Quando dezembro
passar
Luciano Siqueira
Dessas conversas que a gente ouve no elevador quase sem querer, no breve transcurso da garagem ao sétimo andar da Prefeitura:
- Ah! Dezembro é o mês que mais
gosto.
- Pra mim é horrível.
- Por que, menina?
- Porque é só tristeza.
- Tristeza!? Diga isso não, que
coisa! É Natal, minha filha, a gente sonha com todas as coisas boas que deseja
pro ano que vem.
- Esse é o meu problema. Já não tenho
mais com que sonhar.
Deu apenas para ver de relance que a
pessimista tinha feições joviais, bonita nos seus prováveis quarenta anos, mas
de olhar triste. A outra, entre vinte e vinte e cinco anos, irradiando
entusiasmo. A porta do elevador se abriu para nossos afazeres, o diálogo entre
as duas findou partido.
Entre um despacho e outro, e durante
a primeira reunião do dia, aquelas palavras não saíram da mente, recorrentes:
“Já não tenho mais com que sonhar”.
Como se pode renunciar aos desejos
mais caros, assim tão jovem? Que sonhos terão se frustrado na curta vida
daquela criatura? Será um momento, ou uma definitiva sentença de morte em vida?
Por que tamanha infelicidade? Que será para ela, afinal, a felicidade?
Em meio a uma inquietude solidária e
um vago desejo de reencontrá-la para, quem sabe, uma palavra de apoio e
estímulo, a resposta parece surgir no belo poema A felicidade de
Adalberto Monteiro:
E não dura uma tarde.
A felicidade às vezes está à nossa
volta
E à procura dela,
Saímos pelo mundo dando voltas.
A felicidade talvez nem exista,
Talvez seja somente,
O nome de uma menina, de uma cidade.
A felicidade
É um trem que a gente espera, espera,
Ela atrasa, às vezes ela vem,
Às vezes nunca vem.
Não, moça triste, jamais renuncie ao
sagrado ato de sonhar, nem condene todas as esperanças ao doloroso fracasso de
um sonho. Quando esse seu melancólico dezembro passar, você verá que “a
felicidade às vezes está à nossa volta”, como diz o poeta. E é preciso vivê-la.
.
[Crônica publicada aqui no blog em 24
de novembro de 2014]
Ilustração: Francine Van Hove
Leia: "As grades e os sonhos" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/palavra-de-poeta-alberto-vinicius.html
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