Moraes também presidiu o Tribunal Superior Eleitoral, que, em junho, votou para barrar Bolsonaro da próxima eleição presidencial. Cinco dos sete juízes da Corte consideraram que Bolsonaro abusou de seu poder quando, antes da eleição de 2022, atacou o sistema eleitoral do Brasil em um discurso transmitido pela TV estatal.

Levitsky, professor de Harvard, disse que a abordagem do Brasil se assemelha à doutrina da “democracia militante” estabelecida na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial para combater o fascismo, na qual o governo pode impedir de concorrer a eleições os políticos considerados uma ameaça.

Os Estados Unidos preferiram deixar para os eleitores decidirem, embora os tribunais em todo o país estejam analisando a elegibilidade de Trump. Agora, a expectativa é que a Suprema Corte julgue a questão.

Enquanto isso, com o apoio de colegas republicanos, Trump intensifica suas mentiras. Em um comício na última sexta-feira, ele chamou os presos pelas acusações do 6 de janeiro de “reféns” e afirmou falsamente que o movimento de extrema-esquerda antifa e o FBI “lideraram o ataque”. “Vocês viram as mesmas pessoas que eu vi”, disse a apoiadores.

Uma pesquisa divulgada no mês passado mostrou que um quarto dos americanos agora acredita que agentes do FBI “organizaram e incentivaram” o ataque de 6 de janeiro.

Para Levitsky, essa estatística ilustra o que os Estados Unidos podem aprender com o Brasil nesse caso: “O que líderes dizem e fazem importa”.

Paulo Motoryn contribuiu com a reportagem de Brasília.

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Capitalismo & crise climática

Humanidade e natureza x capitalismo e crise climática

O PCdoB está liderando através da deputada federal Daiana Santos (RS), um pacote de medidas e projetos de lei que buscam apoiar as pessoas afetadas pela catástrofe que atinge nosso Estado
Silvana Conti/Vermelho


 

Mais de 1 milhão de pessoas foram afetadas nesta tragédia climática.

Neste período tão difícil, queremos nos solidarizar com todas, todos e todes, pois estamos vivendo a maior tragédia climática do estado do Rio Grande do Sul, uma guerra onde muitas vidas foram ceifadas, famílias perderam suas casas, parentes, amigos(as), animais, um horror que poderia ter sido evitado.

O PCdoB está liderando através da deputada federal Daiana Santos (RS), um pacote de medidas e projetos de lei que buscam apoiar as pessoas afetadas pela catástrofe que atinge nosso Estado. É parte atuante das negociações na Câmara Federal para liberação de recursos e reconstrução do RS; tem em diálogo constante com os governos Estadual e Federal para que todas as ações sejam articuladas e com a celeridade necessária para, em primeiro lugar, salvar vidas, resgatar as pessoas, e em seguida definir políticas públicas de curto, médio e longo prazo para a reconstrução das cidades e territórios, dando ênfase a um planejamento estratégico nacional sobre a prevenção e os impactos da crise climática.

A deputada federal Daiana Santos, a deputada estadual Bruna Rodrigues, a vereadora Biga Pereira e o vereador Giovani Culau e movimento coletivo, além das articulações políticas, estão coordenando inúmeras ações de resgate e solidariedade.

Leia tambémDaiana Santos apresenta pacote para enfrentar tragédia no Rio Grande do Sul

Estamos trabalhando em parceria com dezenas de casas de Matriz Africana, escolas, igrejas, movimentos sociais, movimento comunitário, CTB e demais centrais, sindicatos, universidades e outras organizações da sociedade civil.

Porto Alegre sofre com as decisões políticas da Prefeitura e da base do governo na Câmara Municipal

Até 2010, Porto Alegre era conhecida como a capital mais arborizada do Brasil.

Em julho de 2023 foram cortadas mais de 400 árvores no Parque Harmonia, desde o gasômetro até a Praia do Lami; foi um ataque ambiental articulado contra todos os equipamentos públicos para que eles, associados à privatização e aos interesses de setores da construção civil, fossem gradativamente se incorporando ao patrimônio privado; portanto, vivemos em nossa capital um crime ambiental e de privatização da cidade.

A prefeitura fez uma escolha política de privatizar a cidade, privatizou a Carris (empresa de ônibus que era pública) e segue intensificando esforços para privatizar o DMAE, reduzindo em 50% os trabalhadores(as) do Departamento de Água e Esgoto da capital e assim, precarizando o serviço, para ter motivos para a dita privatização da água.

Em novembro de 2023, a mais tempestade em Porto Alegre derrubou árvores sobre a rede elétrica e o prefeito pediu doação de motoserras à população para cortar as árvores que caíram e quantas mais pudessem derrubar. 

Porto Alegre tem um sistema de proteção contra as cheias que é composto, por diques, casas de bombas, o muro da Mauá, comportas de superfície e de gravidade e ainda a estrutura predial da usina do gasômetro. É um complexo que representa investimentos que ultrapassam um bilhão de dólares, construídos em várias décadas, desde 1941.

E agora recentemente, duas comportas não resistiram à pressão da água; e assistimos a cena absurda de alguns bombeiros que foram orientados para colocar alguns sacos de areia e conter com seus próprios corpos a entrada da água no muro da Mauá.

A constatação é de que as comportas estão com as estruturas enferrujadas, emperradas, e, portanto, sem condições objetivas de funcionamento.

Os sistemas de drenagem estão sucateados, sem vedação ou sacos de areia suficientes e as águas do Guaíba avançaram na cidade e paralisaram também o sistema de abastecimento de água. E agora sofremos pela falta de água estando rodeados(as) dela, e isso não tem prazo para acabar.

Fatos recentes que antecedem a tragédia

A ministra Marina Silva afirma em sua visita ao Estado: “Se não tivéssemos quatro anos de apagão em termo de política climática, de política de prevenção, poderíamos estar numa outra situação, com certeza. Essas políticas foram todas retomadas a partir do ano de 2023. E algo dessa magnitude não consegue se resolver em um ano.”

Sobre a crise civilizacional

Evitar novas tragédias como a que vivemos no RS passa pelo reconhecimento das contradições da dinâmica da acumulação de capital, com as condições naturais de produção, ou seja, da lógica expansiva e acelerante da acumulação que não consegue harmonizar-se com a lógica da biosfera, um sistema de ecossistemas com funcionamento próprio e com dinâmica que não é crescente nem acelerante. De maneira geral, a acumulação capitalista tende a trazer sérios problemas na relação humanidade e natureza.

A terra não é mera fonte de recursos naturais e sim uma rede de ecossistemas da qual depende o bom funcionamento da vida humana.

É fundamental buscarmos construir um modelo civilizacional em que a vida esteja à frente da acumulação, e não o contrário.

Algumas medidas emergenciais do Governo Federal em apoio ao RS

o presidente Lula retornou ao Rio Grande do Sul e reafirmou que não medirá esforços para salvar vidas e reconstruir o Estado.

Leia também: Governo Federal já liberou mais de R$ 1,5 bilhão para o Rio Grande do Sul

A ministra Marina Silva destacou que deve decretar, ainda em 2024, emergência climática para 1,9 mil cidades suscetíveis a eventos extremos. “Qual é a nossa expectativa? De poder decretar emergência climática nos 1.942 municípios do Brasil que são suscetíveis a eventos climáticos extremos”, afirmou Marina.

Ao decretar emergência climática, você pode ter ações que sejam continuadas, às vezes de remoção de população, de drenagem, de encosta, de uma infraestrutura que seja adequada, sistemas de alerta que sejam rápidos, combinando tecnologia com relação e em integração com a comunidade”.

Unidade para reconstruir Porto Alegre e o RS

O presidente Lula com sua capacidade de articulação ampla, mais uma vez se comporta como um grande estadista, reunindo no RS com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, do Senado, Rodrigo Pacheco, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, e presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. Lula afirma que “não haverá impedimentos da burocracia para que a gente recupere a grandeza desse Estado”.

Lula dialoga com o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que a pasta precisa trabalhar junto com o Ministério da Fazenda para pensar em crédito que financie a retomada das empresas que estão paradas em razão das enchentes e assim manter o emprego e a renda do Estado. Em relação à infraestrutura, o presidente disse que o Governo Federal, por meio do ministério dos Transportes, vai apoiar a recuperação de estradas estaduais destruídas pelas chuvas.

Aqui em Porto Alegre precisamos seguir o exemplo do presidente Lula, que construiu uma frente ampla para retomar o Brasil. Urge a necessidade de construirmos uma Frente maior que a Frente de Esquerda, para reconstruirmos Porto Alegre, em conjunto com uma grande aliança com o povo e amplos setores que lutam por: segurança, dignidade, direitos sociais, comida na mesa, trabalho descente, creche, educação pública, inclusiva, antirracista, laica e de qualidade, pelo acesso a saúde e qualidade do SUS, habitação, cultura, por uma cidade livre de preconceitos e intolerância religiosa, sem racismo, LGBTfobia, capacitismo, machismo e todo tipo de violência e opressão.

João Amazonas sempre nos ensina com suas palavras: “A unidade como bandeira da esperança, e a chave para nossa vitória.”

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/05/tragedia-no-rio-grande-do-sul.html

Desafios urbanos

Vem aí o Ciclo de Debates DESAFIOS URBANOS, para refletir sobre as nossas cidades e apontar caminhos e soluções aos entraves atuais. Serão seis temas abordados e debatidos por renomados especialistas sempre às segundas, às 19h, no canal do youtube da TV Grabois PE. Bora participar?

Se liga na programação:
13.05 - Saúde Coletiva e Mental em Alerta
20.05 - A escalada da violência e a Cultura de Paz
27.05 - A quem interessam as novas tecnologias?
03.06 - Sinal Vermelho para a Mobilidade.
10.06 - Meio Ambiente x Espaço Urbano
17.06 - Desafios e Perspectivas para o Centro do Recife.

YouTube da TV Grabois PE: https://youtube.com/@tvgraboispe2092?si=8L6y7E4ghY74124A

Rio Grande do Sul: fatores da tragédia

Exploração de recursos e falta de cultura preventiva compõem desastre anunciado

Diretor de Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS diz que é preciso melhorar monitoramento, capacitar a população e repensar o uso do solo, inclusive a monocultura
Priscila Lobregatte/Vermelho


 

“Estou muito, muito triste, você não imagina…É uma frustração”. A frase, em tom de indignação, foi dita por Joel Goldenfum, engenheiro e diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ao analisar a trágica situação de seu estado.

Não é para menos. Diante da tragédia que assola o Rio Grande do Sul desde a semana passada, talvez a pior desta natureza já vista no Brasil, Goldenfum se recorda do tanto de estudos e alertas já feitos por ele e muitos outros cientistas e especialistas ao longo de anos. 

Ao falar ao Portal Vermelho sobre o tema, ele narra mais um desastre anunciado, que poderia ter sido, se não totalmente evitado, ao menos mitigado. Afinal, não é de hoje que se sabe das consequências, para a vida humana e para o meio ambiente, da máxima exploração dos recursos naturais promovida pela lógica capitalista, que vem gerando a crise climática. 

Proteladas por anos, as soluções para tornarem as cidades mais resilientes às chuvas e às secas, entre outros fenômenos climáticos que podem assolar comunidades inteiras, se tornaram ainda mais urgentes no período atual.

Leia também: Governo Federal já liberou mais de R$ 1,5 bilhão para o Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, não faltaram avisos da ciência e da própria natureza. Eventos mais recentes do que a histórica enchente de 1941 — superada pela de agora —, como as inundações de setembro e novembro de 2023 de um lado, e as estiagens que duraram três anos, finalizadas no ano passado poucos meses antes das tempestades do segundo semestre, já deveriam ter servido de alerta. Mas, pouco mudou. E veio maio de 2024. 

Diante da marcha da crise climática e como forma de evitar novas tragédias dessa magnitude, Goldenfum defende medidas como melhorar o monitoramento das áreas mais sensíveis, capacitar a população e repensar o uso do solo, sobretudo em locais de risco, assim como criar uma cultura de prevenção de risco. Ao mesmo tempo, ele defende ser preciso rever a utilização da monocultura e estimular um uso ambientalmente mais amigável do solo e das águas. “Para obter lucro mais rápido, as pessoas super-utilizam os recursos. E isso causa sérios problemas ambientais”, diz. 

Leia abaixo os principais trechos dessa conversa. 

A enchente de 1941

“Não temos controle sobre fatores físicos, climáticos, hidrológicos. Então, a gente precisa trabalhar em outros campos. Nós já tivemos um evento muito parecido com esse, em 1941. E eu creio que, não por coincidência, também foi em um ano de El Niño  muito parecido com esse, com precipitações muito altas. O nível mais alto (do Guaíba) foi alcançado na mesma época, inclusive — naquele ano, foi no dia 8 de maio, praticamente no mesmo dia que agora. E era o nosso principal evento desse tipo. Quando se falava deste assunto, a referência era a enchente 41. Essa de agora a ultrapassou. E não foi surpresa quando a gente começou a ver a quantidade de chuva”. 

Ocupação do solo 

“Mas, temos algumas diferenças em relação a 1941. Uma delas, fácil de constatar, é o tamanho da população. Naquele ano, Porto Alegre tinha menos de 280 mil pessoas (hoje, são cerca de 1,3 milhão, segundo o Censo 2022). As outras cidades atingidas no Vale do Taquari, por exemplo, eram pequenas. Algumas delas nem eram municípios, mas parte de outros maiores. Então, realmente isso traz um efeito muito maior porque o uso e ocupação do solo é diferente e hoje há pessoas em áreas cadastradas como de risco”. 

Mudanças climáticas

“Outra questão inegável é que nós estamos enfrentando mudanças climáticas. Os estudos que têm sido feitos — inclusive por nós aqui no Instituto — indicam claramente que, em termos de volumes de água, se espera uma redução para Norte, Nordeste e até Sudeste do Brasil, mas um aumento dos volumes médios aqui, no Sul. E se observa uma tendência ao aumento de frequência e intensidade de eventos extremos. Então, a mudança climática é um fator importante. Portanto, o que está acontecendo são problemas decorrentes de ocupação inadequada e das mudanças climáticas”. 

Estudo ainda atual

“Entre 2014 e 2016, realizamos no Centro de Pesquisa e Estudos sobre Desastres (Ceped, vinculado à UFGRS), um estudo sobre a bacia do rio Taquari-Antas. Nesse estudo, chegamos a uma série de conclusões. E nós a resumimos em três termos de referência. Um era a necessidade de melhoria do monitoramento, tanto de questões meteorológicas quanto de questões hidrológicas, ou seja, o monitoramento da bacia como um todo. 

O segundo tratava da capacitação, não só para técnicos, mas também para a população, para a gente poder aprimorar a percepção de risco. As pessoas, muitas vezes, não sabem que estão em áreas de risco. Elas não sabem o que fazer quando ocorre um evento como esse. Não adianta, na última hora, você botar uma sirene se a pessoa não sabe nem para onde ela deve ir”. 

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O terceiro produto visava repensar o uso do solo. Era um tema de referência para a contratação de planos diretores para os municípios envolvidos, identificando-se que tipo de uso pode ser dado para cada área. Tem áreas que só podem ter usos que passíveis de conviver com inundação, porque nada mais é possível. 

A orla de Porto Alegre, por exemplo, é um parque linear inundável. Sua função é ser inundada quando acontece uma cheia para que o Guaíba tenha um espaço que ele possa utilizar. Claro que em um evento excepcional como este, a coisa fica mais séria, mas em eventos um pouco menores, a ideia é justamente essa. Então, o uso com quadras esportivas ali, em princípio, está correto”.

Uso adequado de áreas de risco

“Se a gente não der um uso adequado, esse tipo de área vai acabar sendo ocupada para usos inadequados. Daqui a pouco, tu tens uma ocupação irregular dentro da área, porque a área não foi usada. E o problema não é o fato de ser irregular em si, o problema é o fato de ser uma área de risco, destinada a abrigar o excesso da água. A questão, portanto, envolve fatores climáticos, meteorológicos, e de planejamento de uso do solo, e mais importante, da criação de uma cultura de prevenção de risco”. 

Indignação

“Apesar desse estudo ter sido feito em 2014- 2016, nada mudou de lá para cá. O estudo foi financiado pela Secretaria de Defesa Civil Nacional, com verba pública, por instituição pública — no caso da Universidade Federal do RS —, e entregue para o governo na época,. Só que não foi só aqui, foi feito em vários locais do Brasil. E pelo que eu tenho conhecimento, não se tomou maiores medidas, apesar dos estudos indicarem essa necessidade (…). Talvez você esteja notando, pelo meu tom de voz, a minha indignação. A gente faz todo um estudo para depois ser guardado dentro de uma sala”. 

Manejo do solo e da água x monocultura

“A questão toda é que nós temos uma cultura — que vem há muito tempo, de vários governos e que alguns incentivam mais, outros menos — de exploração máxima dos recursos, no caso, do solo e da água. E o que a gente vê com isso é que, para obter lucros mais rápidos, as pessoas super-utilizam esses recursos. E isso causa sérios  problemas ambientais”. 

A monocultura acaba causando uma série de problemas. Existem estudos mostrando que o bioma Pampa já está em risco de extinção em função das culturas locais, principalmente de soja e arroz, que são dominantes na área. E isso é um problema grave.

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Existem outros estudos que indicam que, se você fizer um manejo de água e solo mais consciente, num prazo de alguns anos, você consegue recuperar o investimento inicial e passar a ter lucro. Se você manejou corretamente a água e o solo, você fica menos vulnerável a eventos climáticos extremos”. 

Quando a gente pensa em desastre, aqui no Sul, a gente quase que só pensa em inundação, mas a seca é um desastre tão grande, ou pior, do que a inundação. Aqui nós estamos vivendo ciclos de seca e ciclos de inundação. Se nós fizermos pequenos espaços com capacidade de armazenar água, de melhorar o plantio para reduzir o grau de perda de solo, pode ser que se gaste no início, mas depois a gente vai ter maior fixação do carbono do solo, nós vamos ter menor necessidade de nutrientes e de defensivos agrícolas”. 

Financiar para melhorar 

“Mas, se você fala com, digamos, um agricultor médio aqui no Sul, ele vai dizer ‘eu não posso esperar seis anos, eu tenho que lucrar no primeiro ano’. Então, existe essa cultura do lucro imediato. E isso talvez seja verdade. Por isso, alguns programas de financiamento deveriam ser voltados para prazos mais longos, para que os produtores possam fazer sistemas mais amigáveis ao meio ambiente. 

E imagina o seguinte: se você faz um sistema desses, por exemplo, em lavouras de soja — que é vendida para o exterior como commodity, como um produto bruto — e você tem esse produto sendo feito com técnicas menos agressivas ao meio ambiente e rotular o seu produto como ambientalmente amigável, você pode agregar valor a ele, vender mais caro”. 

5 etapas para lidar com desastres

“Outra questão importante quando a gente pensa em desastre é levar em consideração cinco etapas: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. 

A prevenção é o conjunto de ações destinadas a reduzir a ocorrência e a densidade de desastres. A mitigação visa a limitar os danos. A preparação, basicamente, constitui  medidas tomadas para obter uma resposta eficaz em desastres, como planos de contingência e missões de alerta, por exemplo. Depois, vem a resposta, que são ações de socorro, e a recuperação, onde a gente trata de reestabelecer a normalidade da comunidade afetada, mas nunca reproduzindo o cenário anterior.  Não podemos reconstruir exatamente da maneira que era antes de o problema vir. Mas a gente pode pensar em melhores técnicas, em não ocupação de áreas de risco etc. 

Há situações (como em Roca Sales e Muçum) que envolvem cidades inteiras, e neste caso, é preciso repensar muito bem em como fazer isso porque, por um lado, é complicado você retirar as pessoas que estão naquela comunidade; por outro, não é possível expô-las novamente a um risco desses. 

Cidades como Muçum e Roca Sales estavam acostumadas com eventos de enchente, só que aquela enchente que sobe e desce. E normalmente, ela tinha grande energia na calha do rio, mas na planície ela só subia e descia. Já as duas enchentes que nós tivemos em setembro e novembro, e agora de novo, foram com grande energia na várzea, e foi levando tudo, até estradas, prédios, o que nunca tinha acontecido antes”. 

Por que a mídia esconde? https://bit.ly/3WthdFR 

Palavra de poeta: Paul Auster

CANÇÃO DOS GRAUS
Paul Auster
 

Nos terrenos baldios
do solstício. Na luz
que apostaste contra o cascalho
da reverência pânica. Morros de areia:
vomitada em oração — a distância
comprada
em teu nome.

Tu. E então
de novo tu. Uma pegada
cede terreno: o que é mais
não há mais: nada
jamais foi
bastante. Tendas,
erguidas e quedas: escada
apoiada
em descanso de pedra: diáfanos
degraus auréolos
de fogo. Tu,
e então nós. A terra
não pede
ninguém.

Assim
seja. Tanto
melhor — tantas
palavras,
recolhidas e murmuradas no caminho
de teus joelhos beduínos, não vão
por mágica te pôr em casa. Nem
se rastejasses de dentro da pele
de teu irmão
irias além
do que respiras: anjo
nenhum pode curar-te
de teu nome.

Mínimos. Memória
e miragem. Em cada lugar
em que paras para respirar,
ergueremos uma cidade a tua volta. Pelo muro-
-crivo de estrelas
que se ergue em tua noite, tua alma
não passará
novamente.

[Ilustração: Luciano Pinheiro]

Nem sempre é o que parece https://bit.ly/3Ye45TD

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

O Flamengo tem um elenco milionário de super craques. Falta o quê?

Uma fagulha pode mudar tudo https://bit.ly/3Ye45TD

07 maio 2024

Minha opinião

Sem causas nem culpados?

Luciano Siqueira

 

O Jornal Nacional, da Rede Globo, ontem, concentrou todo o noticiário na tragédia do Rio Grande do Sul.

O próprio apresentador e editor geral William Bonner deslocou-se a Porto Alegre e in loco comandou o programa.

Muitas cenas de sofrimento da população e também de gestos de solidariedade. Porém uma palavra sequer sobre as causas do desequilíbrio climático e da vulnerabilidade das cidades atingidas, pondo em risco a própria sobrevivência dos seus habitantes.

O texto de Danirl Lemos https://bit.ly/3WthdFR transcrevi aqui no blog contribui para compreendermos a omissão da Rede Globo: a tragédia não caiu do céu simplesmente, tem causas bem definidas - o sistema capitalista que agride a Natureza no arfã do lucro acima de tudo - e responsáveis fáceis de identificar.

Mas esse lado terrível da notícia, a depender da grande mídia brasileira porta-voz do capital financeiro e do poderoso agronegócio exportador, permanecerá oculto ou, no  máximo, virá à tona de modo distorcido.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/a-agua-que-nos-tiram.html

Capital externo no Brasil

Investimento estrangeiro: prós e contras

Uma análise profunda dos aspectos positivos e negativos, indo além dos discursos simplistas.
Paulo Nogueira Batista Jr./Vermelho


 

O investimento estrangeiro é positivo ou negativo para um país? Como para muitas questões econômicas, a resposta é: depende. Há vantagens e desvantagens. Convém, portanto, examinar o tema um pouco mais de perto.

Não é o que geralmente se faz. Predominam slogans e simplificações. No governo, por exemplo, tem havido muito oba-oba por ocasião da divulgação de alguns novos investimentos do exterior. Novos investimentos estrangeiros são apresentados como um selo de confiança ou bom-comportamento. “O Brasil está de volta”, proclama-se. (Esse slogan, diga-se de passagem, é um dos mais surrados internacionalmente.) Além disso, foi instituído, com certo estardalhaço, um programa que oferece proteção cambial a determinados investidores estrangeiros

O tema dos prós e contras do investimento estrangeiro é vasto e polêmico. Não quero me alongar demais e seleciono assim pontos que parecem mais relevantes.

Permita-me, leitor ou leitora, ser de novo um pouco mais técnico neste artigo. Farei o possível para não complicar demais, mas há aspectos inevitavelmente intrincados. Repito a sugestão que fiz em outra ocasião. Se você não for economista, não desanime se uma passagem ou outra lhe parecer incompreensível. Siga em frente e se puder entender, digamos, 70 ou 80% do texto, já terá valido a pena.

Aspectos positivos do investimento estrangeiro: fatos e meias-verdades

Começo pelos aspectos potencialmente positivos do investimento estrangeiro. São basicamente dois: 1) o investimento do exterior traz receitas cambiais e constituiu um tipo de aporte de capital que, além de não aumentar a dívida externa do país, cobre de forma relativamente estável um eventual déficit de balanço de pagamentos em conta corrente; e 2) o investimento externo pode contribuir para o aumento da formação bruta de capital fixo, traduzindo-se em elevação do crescimento potencial da economia no longo prazo.

Esses argumentos são válidos e têm ampla divulgação. São meias-verdades, porém. E a meia verdade, como dizia Tennyson, é mais perigosa do que a mentira pura e simples. Nada pior do que as “mentiras verdadeiras”, aquelas têm alguma base factual ou lógica, e as mentiras “sinceras”, aquelas que são propagadas com convicção.

É fato, sim, que o investimento externo traz receitas em moeda estrangeira e pode, portanto, ajudar a financiar um desequilíbrio em conta corrente (a parte do balanço de pagamentos que corresponde à balança comercial, serviços e rendas). E, de fato, como receber investimento não constitui uma obrigação financeira, não aumenta a dívida externa líquida do país. A variação desta última corresponde ao déficit em conta corrente deduzida a entrada liquida de investimentos (diretos e de portfólio).

Também é verdade que o investimento pode ser uma forma relativamente estável de compensar um eventual desequilíbrio nas contas externas correntes. Os investimentos em capacidade produtiva podem até sair do país em algum momento futuro, mas não de forma rápida, pois há defasagens temporais significativas entre a decisão de desinvestir e a sua concretização.

Mais importante: os investimentos em capacidade produtiva, designados nas estatísticas como “investimentos diretos”, podem, sim, reforçar o estoque de capital da economia e o seu crescimento de longo prazo.

Parecem então convincentes esses argumentos? Acredito que sim, tanto mais que os termos técnicos podem impressionar os leigos. E tanto mais que brasileiro desconfia do que entende e aceita melhor o que não entende, como dizia Nelson Rodrigues, apontando uma das muitas facetas do nosso complexo de vira-lata: se eu entendo, pensa o brasileiro na sua humildade de cachorro velho, então não deve ser grande coisa. Apesar disso, tento esclarecer, mostrando onde estão as lacunas e falácias nos dois argumentos. Veremos que esses argumentos são apenas parcialmente verdadeiros.

Investimentos estrangeiros e contas externas: corrigindo omissões

Em primeiro lugar, não se deve perder de vista que de pouco vale, do ângulo do comprometimento futuro das contas externas, absorver investimentos em vez de empréstimos. Os investimentos estão, sim, por definição, fora da classificação de dívida externa. Integram, entretanto, o conceito mais amplo de passivo externo líquido de um país. Este é a soma da dívida e do estoque de investimentos estrangeiros deduzidos os ativos externos do país no exterior na forma de créditos e investimentos. As dívidas geram pagamentos de juros; os investimentos, pagamentos de lucros e dividendos. As dívidas têm calendário de amortização; os investimentos podem ser repatriados, ainda que sem calendário fixo.

O conceito mais abrangente e mais relevante, portanto, é o de passivo externo líquido. O aumento do passivo externo líquido corresponde ao déficit em conta corrente. Havendo déficit, o passivo para com o exterior cresce de qualquer maneira, seja como dívida, seja como investimento. Ao contrário do que talvez pareça, as diferenças entre as duas formas de capital nem sempre são significativas.

Além disso, não é necessariamente verdade que o investimento estrangeiro constitua uma forma mais estável de capital. Há duas formas de investimento nas estatísticas de balanço de pagamentos: o investimento direto e o de portfólio. O investimento direto é aquele potencialmente mais ligado à formação de capital (ou à compra de capacidade produtiva existente). O de portfólio inclui, por exemplo, compra por estrangeiros (não-residentes) de ações na bolsa de valores do país ou aquisição de títulos de dívida (pública e privada). O capital de portfólio, que pode predominar em determinadas situações, é tipicamente especulativo ou de curto prazo. Não pode ser considerado estável ou confiável. Desse ponto de vista, o endividamento externo de médio e longo prazo é melhor .

Um possível agravante é que os investimentos diretos registados no balanço de pagamentos incluem uma parcela desconhecida de investimentos de portfólio. Esse problema de classificação, levantado em artigo recente¹, só pode ser esclarecido com acesso detalhado a dados que apenas o Banco Central possui.

Seja como for, é importante considerar que não convém, em geral, incorrer em déficits substanciais nas contas externas correntes, mesmo que cobertos por investimentos diretos strictu sensu. Isso é especialmente verdadeiro nas situações em que ao déficit corrente se adicionam vencimentos importantes de dívida ou riscos de saída abrupta de capitais de portfólio. Para um país que queira preservar a sua autonomia, é estrategicamente melhor zerar a conta corrente ou, no máximo, incorrer em déficits pequenos. No caso do Brasil, os déficits externos correntes têm sido modestos nos anos recentes. O Banco Central acaba de divulgar um déficit em conta corrente de 1,5% do PIB nos doze meses até março. Os investimentos registrados como “diretos” chegaram ao dobro, alcançando 3% do PIB.²

Investimentos estrangeiros e capacidade produtiva

Apesar de tudo, não há dúvida de que a forma mais defensável de capital externo é aquela que toma a forma de investimentos diretos propriamente ditos. Feitas as ressalvas acima, o investimento direto stricto sensu pode, sim, gerar capacidade produtiva nova e, quando o faz, constitui, sim, uma modalidade mais estável e duradoura de capital externo.

Atenção, porém. Há pré-requisitos. E algumas perguntas precisam ser respondidas.

O investimento direto, nas estatísticas habituais, não só pode aparecer misturado com alguns investimentos de portfólio, como já indicado, mas inclui também dois tipos diferentes de investimentos diretos: aqueles que criam capacidade nova (novas empresas ou ampliação de empresas existentes) e aqueles que simplesmente compram capacidade pré-existente. Nesse último caso, o que ocorre é desnacionalização da economia (exceto em casos de aquisição por outros estrangeiros de filiais ou subsidiárias já existentes de empresa externas).

A confusão conceitual costuma ser grande. Se o investimento que ingressa corresponde tão somente a aquisição de empresas existentes, não há nenhum efeito imediato em termos de expansão da demanda e da taxa global de investimento. De início, há mera transferência de propriedade da capacidade produtiva instalada. Só haverá reforço real do investimento, se os novos proprietários tiverem condições e interesse em ampliar as empresas que adquiriram.

A propósito, fala-se em “privatização”, às vezes impropriamente, quando o capital estrangeiro adquire o controle de empresas estatais. Ora, não raro o que acontece é a compra de estatais brasileiras por estatais estrangeiras. Nesses caso, não há privatização alguma, mas desnacionalização pura e simples. Não se cria, pelo menos de imediato, capacidade produtiva nova e os centros de decisão empresarial são transferidos para fora do país.

Outra questão relevante: ao abrir a economia para determinados investimentos diretos estrangeiros, o governo se preocupa em estabelecer contrapartidas estratégicas? Condiciona, por exemplo, a autorização para investir a compromissos de transferência de tecnologia? Negocia compromissos de realizar compras com fornecedores nacionais, estimulando produção e geração de empregos no país? A China costuma estabelecer esse tipo de condição. O Brasil, pelo seu tamanho, é um dos maiores receptores de investimentos estrangeiros no mundo. Tem, em princípio, poder de barganha para estabelecer requisitos de transferência de tecnologia e compras em território nacional.

Garantias contra risco cambial

O governo parece caminhar em direção diferente. Em vez de negociar contrapartidas, oferece garantias. Anunciou-se há pouco a oferta de hedge cambial para o financiamento de  investimentos estrangeiros considerados ambientalmente sustentáveis.³ Decisão duvidosa, que ainda precisa ser detalhada e merece mais discussão. Se entendi bem, para estimular determinados investimentos do exterior o governo estatiza o risco cambial. Em caso de depreciação acentuada da moeda brasileira, quem paga a conta é o Tesouro.

Trata-se de um programa que gera risco fiscal e risco cambial. O risco de despesas inesperadas é transferido para os cofres públicos. Se a desvalorização da moeda nacional ficar acima do esperado, o governo incorre em perdas cambiais e fiscais, isto é, diminuem as reservas internacionais e aumenta o déficit público. Curiosamente, o mercado financeiro e a mídia, sempre tão alarmados com o risco fiscal, parecem apoiar sem reservas a nova proposta.

Outra questão, esta geralmente ignorada: a suposição é que o investimento garantido contra risco cambial venha a ser de fato adicional, isto é, que ele não aconteceria na ausência da garantia estatal. Pode-se descartar, entretanto, que investimentos beneficiados não ocorreriam de qualquer maneira? Seria o pior dos mundos: na esperança de aumentar o investimento externo, o governo acabaria assumindo o risco cambial de investimentos que ingressariam no país de qualquer forma. Como os beneficiários dessa decisão são os grandes capitais, ninguém protesta, ninguém reclama.

Rejeição liberal à interferência estatal

Para terminar, um breve comentário sobre as viúvas brasileiras do neoliberalismo. Os representantes dessa velha guarda poderiam argumentar que tentar fixar condições para a entrada de investimentos viola as regras de livre mercado. Se forem coerentes (o que nem sempre acontece) objetariam, pela mesma razão geral, a que o governo ofereça proteção cambial para certos investidores externos.

Mas é frágil essa visão liberal, defunta no mundo, mas ainda presente no Brasil, especialmente no discurso do mercado financeiro e da mídia tradicional. A livre concorrência em mercados pulverizados existe mais em livros-texto do que na realidade das economias. Na prática, o que prevalece é a concorrência oligopólica, limitada, entre grandes corporações e blocos de capital.

O Estado participa e interfere nas economias bem-sucedidas. E assiste, passivo, inerte, nas economias fracassadas.

Notas

1) Carlos Luque, Simão Silber, Francisco Vidal Luna e Roberto Zagha, “O enigma do investimento direto no país”, Valor Econômico, 1 de março de 2024, p. A14.

2) Com a mencionada ressalva de que esses registros incluem possivelmente uma parte desconhecida, talvez significativa, de investimentos de portfólio.

3) Diário Oficial da União, Medida provisória, no. 1.213, de 22 de abril de 2024. Para uma avaliação crítica dos pressupostos desse programa, ver Ricardo Carneiro, “O capitalismo sem risco”, CartaCapital, 15 de abril de 2024.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/09/china-x-eua.html

Tragédia no Rio Grande do Sul

A tragédia gaúcha e a arte de cegar

Quanto mais se publica sobre este novo desastre, mais se esconde o essencial: o colapso do clima pode ser evitado; basta nos livrarmos do sistema que o produz. Para que isso permaneça ofuscado, os noticiários nos inundam de banalidades
Danirl Lemos Jeziorny/OutrasPalavras

 

Vamos colocar tudo na mesa já de saída,
sem meias palavras.
No que diz respeito à crise climática,
sim, chegou a hora de entrarmos em pânico.

(Raymond Pierrehumbert, 2018)

As palavras da epígrafe acima foram originalmente redigidas por um professor de física da Universidade de Oxford, nos EUA, principal autor do relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) de 2018. Desafortunadamente, não se trata de mero recurso retórico para chamar a atenção para um problema que muitos julgam – ou julgavam – apenas lateral. A humanidade se depara com uma ameaça real, concreta, que talvez pela primeira vez a coloque diante de uma encruzilhada na qual não possa garantir que o futuro será melhor que o presente. A despeito da recalcitrância de teorias conspiratórias e dos escusos interesses de grupos econômicos e negacionistas, há muito a ciência alerta ao agravamento das variáveis que influenciam o aquecimento global, tais como a emissão de gases de efeito estufa, a diminuição da permafrost, a acidificação dos oceanos e o desmatamento de florestas e outros biomas ao redor do planeta. A verdade é que, quanto ao devir da civilização humana no Sistema Terra, projeções de coletivos científicos são cada vez mais sombrias. 

Poucos meses após a passagem de um ciclone extratropical que trouxe devastação, prejuízos materiais incalculáveis e mortes ao Rio Grande do Sul, enchentes ainda maiores voltam a castigar a população do estado. Em praticamente todos os telejornais, comentaristas e especialistas afirmam que é necessário se acostumar com um drama que não é exclusivo dos riograndenses, mas experimentado por cada vez mais pessoas ao redor do planeta. Diz-se que é o “novo normal” do mundo em que vivemos, um processo irreversível, resultante das mudanças climáticas em curso. Ao que parece – talvez não pelo caminho mais difícil, mas certamente pelo mais doloroso – depois de muito tempo tentando-se tapar o sol com a peneira do negacionismo, a emergência climática passa a preocupar formadores de opinião pública no Brasil. Mas não ape nas estes, haja vista que, além das pessoas que tiveram suas vidas devastadas pelas tragédias climáticas, o tema consterna as que conseguem sentir alguma empatia pela dor alheia ou simplesmente guardam um mínimo de bom senso diante dos fatos.

Contudo, há uma pergunta que parece se evitar a qualquer custo a resposta, a saber: quais as causas de fundo dessa emergência climática que traz prejuízos, desesperança e sofrimento em grande escala? Seguramente muitos responderiam que a causa, em si, é o aquecimento global. É sem dúvida uma resposta atenta ao movimento da realidade concreta tal como a percebemos ou sentimos na carne; mas tampouco alcança a raiz do problema. Afinal de contas, secas cada vez mais longas, enchentes cada vez mais frequentes, ciclones cada vez mais recorrentes, além de acidificação de oceanos e acúmulo de gases de efeito estufa são menos causa do que efeitos do alargamento daquilo que se entende por falha metabólica – ou seja, expressões concretas da disjunção crescente entre o modo de produção e o Sistema Terra. Embora aparen temente rebuscado, esse raciocínio não é difícil de se apreender, especialmente quando se tem em conta que o modo de produção capitalista é um sistema que não se desenvolve no vácuo, mas através do tempo-espaço que reordena em função da lógica do capital. E esta lógica é expansiva e acelerante, visto que comandada pela acumulação capitalista e busca do lucro, em condições de concorrência mercantil. O ato de explorar um espaço finito – como a Terra – a partir de um sistema cada vez mais expansivo choca-se com um limite biofísico; daí as secas, as inundações, os ciclones cada vez mais recorrentes… Como se vê, no fundo, a resposta é outra.

Note-se, por exemplo, o que tem ocorrido desde a década de 1950. As transformações transformações socioeconômicas aceleram-se de forma estonteante. No entanto, no que toca ao metabolismo humanidade/natureza, esse mundo que ganhou impulso com os 30 anos gloriosos do capitalismo e hoje se concretiza repleto de sofisticadas máquinas e inteligência artificial traz consigo implicações preocupantes. Os gráficos abaixo ilustram algumas manifestações concretas da tendência acelerante do sistema capitalista, que ganharam impulso substantivo a partir dos anos 1950 – em consonância com a própria escala sistêmica.

É verdade que o século XX produziu uma explosão demográfica sem precedentes, em especial a partir dos anos 1950. De 3 bilhões, chegamos a cerca de 7 bilhões de seres humanos em meio século, em sua maioria nos espaços urbanos, o que contribui ainda mais à fratura metabólica em curso e implica numa utilização cada vez maior de fertilizantes. Em 1950, a utilização destes era menor que 10 milhões de toneladas; mas ela salta para 200 milhões de toneladas ainda nos anos 2000. O número de veículos automotores também explode nesse meio século: de aproximadamente 200 milhões em 1950, chega-se a cerca de 1 bilhão e 500 milhões em 2000. Nessa toada, conforme ilustram as figuras acima, exacerbam-se também as emissões de CO² e de NO², gases que provocam o efeito estufa.

A grande aceleração das atividades antrópicas ajuda a compreender que a humanidade tornou-se uma força geológica em escala planetária, especialmente a partir de 1950. Do pós-Segunda Guerra até meados dos anos 1970, o sistema capitalista experimentou seus melhores resultados. Quiçá ameaçado pela possibilidade concreta de um modelo alternativo, o sistema capitalista foi impulsionado pela ação decisiva dos Estados, que conformaram, através de pactos tripartites (patronato, sindicatos e governos), os arranjos sociais-democratas de repasses de ganhos de produtividade aos salários e, com isso, garantias de renda, demanda e massas de lucro crescentes. Arranjo que estimulava os investimentos produtivos e o emprego através de um modelo de produção e circulação em massa de mercadorias, que, em conjunto com a reconstrução do aparato produti vo na Europa no pós-Segunda Guerra, engendrou um círculo virtuoso de três décadas de crescimento econômico acelerado, com alguma distribuição de renda nas principais economias. Mesmo que essa etapa do capitalismo tenha sido interrompida com “a virada conservadora” dos anos 1980, essa interrupção não foi acompanhada de uma reversão utilização maciça de combustíveis fósseis e degradação ecossistêmica.

Nessa linha, tragédias como a que estraçalha agora a vida de milhares de gaúchos e gaúchas são menos provocados pela “mãe natureza” e muito mais pela inconsequência de seres humanos que não renunciam a uma espécie de “American Way of Life” e à busca por massas de lucro cada vez maiores em atividades típicas do neoextrativismo — mesmo quando estas acarretam agressões irresponsáveis à natureza. Logo, para não seguirmos a tapar o sol com a peneira, é necessário não escamotear a verdadeira raiz do problema: na sociedade de produção e circulação de mercadorias – ou melhor, no capitalismo – a mola mestra da capacidade humana de transformar a natureza é a acumulação de capital, é ela que está no centro de nosso sistema de reprodu&cced il;ão material. E isto significa que o processo pelo qual se obtêm os meios de subsistência e de reprodução da sociedade não é pura e simplesmente um processo produtivo, mas é também – e primordialmente – um processo capitalista. Isto é, um processo de valorização de uma determinada quantidade de valor que é posta em circulação para retornar acrescida ao ponto de onde partiu. O que remete a outro ponto fundamental à compreensão da dinâmica de nossa relação metabólica com a natureza: a aceleração. O sistema não é apenas expansível, ele também é acelerante. Na medida em que a acumulação de capital é a sua mola mestra, e ao passo que capitais que giram mais rapidamente tendem a valorizar-se mais e/ou mais velozmente do que aqueles que não o fazem, a pr&oacu te;pria concorrência intercapitalista conduz uma corrida pela introdução de inovações que reduzam o tempo de rotação dos capitais. No que toca a reprodução material do sistema, este movimento se consubstancia em tecnologias capazes de produzir mercadorias em períodos produtivos cada vez mais curtos. No entanto, como geralmente estas mercadorias possuem menor valor unitário em vista dos ganhos de produtividade do trabalho, a manutenção de grandes massas de lucro requer volumes cada vez maiores de produção, comercialização e consumo. Dessa forma, as lógicas crescente e acelerante do sistema tendem a se retroalimentar. Quanto maior a escala, maior a necessidade de aceleração – e maiores as repercussões negativas sobre os ecossistemas, que perdem sua capacidade de oferecer serviços ecossistêmicos essenciais,&nb sp;como o de regulação do clima.

Conforme aponta Luiz Marques, no intervalo de tempo de duas gerações – ou o tempo de uma única vida – a humanidade se tornou uma força geológica em escala planetária [daí a ideia de Antropoceno]. Basta ver que entre 1900 e 1930 a taxa média de elevação do nível do mar era de 0,6 mm por ano, que entre 2014 e 2017 essa taxa foi de 5mm por ano, mas que entre os anos de 2018 e 2019 a elevação foi de 6,1mm. Em apenas um século, a elevação do nível do mar decuplicou. E as projeções são de que, em 2040, as inundações que ocorrem em zonas costeiras uma vez por século podem ocorrer anualmente. Se hoje medimos a elevação do nível do mar em milímetros por ano, apenas pelo degelo da Antártida o nível dos oceanos pode subir dezenas de centímetros ainda neste século. 

Evitar novas tragédias como a que se atravessa hoje no Rio Grande do Sul passa pelo reconhecimento das contradições da dinâmica da acumulação com as condições naturais de produção, ou seja, da lógica expansiva e acelerante da acumulação que não consegue harmonizar-se com a lógica da biosfera, um sistema de ecossistemas com funcionamento próprio e com dinâmica que não é nem crescente nem acelerante. De maneira geral, a acumulação capitalista tende a trazer sérios problemas na relação humanidade/natureza sempre que a velocidade de consumo de matéria e energia supera a velocidade de regeneração do sistema natural. Mas também quando a escala de dejetos da produção ultrapassa a capacidade que os diferentes ecossistemas possuem de assimilá-los. Estas são, a rigor, as p rincipais vias pelas quais um sistema ecológico pode rumar à desorganização de sua estrutura e, com isto, ter sua mecânica alterada e/ou comprometida em virtude de ações humanas. É neste quadro que se costuma falar em metabolismo ecossistêmico, ou seja, no funcionamento próprio de um determinado ecossistema. É a interação dos elementos que compõem sua estrutura que resulta numa série de funções ecossistêmicas, tais como o sequestro de carbono da atmosfera e as regulações do clima e do ciclo da água.

Por isso, encontrar um caminho que nos afaste de tragédias ambientais exige reconhecer o óbvio: o ser humano não é senhor da natureza, mas parte desta; a Terra não é mera fonte de recursos naturais, mas uma rede de ecossistemas da qual depende o bom funcionamento da própria vida humana. Urge, mais do que nunca, assumir que catástrofes climáticas não são meros acidentes ou obstáculos de percurso, que não há saída tecnológica possível à emergência ecológica – a menos que se abandone o rumo que tomou a civilização humana, embalada por uma superacumulação de capital que se tornou um fim em si mesma e construiu o cenário trágico vivido em diversas porções do planeta – a exemplo do Rio Grande do Sul.

Se a degradação ambiental compromete o fornecimento de serviços ecossistêmicos indispensáveis aos seres humanos, a prevenção de futuras tragédias climáticas implica um corte na raiz do problema – ou seja, acabar com o totalitarismo do sistema que consome substrato material da vida. É possível que ainda haja tempo suficiente para se puxar o freio de emergência, antes que a fratura no metabolismo humanidade/natureza transforme a biosfera num ralo a sugar a espécie humana. O que de fato precisa ser discutido, então, não são meras soluções técnicas, ferramentas que arredem obstáculos de um rumo supostamente natural e inescapável, mas uma forma de se cambiar este rumo, de se construir um modelo civilizacional em que a vida esteja à frente da acumulação, não o contrário.

É nesse sentido que autores como John Bellamy Foster criticam a irrealidade e a irresponsabilidade de muitas das análises desenvolvidas no âmbito do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC). Os modelos que empregam têm o crescimento econômico como pedra angular; logo, a acumulação de capital tal qual santa no altar. Tais análises rebaixam sistematicamente a escala das transformações sociais necessárias e apostam todas as fichas no mesmo mecanismo que conduziu à emergência ecológica – ou seja, o mercado. Assim, ainda que possam acertar no diagnóstico (de que o crescimento econômico acelerado deixou de ser garantia contra as inseguranças do futuro, para se tornar a própria fonte destas inseguranças), tais análises se equivocam nas receitas prescritas, pois passam longe da raiz do problema.

Infelizmente, isto pouco surpreende, pois, como o próprio Foster reconhece, a abordagem do IPCC é ditada em grande medida pela política econômica hegemônica, orientada pelas necessidades de acumulação de grandes corporações transnacionais. Estas – como há muito alertou Milton Santos – tornaram-se o centro frouxo de um mundo desigual, em que a fábula da globalização da economia esconde a triste face do imperialismo. Uma massa gigantesca de recursos é movimentada para fabricar armas e guerras. Mata-se tranquilamente em nome da pilhagem das riquezas de povos que teimam em funcionar com outra lógica – ou de uma superacumulação ensandecida que provoca devastação ecossistêmica.

No exato momento em escrevo, mais de meio milhão de gaúchas e gaúchos são afetados por outra manifestação da falha metabólica em curso. Milhares dessas pessoas não têm a mínima ideia de para onde ir, depois de terem seu lares arrastados ou arrasados por mais uma enchente. Tragicamente, a situação não é muito diferente da que atravessam os milhões de refugiados ambientais em todo o mundo, pessoas que foram forçadas a deixar seus lugares em função de secas, inundações e outras expressões dessa mesma falha metabólica que marca a emergência climática que atravessamos. Para essas pessoas, o sistema calcado na superacumulação não vai desabar em sua relação com a natureza – pois já desabou. Não fechar os olhos a essa realidade é condição indispens&aa cute;vel para vislumbrar uma saída do labirinto em que nos encontramos em nossa relação metabólica com a natureza da qual fazemos parte. Um labirinto repleto de tragédias ambientais e guerras, mas não menos por uma concentração material na qual o 1% mais rico da população se locupleta de uma riqueza seis vezes maior do que a de 90% das pessoas do mundo. Um labirinto civilizacional no qual cerca de 46% das pessoas vivem sem acesso a saneamento básico e dois bilhões (23% da população mundial) não dispõem de aceso a água potável. Um labirinto onde os seres humanos não se reconhecem a si mesmos como semelhantes, como partes da natureza e tampouco como integrantes de uma única força capaz de transformar a natureza e a si mesmos nessa transformação. Um labirinto em que a apropriação privada da riqueza coletiva brutaliza, consome energia vital e afasta o ser humano de sua essência, ao matar na raiz a sua criatividade. Um labirinto onde o Minotauro da fome se alimenta do sacrifício de uma vida humana a cada quatro segundos, e onde os que conseguem sobreviver – e não mais do que isso – acreditam que as máquinas que aceleram a acumulação e a devastação ambiental são responsáveis pela riqueza produzida, mas não pela sucção de vida.

Para todos os efeitos, permito-me resgatar uma ideia do filósofo inglês Terry Eagleton, para quem a ideologia é igual a mau hálito – todos têm, mas só incomoda o alheio. Pois, somente com muito mau hálito, ou seja, com muita ideologia, é possível ver como a desenvolvida forma de sociedade humana um labirinto civilizacional que provoca tamanha aflição – ou drama.


Referências

DAILY H. Toward some operational principles of sustainable development, Ecological Economics, v.2, 1990, pp. 1-6.

EAGLETON, T. Ideologia: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2019

MARQUES, L. O decênio decisivo: proposta para uma política da sobrevivência. São Paulo: Elefante, 2023

JEZIORNY, D. L. “Metabolismo social e pandemias: alternativas ao vírus do crescimento autofágico” pp. 407-428 in Fressato, S. B. & Novoa, J. Soou ao alarme: a crise do capitalismo para além da pandemia. São Paulo: Perspectiva, 2020.

STEFFEN, Will; BROADGATE, Wendy; DEUTSCH, Lisa; GAFFNEY, Owen; LUDWIG, Cornelia. The Trajectory of the Anthropocene: the Great Acceleration. In: The Anthropocene Review, jan. 2014.

Leia: Interesses de classe geram fissuras na direita brasileira https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/05/extrema-direita-fissurada.html