31 dezembro 2024

Palavra de poeta: Adalberto Monteiro

Boas festas
Adalberto Monteiro    

Ano Novo, quanto o povo trabalhou
prá que nascesses assim,
uma manhã azul e um sol vermelho
de linda aurora.
Ano Novo, mas o operário
que fabricou o trator, que arou
a terra em que foste cultivado;
o lavrador que te protegeu das ervas daninhas
e das pragas
e todo o povo que por ti luta e lutava,
não têm direito ao tecido azul de tua manhã,
nem ao calor de teu rubro sol.
Ano Novo, mas por que mesmo assim,
a alegria nos invade a face
diante dos teus primeiros raios?
Porque nos uniremos e lutaremos mais e mais
à conquista de um mundo novo
onde todos tenham direito
aos pães quentes de tua aurora!
Boas Festas!


Sylvio: perspectivas

Ao final de 2024 respiramos um clima saudável no Brasil. A democracia agredida reagiu, repelindo as tentativas de golpe e se fortalecendo. Na economia e no campo social, os dados são bastante positivos como resultado da ação do governo federal. Resta aguardar que, no ano que se inicia, seja feita justiça com a punição daqueles que atentaram contra o Estado de direito, ao mesmo tempo em que continuará melhorando a vida de nosso povo.

Sylvio Belém

Mercado financeiro contra o Brasil

Nota sobre o ataque especulativo
disparada do dólar é um ataque especulativo do mais poderoso dos atores políticos do Brasil, o partido do mercado, cujo objetivo é impedir que o atual governo venha a haurir qualquer reconhecimento pelo excelente momento da economia
João Carlos Brum Torres/A Terra é Redonda  


Havia afirmado o propósito seguinte: não vou mais incomodar os leitores e os amigos com comentários sobre os impasses econômicos do Brasil. Voltei atrás, porém, ao ver a página de economia do jornal Zero Hora do dia 18 de dezembro de 2024, na qual se encontra não só a entrevista em que o professor Marcelo Portugal tem destacadamente registrada a opinião de que 2025 vai repetir o desastre de 2014, funesto resultado este que “decorre das incertezas acentuadas pelo insuficiente pacote fiscal do governo”, mas também os oportunos e precisos comentários do senhor Alex Agostini, “economista chefe da Austin Rating”.

Alex Agostini teve a honestidade de dizer o seguinte: “como a alta do dólar está relacionada à ‘perda de credibilidade’ da política fiscal, não entram na conta do mercado fundamentos macroeconômicos para formação do preço do dólar. O Brasil tem boa solvência e boa capacidade de pagamento em moeda estrangeira. Mas o que pesa mais agora são fatores subjetivos de perda profunda de credibilidade, de confiança.”

Pois, muito bem, permitam-me, contudo, a filosofada de quem é professor de filosofia.

Se acordo de manhã e vejo uma réstia de sol, formo uma crença: amanheceu e o tempo é bom. No vocabulário da filosofia analítica contemporânea, isso se chama uma “atitude proposicional” de caráter epistêmico, quer dizer, de caráter estritamente cognitivo, cujo fundamento é o registro simplesmente perceptivo de que amanheceu e o dia é claro. Ora, fora de trabalhos científicos de caráter estritamente teórico, atitudes proposicionais epistêmicas raramente vêm sozinhas, o mais comum sendo suas ligações com atitudes proposicionais práticas, como, para ficar com meu exemplo, “hoje vai dar para caminhar no Parcão”.

O ponto que distingue o comentário do Sr. Alex Agostini é a honesta franqueza de dizer claramente que estamos diante de um fenômeno econômico desligado de fundamentos macroeconômicos, que estamos diante de uma atitude proposicional de caráter subjetivo, quer dizer: algo cuja base não só não é o registro simples do fato de que o déficit primário não será eliminado rapidamente, mas que é a antecipação de uma deterioração da situação econômico financeira do país para a qual contribuirá, exata e muito potentemente, essa mesma antecipação subjetiva da deterioração das contas públicas. O que é dizer que o mercado trabalha, querendo ou não, para fazer acontecer o desastre.

Mas cabe perguntar: a atitude proposicional prática de antecipar o resultado fiscal de 2025 como equivalente ao de 2014 resulta simplesmente do medo de uma quebra da capacidade de pagamento da dívida por parte do governo federal? Ou de que em futuro próximo posições em real só trarão prejuízos?

Se as atitudes proposicionais práticas de (i) forçar a elevação da taxa de juros mediante a auto provocada desancoragem das expectativas dos agentes econômicos e (ii) de comprar dólares em grande escala expressassem simplesmente o medo de perda financeira dos detentores de grandes aplicações, deveríamos reconhecer que ela seria moralmente inocente, porque afinal ter medo não é algo que se possa censurar, mesmo quando esse sentimento seja infundado, caso em que o que cabe fazer são ponderações de que não há razão para tanto temor.

Ocorre, porém, que nossas condutas práticas não se tornam subjetivamente enviesadas somente em função de nossas emoções, como no exemplo, o medo. Elas se tornam subjetivamente práticas também em função de (i) nossos interesses e de (ii) intenções associadas tanto a (II.i) defesa de tais interesses, quanto a “(II.ii) a promoção de nossos ideais, religiosos, morais ou políticos.

É evidente, no entanto, que, no caso da conjuntura político-econômica presente no Brasil, a movimentação do Mercado nestes dias está dirigida em parte a obter ganhos ou evitar perdas financeiras com a instabilidade de preço dos ativos e, por outra parte, com o propósito político de desestabilizar o governo. Essa ação não é a mera agregação atomizada de condutas individuais, mas é estruturada com os grandes investidores dando o rumo dos movimentos de compra e venda de ativos seja por meio do mecanismo indireto e do efeito demonstração da compra de dólares em grande escala, seja de modo explícito por meio de telefonemas, falas de corretores e assessores com seus clientes, os quais, aliás, conforme pesquisa recente, são quase unanimemente posicionados politicamente contra o governo Lula.

A esses mecanismos de ordenação serial, próprios da ação de agentes dispersos e que se encontram no ponto exato da passagem das condutas serializadas à ação concertada própria dos grupos, para valer-me aqui das precisas e preciosíssmas análises de Jean-Paul Sartre, agregam-se ainda as entrevistas dadas aos muitos jornalistas que cobrem as ações e reações do mundo financeiro, cujo destaque na mídia é enorme, como se constata nos jornais impressos e televisivos, assim como nas redes sociais.

Em resumo, estamos diante de uma crise política criada pelo antagonismo entre o governo que se comprometeu com um ajuste fiscal mais lento e cujos ônus sejam melhor distribuídos e forças sociais hegemônicas que querem um governo menor e que não tenha compromisso com a redução de desigualdades, nem preocupação com o desenvolvimento econômico do país, e para o qual 40 anos de mediocridade de crescimento e desenvolvimento social é indiferente, ou, pelo menos, algo que, deixando o mercado funcionar, acabará ocorrendo, cabendo aos que enquanto isso e desde sempre não vão bem, ter o quê? Paciência, ora bolas, e esforçar-se por si mesmos para vencer suas limitações e carências, não importa com que capital pessoal e social tenham ou deixem de ter.

A verdade é que a disparada do dólar é um ataque especulativo do mais poderoso dos atores políticos do Brasil, o partido do mercado, cujo objetivo é impedir que o atual governo venha a haurir qualquer reconhecimento pelo excelente momento da economia – crescimento do PIB, depois de anos, finalmente além de 3%, redução do desemprego, diminuição da pobreza e mesmo aumento na taxa de formação de capital fixo –dados todos que refletem o anseio da sociedade brasileira de voltar a ter um país economicamente dinâmico e capaz de fazer disso o vetor e o motor de nossa passagem a uma fase de maior confiança em nós mesmos, de compromisso com retirar o Brasil do campeonato da maior desigualdade econômica do mundo, e nos devolver a esperança de que nosso país venha estar à altura de suas potencialidades, à altura de si mesmo.

*João Carlos Brum Torres é professor aposentado de filosofia na UFRGS. Autor, entre outros livros, de Transcendentalismo e dialética (L&PM). 

Leia sobre as pressões do mercado financeiro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/editorial-do-vermelho_24.html

Minha opinião

Feliz Ano Novo em Santana do Ipanema
Luciano Siqueira*  

A essa altura da vida já dá rememorar muitas passagens de ano – dos inocentes tempos de criança às complexas e ricas experiências da idade adulta. Romper o ano tornou-se importante em todas as fases da vida – e invariavelmente emocionante, inesquecível. A primeira emoção de menino ao ver as pessoas se abraçarem saudando o Ano Novo e a vovó Neném, destoando de todos, chorando de saudade do Ano Velho que se ia para sempre. A indescritível sensação de estar fazendo História ao entoar, em coro improvisado, no pavilhão dos presos políticos em Itamaracá, o estribilho da Internacional: “Bem unidos façamos/dessa luta final/uma terra sem amos/a Internacional”

A mesma sensação experimentada pelo jovem casal de comunistas constrangido a viver a passagem de ano no porão de uma modesta casa de Santana do Ipanema, no sertão das Alagoas, à luz de lamparina, os olhos atentos às imensas baratas que nos causavam asco e o receio de que escorpiões aquartelados num monte de carvão e metralha nos atacassem a qualquer momento. É que havíamos sido condenados a permanecer naquele espaço exíguo e sujo por alguns dias, após sermos comunicados pela proprietária que a moradia alugada um mês antes, com a garantia de que no dia 30 de dezembro estaria desocupada, ainda acolhia a filha e o genro em vias de se transferirem para o Rio de Janeiro.

Havíamos trazido na carroceria de um caminhão, desde a estação ferroviária de Palmeira dos Índios, nossos poucos pertences e a mobília tosca e mínima. Não tínhamos para onde ir, nem dinheiro para nos alojarmos num hotel. Éramos vendedores ambulantes de confecções, apenas alguns trocados no bolso. Estávamos nos mudando de Maceió para Santana do Ipanema em função do plano estratégico do Partido para a região.

Como gostaríamos de estar naquele instante entre pessoas queridas, junto a familiares e a companheiros de luta, ou mesmo ao lado dos novos vizinhos que ainda não conhecêramos! Porém uma ponta sequer de tristeza nos acometeu, muito mais forte era a chama que nos nutria – e que cuidamos de atiçá-la no primeiro dia do ano, refletindo sobre o ocorrido enquanto passeávamos pela cidade de mãos dadas, falando de amor e revolução.

Mais tarde, após os duros anos de clandestinidade, da prisão e das torturas, e já com a presença de Neguinha e Tuca, a passagem de ano se tornou um ritual à beira-mar, poético e divertido, que repetimos todos os anos, onde não falta (que não se tome como sacrilégio) a oferta de flores a Iemanjá. Este ano, além de sobrinhos e genros, a novidade é o todo-poderoso Miguel, o primeiro neto, o olhar atento e o sorriso fácil de quem nasceu há pouco menos de três meses.

Vivemos tão intensamente o tempo presente e são tantos os planos para o futuro, quase não há como nos ocuparmos do que passou. Mas permanece marcante e carinhosa a lembrança daquela noite em Santana do Ipanema.

*Do meu livro “Como o lírio que brotou no telhado – outras crônicas selecionadas”, Editora Anita Garibaldi, 2006. Republicado na última quinta-feira em minha coluna no portal Vermelho www.vermelho.org.br 

Leia: "Nem tudo está sob controle" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_20.html 

Humor de resistência: Miguel Paiva

Miguel Paiva

Leia: 'Quando dezembro passar' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2014/11/uma-cronica-para-descontrair_28.html 

 

Uma crônica de Luis Fernando Verissimo

Crônica de Ano Novo
Luis Fernando Verissimo 


Existem muitas superstições sobre a melhor maneira de entrar o Ano-Novo. Na nossa casa, por exemplo, nunca falta um prato de lentilha para ser consumido nos primeiros minutos do ano que começa. Dá sorte. Ouvi dizer que na Espanha, ao soar da meia-noite, deve-se comer uma uva para cada badalada do relógio. Este costume chegou à Bulgária mas, por uma falha na tradução, lá se come um melão para cada batida do relógio, e os hospitais ficam cheios no dia 1º. Na Suíça, comem o relógio. 

Algumas crenças persistem através do tempo, desafiando toda lógica. Se o champanhe aberto à meia-noite não estourar e se tiver alguém na família chamado Edgar, é sinal de que a casa será arrasada por uma manada de elefantes e o champanhe está choco. Na Rússia, depois de brindarem o Ano-Novo com vodca, os convidados devem atirar suas taças contra a parede e depois ficar muito brabos porque não há mais copos na casa e atirar o anfitrião contra a parede. De qualquer maneira, a festa termina cedo.

Na Índia se a primeira criança que nascer no Ano-Novo tiver bigode, fumar de piteira e pedir para falar urgentemente com o Kofi Anan, é mau sinal. Na Polinésia, em certas tribos primitivas, o guerreiro mais audaz deve levar a virgem mais bonita até a boca do vulcão e atirá-la para a morte, como um sacrifício aos deuses. Mas a encosta do vulcão é comprida, os dois param para descansar um pouco e, quando chegam à boca do vulcão, estabelece-se o paradoxo: se o guerreiro era audaz, a moça não é mais virgem, se a moça ainda é virgem, o guerreiro não era audaz, e o sacrifício sempre fica para o ano que vem. Na Austrália, todos se atiram contra a parede.

Entrar o Ano-Novo de gravata-borboleta pode comprometer seriamente as relações entre o Oriente e o Ocidente. O primeiro animal que você encontrar na rua no Ano-Novo pode significar uma coisa. Cachorro é sorte. Gato é dinheiro. Rato é saúde. Um bando de hienas é azar, corra. Um cavalo roxo dançando o xaxado na calçada significa que você está bêbado. Vá dormir.

Em certos lugares, é costume derramar champanhe no decote da mulher ao seu lado, o que lhe trará, a longo prazo, bons negócios, e, a curto prazo, um tapa-olho. Se você estiver num réveillon junto com seu patrão, não esqueça de se colocar estrategicamente para ser o primeiro a abraçá-lo à meia-noite. Dance com a mulher dele. Insista para que ele dance com a sua. Proponha vários brindes. Pule em cima da mesa. Proponha mais brindes. Diga que agora você é quem vai dançar com o patrão e não quer nem saber. Acabe lhe dizendo algumas verdades. Proteste que ninguém precisa segurar você, você está sóbrio, entende? Sóbrio! Só não sabe como uma manada de elefantes roxos invadiu o salão, ou será que a mulher do patrão trouxe a família toda? No dia 1º você não se lembrará d e nada. No dia 2, você vai procurar outro emprego. Chato.

Outro costume é fazer previsões na véspera do Ano-Novo. Pode chover. Alguém, em algum lugar do Brasil, está dizendo: “Boas-entradas nada, eu quero saber onde fica a saída…” E a previsão mais fácil de todas…

– Qual é?

– Amanhã eu vou estar de ressaca!

Enfim, o Ano-Novo já está quase aí e, apesar de muita gente no Brasil telefonar para os parentes no Japão, onde o 2013 chegará mais cedo, querendo saber que tal o ano, como quem pergunta como é que está a água, ninguém sabe como ele será. Farei o possível para entrar nele com o pé direito, mas, quando perceber, ele é que terá entrado em mim, não dará para recuar.

Só sei uma coisa. Assim que o relógio terminar de bater a meia-noite, comerei meu prato de lentilha para dar sorte. Pedirei outro. E derramarei lentilha no colo, destruindo para sempre A) um bom par de calças e B) minha fé em qualquer tipo de superstição.

Leia: Chico de Assis, "Para além do presente" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/palavra-de-poeta-chico-de-assis_30.html

30 dezembro 2024

Palavra de poeta: Chico de Assis

PARA ALÉM DO PRESENTE
Chico de Assis   

O último dia do ano 
pode não ser o último do tempo
— como diz o poeta Drummond.
 
Mas pode ser esse inventário 
de cicatrizes distribuído 
entre deslizes desconhecidos. 
 
Ninguém me orientou 
para o pisar clandestino 
deste solo movediço. 
 
Nenhuma voz entoou
comigo o coro de lamentações 
tardiamente orquestradas.
 
Nenhum desejo plantou 
sementes que florescessem 
entre os canteiros da estrada. 
 
Estive só quase sempre. 
E de solidão ressequido 
atravesso os umbrais do tempo. 
 
Meu corpo ainda se recobre
com a pele macerada dos      prisioneiros
e carrega o peso das noites insones. 
 
Mas minha mente é luz. 
E eu ainda espero o poema
que  nos ilumine séculos afora. 
 
Acompanho o poeta Benedetti:
“Ainda há vida nos teus sonhos.
Cada dia é um novo  começo!”

[Ilustração: D. Barton]

Leia também: 'Quando dezembro passar' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2014/11/uma-cronica-para-descontrair_28.html  

Instituições esgarçadas

Xadrez de 2025 e as cinco bestas do apocalipse
2025 será decisivo para o renascimento institucional do país, depois do terremoto entre 2010 e 2022, período de desmonte das instituições
Luis Nassif/Jornal GGN    

2025 será um ano decisivo para o primeiro passo do renascimento institucional do país.

O Brasil passou pelo terremoto da década de 2010 – que começa com o jornalismo de esgoto, a partir de 2005, e encerra-se com a derrota de Jair Bolsonaro em 2022.

Nesse período ocorreu um desmonte geral das instituições, abrindo espaço para o aventureirismo mais deletério já enfrentado pelo país em período democrático – sob os auspícios do Supremo Tribunal Federal, indo à reboque do efeito manada provocado pela mídia.

Criou-se um vácuo político que passou a ser ocupado a cotoveladas pelas principais corporações brasileiras. 

Nesse período de trevas, pelo menos as seguintes instituições saíram dos trilhos:

  • Supremo Tribunal Federal, cooptado pela mídia com o uso recorrente do chicote e da cenoura e, como consequência, a Justiça. Especial destaque para a justiça federal, dentro do fenômeno Lava Jato, com juízes federais insurgindo-se contra a Constituição, como foi o caso Sérgio Moro, sendo avalizados pela participação escabrosa  do Tribunal Regional Federal da 4a Região, criando o estado de exceção para a Lava Jato. No seu rastro, houve a politização dos ministérios públicos estaduais, com muitos promotores montando acordos políticos com forças municipais, deixando o campo aberto para o avanço do crime organizado através das Organizações Sociais.
  • Militares das Forças Armadas e das Polícias Militares com atuação política, e empenhados claramente no movimento conspiratório de Bolsonaro-Braga Neto.
  • Câmara dos Deputados, dominada por uma organização chantagista, chefiada pelo deputado federal Arthur Lira.
  • mercado financeiro, dominado por um cartel de grandes fundos, impondo seus interesses e controlando totalmente dois preços fundamentais: o câmbio e os juros.

O Supremo Tribunal Federal

A reinstitucionalização passa por várias etapas.

Apesar de todas as concessões, o STF acordou a tempo e foi a primeira instituição a reagir ao  desmonte institucional, da qual ela foi agente ativo, pelo menos até a eleição de Bolsonaro. 

Um dia, Antônio Dias Toffoli e  Alexandre Moraes revelarão as razões que levaram à abertura do chamado Inquérito do Fim do Mundo. Na época, Toffoli me convidou para uma conversa em São Paulo, falou da urgência de se começar a investigar o que estava ocorrendo. Não deu maiores detalhes.

Mas ficou claro que já tinham identificado os preparativos de um futuro golpe de Estado a ser aplicado por Bolsonaro. O inquérito foi entregue a Alexandre Moraes, que se cercou de um conjunto de assessores de sua estreita confiança. Ali começou a ser preparada a resistência que, mais tarde, impediu a concretização do golpe e permitiu a apuração da conspiração bolsonarista-militar.

A astúcia e coragem pessoal de Moraes o absolvem de todos os erros anteriores – um dos quais foi ter aberto o governo Temer a militares com histórico de golpismo, como Sérgio Etchegoyen. Entrará para a história como peça central de defesa da democracia.

A partir de sua atuação, gradativamente o STF assumiu o papel de âncora central da reinstitucionalização, ajudando a enfrentar as cinco bestas do apocalipse da democracia.

Besta 1 – a desorganização da Justiça

O profundo processo de deterioração dos organismos judiciários – tribunais, Ministérios Públicos, Polícia Federal – depende fundamentalmente de quatro instituições, em geral bastante corporativistas:

  • Supremo Tribunal Federal
  • Conselho Nacional de Justiça
  • Conselho Nacional do Ministério Público
  • Procuradoria Geral da República.

STF já se recolocou.

Conselho Nacional de Justiça se redimiu, através do relatório do ex-corregedor Luiz Felipe Salomão, sobre os abusos da Lava Jato e do Tribunal Regional Federal da 4a Região.

A cumplicidade entre a Lava Jato, juízes federais e o Tribunal Federal Regional da 4a Região é um dos capítulos mais vergonhosos da história jurídica do país. O ápice foi a 8a Turma aumentando, de forma unânime (contrariando qualquer análise probabilística), as penas de Lula, para evitar a prescrição por idade.

Os responsáveis foram os desembargadores  João Pedro Gebran Neto (relator), Leandro Paulsen e Carlos Eduardo Thompson Flores. 

O segundo episódio foi a constituição de uma fundação, destinada a desviar dinheiro da Lava Jato.

Esse esquema começou a ser desmontado na gestão Augusto Aras, na Procuradoria Geral da República, mas, especialmente, pelo relatório da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, por Luiz Felipe Salomão.

Foi a recolocação do CNJ na restauração da institucionalidade.

A resistência a esse processo restaurador da justiça emperra em dois poderes.

Um, a Procuradoria Geral da República, especificamente o PGR Paulo Gonet; outra o Secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo. 

O PGR Gonet mantém engavetado o inquérito de Salomão – que acusa de peculato diretamente o ex-juiz Sérgio Moro, a juíza Gabriela Hardt e o ex-procurador Deltan Dallagnol -, e tem criado dificuldades para a apuração dos desvios do juiz Marcelo Bretas, o halterofilista acusado de cumplicidade com um advogado neófito, na operação no Rio de Janeiro.

O Secretário Sarrubbo, por sua vez, está empenhado em desmoralizar uma correição do Conselho Nacional do Ministério Público, que atingiu um promotor aliado.

O CNMP era visto,  até então,  como o mais corporativista das organizações do sistema judicial. Justo em uma área – as prefeituras – em que se amplia perigosamente a atuação do crime organizado e contra a qual os promotores estaduais deveriam estar na linha de frente.  

O órgão começou a se redimir em São João da Boa Vista, investigando a atuação de um promotor aliado da prefeita local, com contratos suspeitos nas áreas de lixo e saúde. São os dois setores preferenciais de atuação das organizações criminosas, segundo o promotor Lincoln Gakiya, que lidera o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de São Paulo.

A investigação sofreu interferência direta de Sarrubbo, responsável pela organização do combate ao crime organizado do Ministério da Justiça, interferindo nas investigações do CNMP, como testemunha de defesa do promotor e com ataques ao corregedor responsável pela correição original -mostrando que se valeu do inquérito para acerto de contas pessoal.

Como os promotores estaduais deveriam ser a linha de frente contra o avanço do PCC nas Organizações Sociais, a presença de Sarrubbo traz indagações concretas sobre qual seu grau de compromisso no combate efetivo às organizações criminosas. E como ficará sua situação política, se as investigações da PF baterem no promotor aliado.

Esse inquérito será fundamental para se avaliar até que ponto o CNMP – e o próprio Ministério da Justiça – estão à altura do grande desafio de colocar os MPs estaduais alinhados no combate ao crime organizado. 

Besta 2 – a conspiração militar

Graças ao papel decisivo de Alexandre Moraes, a prisão do general Braga Neto operou como um divisor de águas na história militar do país. Com um comandante legalista no Exército, com a Marinha expurgada do Almirante Almir Garnier, o comandante que apoiou o golpe tentado por Bolsonaro, com informações sobre a resistência do Alto Comando ao golpe – sejam quais foram seus motivos -, há condições objetivas de, pela primeira vez na história, as Forças Armadas cumprirem sua função institucional de defesa da pátria contra inimigos externos, deixando de lado a contaminação recente, estimulada pelo general Villas Boas.

Haverá a renovação do Alto Comando, permitindo a seleção de oficiais comprometidos com a democracia. Mas a profissionalização das Forças Armadas passa por reformas estruturais que estão longe de serem tentadas. E há um bom contingente de oficiais, de coronéis para baixo, de olho nas benesses conquistadas pelos militares que trocaram a dignidade da farda pela recompensa financeira de aderir ao bolsonarismo.

Será uma das principais frentes para a consolidação da re-institucionalização nacional.

Besta 3 – a conspiração das Polícias Militares

O empoderamento das Polícias Militares foi uma das principais armas articuladas pelo bolsonarismo. O motim de 2020, da PM de Fortaleza, a milicialização da PM paulista por Tarcísio-Derrite, o papel da PM do Distrito Federal no 8 de janeiro.

Seria conveniente uma leitura do livro “O Procurador”, de Luiz Costa Pinto, sobre a articulação dos procuradores gerais para evitar o golpe de Bolsonaro. Houve uma articulação discreta, através da qual os procuradores estaduais decretaram estado de emergência, obrigando as PMs a ficarem nos quartéis.

Hoje em dia, a violência de várias polícias estaduais revela apenas o nível de empoderamento do setor, com a perda da disciplina produzida pela politização de oficiais, pelos influenciadores digitais da própria PM.

Ponto central seria o controle a ser exercido pelos Ministérios Públicos estaduais. Daí a relevância do papel fiscalizador do CNMP e o desserviço prestado pelo Secretário Sarrubo.

Besta 4 – a conspiração do Centrão

No segundo ato político mais relevante do ano, o Ministro Flávio Dino, do STF, aplicou um xeque mate no Centrão, sem interferir nas prerrogativas da Câmara ou do Executivo. Exigiu apenas que fossem identificados os autores e os destinatários das emendas.

Lembra um pouco o que ocorreu em São Paulo, nos massacres de 2006. Eram assassinadas cerca de cem pessoas por dia. O massacre só cessou quando procuradores da República conversaram com o Conselho Regional de Medicina que convocou médicos para comparecem ao Instituto Médico Legal. O laudo do legista é o ponto de partida para qualquer inquérito ou denúncia. Imediatamente cessou o morticínio, embora até hoje o Secretário de Segurança da época, Saulo de Castro Abreu, não tenha sido judicialmente responsabilizado.

O CPF e o CGC nas emendas são o ponto de partida para a investigação policial. A decisão de Dino ocorre em um momento em que a Polícia Federal investiga emendas já liberadas, mostrando relações de deputados com o crime organizado.

Pode terminar a blindagem que até agora beneficiou Arthur Lira, em um período em que a vulnerabilidade institucional permitia a chantagem política. Os desdobramentos da decisão poderão desarticular a mais desmoralizante organização política que já atuou no Congresso Nacional.

Besta 5 – a conspiração do mercado

A última besta é o controle do mercado sobre dois preços básicos da economia: câmbio e juros.

Há duas formas de controle: o institucional, baseado no conjunto de regras definido pelo sistema de metas inflacionárias; e a atuação de um cartel, no câmbio e em juros.

Já começou o combate às duas formas de atuação.

Em relação ao cartel do câmbio, há denúncias formalizadas no CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) e na CVM (Conselho de Valores Mobiliários). São duas organizações capturadas pelo mercado. Mas, como envolve custos públicos – de carregamento da dívida – a AGU (Advocacia Geral da União) poderá acionar o TCU (Tribunal de Contas da União), a CGU (Conroladoria Geral da União) e até a Polícia Federal.

Um trabalho mais apurado seria possível com uma cooperação com a polícia do Reino Unido, que apurou nas manipulações do câmbio e da libor. A Procuradoria Geral da República poderia montar um grupo para estudar esses ângulos do crime financeiro. Seria uma maneira de se redimir do corporativismo que a contamina e. conferir um papel de destaque ao MPF.

A segunda frente é em relação às formas de fixação da taxa Selic. Há ações em andamento, com todo cuidado que o tema merece, sem histrionismo, sem ameaçar o mercado, apenas trazendo questões de constitucionalidade: a política monetária afeta emprego, nível de atividade, orçamento público. Sua definição não pode ser prerrogativa do mercado e do Banco Central – como é hoje, com o BC submetido aos movimentos especulativos do mercado. E trazer o mercado de volta ao seu papel legitimador: o de financiador do desenvolvimento.

Trata-se de um movimento inicial, mas relevante para começar a discussão de um novo tempo de cidadania, que acabe com os superpoderes de todos esses agentes, que se prevaleceram nas últimas décadas do enfraquecimento do poder Executivo.

Leia: 'A República no campo de batalha' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_72.html

Humor de resistência: Jota Camelo

 

Jota Camelo

Leia: "Mergulhar fundo para avançar na superfície" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html 

Minha opinião

Indispensáveis relações com o povo*
Luciano Siqueira   

Natural que se examine o último episódio eleitoral sob múltiplos aspectos, conforme os propósitos de cada corrente política em presença.

O PCdoB o aborda de modo abrangente, partindo do respingo dos resultados sobre o quadro de correlação de forças no conflito nacional.

Mas igualmente se olha ao espelho, identificando elementos a considerar na sequência da luta e no permanente esforço de auto-revigoramento politico-organizativo.

Desde o seu 10⁰ Congresso, os comunistas sublinham que sob condições adversas no mundo e no Brasil, de prolongado acúmulo de forças tendo em vista a contraofensiva futura, a atuação partidária na esfera institucional (parlamento nos três níveis federativos, governos e conselhos setoriais) assume importância maior do que antes; sem diminuir o empenho militante nas diversas instâncias da luta social. 

Bem sabemos que a busca do voto ocorre sob contingências, regras e instrumentos institucionais e financeiros absurdamente desiguais, favorecendo as grandes legendas.

Mais: parcela expressiva do eleitorado de extrato social mais vulnerável a cada pleito vem se contaminando pela "monetarização" do voto, quase em relação direta com o enfraquecimento dos sindicatos e demais entidades do movimento de massas.

Ou seja, fatores que conspiram contra a ação coletiva militante em busca do que se costuma chamar voto "da consciência e do afeto".

Esse dado das relações com o povo há de ser destaque na avaliação da campanha em toda parte, onde se obteve êxito e onde não se obteve.

Daí a absoluta necessidade de se retomar a diretriz do revigoramento partidário, valorizando a luta no campo das ideias, a ação militante coletiva e a "reinvenção" dos vínculos cotidianos com a classe trabalhadora e o povo.

*Texto publicada em minha coluna no portal vermelho www.vermelho.org.br

Leia também: O mundo cabe numa organização de base https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html

Minha opinião

À margem da realidade 
Luciano Siqueira 


Não vi ainda nenhum balanço preciso, mas certamente este terá sido um dos anos mais conturbados em matéria de conflitos de grande e médio porte mundo afora. 

Também um ano em que a falência dos organismos multilaterais veio à tona com muita força. 

A começar pela própria ONU. 

Quase que diariamente, o bem intencionado Antônio Guterres, secretário geral, lança apelos públicos em favor da redução de conflitos e pela paz. 

Uma espécie de inócua exortação "aos homens de boa vontade", sem qualquer consequência. 

O presidente Lula tem reiterado em fóruns internacionais a necessidade de reforma da própria ONU, a partir do conselho de segurança hoje absolutamente superado e inócuo. 

A diplomacia se vê enfraquecida pela crueza da crise do sistema capitalista dominante, expressa pelo uso indiscriminado me dá força bruta. 

As armas se sobrepõem aos argumentos e ao bom senso.

Arte é vida: Manabu Mabe

 

Manabu Mabe

Leia: Terror e escárnio em Israel https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/crueldade-sionista.html

Minha opinião

Especialista em quê mesmo? 

Luciano Siqueira  

Dessas notícias que a gente lê no modorrento período de fim de ano, quando não sabe se deve se ocupar com coisa séria ou se deixar distrair com o que der e vier...

Segundo a revista digital Psyche, Kiki Feeling, dito especialista em "teoria comportamental dialética" (arre!), criou uma fórmula assimilável passo a passo para que nós outros simples viventes possamos ter uma "vida que vale a pena viver".

Isto de acordo com as paixões e desejos de cada um. 

Para mim a notícia vai até aí. Ponto. Nada mais li, nem vou ler.

Juro que sou um cidadão sem preconceitos e nem tenho mais idade para adquiri-los. Nesse caso é desconfiança mesmo. 

Como alguém pode se auto intitular especialista em ensinar os outros a viver!?

Pior: já vi casos assim em que o dito (ou dita) especialista na verdade, em sua própria vida pessoal, anda mergulhado em frustrações e angústias. 

São tantas as variáveis que incidem sobre a existência humana, incluindo a situação socioeconômica de cada um, que custa a crer que alguém algum dia possa se arvorar em deter a fórmula do bem viver, mesmo com a ajuda da inteligência artificial e o cruzamento algorítmico de milhões de dados.

E se me perguntassem se arriscaria uma sugestão acerca do fio condutor que nos leva a uma existência feliz, sinceramente, eu diria que é a descoberta de que a Humanidade tem jeito e nos cabe contribuir cada um a seu modo e conforme o rumo do agrupamento humano a que pertence dividir suas aspirações estritamente pessoais com a dedicação à luta pela superação de toda forma de exploração e de subjugação do ser humano. 

"Ideologia. Preciso de uma para viver", já cantava Cazuza.

Nisso acredito.

Leia: "Quando dezembro passar" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_29.html 

29 dezembro 2024

Palavra de poeta: António Cícero

Canção da alma caiada
António Cícero  

Aprendi desde criança
que é melhor me calar
e dançar conforme a dança
do que jamais ousar
 
mas às vezes pressinto
que não me enquadro na lei:
minto sobre o que sinto
e esqueço tudo o que sei.
 
Só comigo ouso lutar:
sem me poder vencer,
tento afogar no mar
o fogo em que quero arder.
 
De dia caio minh’alma.
Só à noite caio em mim:
por isso me falta calma
e vivo inquieto assim.

Miguel Paiva

 

Miguel Paiva

Leia: 'A República no campo de batalha' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_72.html 

Postei no X

Ao longo da vida, somos muitos para sermos o que individualmente somos. Não se trata de personalidades díspares, mas de vivências que completam sucessivamente a nossa individualidade reconhecida ano a ano. 

Leia sobre o realismo fantástico https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/05/realismo-fantastico.html  

Sylvio: duas medidas

Quando, durante seu governo, o IBGE informou que a taxa de desemprego chegou a 13%, Bolsonaro não disse nada, apenas engoliu. Agora, quando o mesmo IBGE diz que a taxa de desemprego caíu para 6,1%, a menor da série histórica, o inelegível diz que é mentira. 

Sylvio Belém 

Editorial do 'Vermelho'

Os êxitos do governo Lula em 2024 e os grandes desafios para 2025
É preciso reforçar o papel da frente ampla, por mais democracia, mais desenvolvimento e por mais direitos, como fator determinante para a governabilidade num cenário de fortes adversidades internas e externas.
Editorial do 'Vermelho'


O segundo ano do governo presidente Luiz Inácio Lula da Silva resume os desafios para a reconstrução do país. As eleições municipais em outubro mostraram a força da direita e da centro-direita e a esquerda em processo de retomada de seu espaço eleitoral nas cidades. A ofensiva da oligarquia financeira, ainda em curso, por juros altos e para abocanhar parcelas crescentes do Orçamento Federal, revela com nitidez quem é o adversário principal da reconstrução do país. A resultante que emerge como diretriz política da metade do mandato do presidente Lula é reforçar o papel da frente ampla, por mais democracia, mais desenvolvimento e por mais direitos, como fator determinante para a governabilidade num cenário de fortes adversidades, internas e externas.

No âmbito internacional, a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos representa o maior obstáculo para a política externa brasileira, evento que projeta aumento da instabilidade e da conturbação internacional, num mundo pontuado por guerras imperialistas. Representa também estímulo à extrema-direita e protecionismos econômicos, conforme prometido por Trump, com sérias consequências para países em desenvolvimento, como o Brasil.

Internamente, o país passou por muitas lutas, o governo empreendeu enormes esforços e obteve êxitos relativos. A proposta de desenvolvimento nacional com geração de emprego, renda e direitos para o povo obteve conquistas como redução significativa do desemprego, da pobreza e da miséria, além do crescimento da economia superior a 3%. Externamente, o país recuperou sua imagem, transformado em pária internacional pelo governo de Jair Bolsonaro.

São resultados que ganham ainda mais relevância quando se leva em conta a situação deixada pelo período pós-golpe, de 2016 a 2022. A mais destacada conquista deste ano é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que, segundo o Relatório de inflação do Banco Central, deve chegar em 3,5%, resultado da expansão dos programas sociais, da renda e do emprego.

Conta também, os frutos do programa Nova Indústria Brasil (NIB), definido pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin. como implementação de “uma indústria inovadora, digitalizada e com alta complexidade”.

A ministra Luciana Santos, da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – também presidenta do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – informa que foram alocados investimentos em dez programas, decididos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), para fortalecer a ciência brasileira. As ações sincrônicas realizadas MDIC e o MCTI têm se demonstrado estratégicas à reindustrialização do país em novas bases tecnológicas.

No saldo positivo da balança comercial, pesou a abertura de novos mercados no exterior e a atração de investimentos – sobretudo pelo esforço do presidente Lula em visitas oficiais e em reuniões de fóruns multilaterais, como o G20 e o BRICS –, que também contribuíram para o êxito da economia. De acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), para 2025 a previsão é de aumento de 5,7% nas exportações na comparação com 2024.

Na política externa, o Brasil também reafirmou sua soberania, demostrando que readquiriu respeito como ator importante, a exemplo do seu papel na presidência do G20, que se encerrou com os êxitos significativos da Cúpula realizada no Rio de Janeiro em novembro. Os acordos entre Brasil e China, assinados pelos presidentes Lula e Xi Jinping, foram mais uma demonstração de avanços. A visita do presidente chinês, a mais importante do atual governo, foi preparada com bastante antecedência e adquiriu status de grande importância pelos dois países, que elevaram suas parcerias a um novo patamar.

Outro momento de altivez do Brasil foi a conduta correta e corajosa do presidente Lula em relação ao que ele classificou como genocídio do Estado de Israel, com apoio do governo dos Estados Unidos, advogando a paz e pedindo cessar-fogo. Também na Cúpula do BRICS, a posição soberana do país esteve presente, com destaque para a criação de alternativas ao dólar nas transações comerciais e nos investimentos.

É preciso ressaltar, entretanto, negativamente, a posição do governo brasileiro em relação à Venezuela, no seu processo eleitoral e na Cúpula do BRICS, como ponto destoante da política externa, posto que se conflitou com uma pilastra da diplomacia brasileira de respeito à autodeterminação dos povos e a soberania dos países.

Os êxitos foram obtidos em duros embates, enfrentando a situação deixada em 2022, com o Estado nacional severamente atacado, um desmonte que chegou à inaceitável “independência” do Banco Central, instrumento de captura do Orçamento Público e da política econômica do país pelo mercado financeiro.

Seu presidente, Roberto Campos Neto, nomeado pelas oligarquias financeiras, atuou o tempo todo para manter sempre os juros nas alturas e fazer pregação, em sintonia com mercado financeiro, da fictícia “crise fiscal” e do falacioso descontrole inflacionário, prática chantagem e sabotagem à política de desenvolvimento nacional com inclusão social. A finalidade era auferir lucros e desestabilizar o governo, abortando o crescimento como condição para debilitar a esquerda nas eleições de 2026.

Com essa prática, o governo teve de engolir um pacote de corte de gastos – em plena convalescência de Lula, após sua cirurgia –, que atinge os trabalhadores e mantém injustiças como supersalários e emendas parlamentares secretas. A ofensiva tende a se acirrar em 2025, com a preferência popular por Lula nas eleições presidenciais de 2026, manifestada na recente pesquisa Genial/Quaest,

São dados que prenunciam grandes embates em 2025, em especial na defesa da democracia. A ofensiva conservadora não vai arrefecer, realidade que exige o fortalecimento da frente ampla, com mais consistência e um núcleo político que espelhe o projeto do governo com influência no Congresso Nacional. Demanda também mais unidade da esquerda e do conjunto das forças progressistas, e ampla mobilização popular, organizada em torno de uma plataforma que contemple direitos e defesa da democracia.

Um dos pontos principais dessa agenda será o desdobramento do inquérito da Polícia Federal, com farta documentação comprobatória sobre crimes do bolsonarismo, presente em todo o seu mandato, que chegou ao barbarismo do planejamento de assassinatos de autoridades, entre elas o presidente Lula. O julgamento da cúpula golpista, encabeçada pelo ex-presidente da extrema-direita, precisa ser rigoroso, com a aplicação das penas previstas no Estado Democrático de Direito.

Outro grande embate se dará no âmbito da economia. O desafio é romper o cerco da oligarquia financeira, que busca aprisionar governo na lógica de permanente corte de gastos e espiral de juros, inviabilizando os investimentos e o crescimento econômico, além de arrochar – e mesmo suprimir – programas sociais, provocando estagnação e, no limite, recessão.

Na prática, o grande confronto de 2026, definidor se o país seguirá avançando ou retroagirá à tragédia da extrema-direita e da direita, já começou e o ano 2025 será decisivo à uma nova vitória das amplas forças sociais, políticas, econômicas e culturais lideradas pelo presidente Lula.

Leia: 'A República no campo de batalha' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_72.html 

Minha opinião

Quando dezembro passar
Luciano Siqueira  


Dessas conversas que a gente ouve no elevador quase sem querer, no breve transcurso da garagem ao sétimo andar da Prefeitura:

- Ah! Dezembro é o mês que mais gosto.

- Pra mim é horrível.

- Por que, menina?

- Porque é só tristeza.

- Tristeza!? Diga isso não, que coisa! É Natal, minha filha, a gente sonha com todas as coisas boas que deseja pro ano que vem.

- Esse é o meu problema. Já não tenho mais com que sonhar.

Deu apenas para ver de relance que a pessimista tinha feições joviais, bonita nos seus prováveis quarenta anos, mas de olhar triste. A outra, entre vinte e vinte e cinco anos, irradiando entusiasmo. A porta do elevador se abriu para nossos afazeres, o diálogo entre as duas findou partido.

Entre um despacho e outro, e durante a primeira reunião do dia, aquelas palavras não saíram da mente, recorrentes: “Já não tenho mais com que sonhar”.

Como se pode renunciar aos desejos mais caros, assim tão jovem? Que sonhos terão se frustrado na curta vida daquela criatura? Será um momento, ou uma definitiva sentença de morte em vida? Por que tamanha infelicidade? Que será para ela, afinal, a felicidade?

Em meio a uma inquietude solidária e um vago desejo de reencontrá-la para, quem sabe, uma palavra de apoio e estímulo, a resposta parece surgir no belo poema A felicidade de Adalberto Monteiro:

E não dura uma tarde.

A felicidade às vezes está à nossa volta
E à procura dela,
Saímos pelo mundo dando voltas.

A felicidade talvez nem exista,
Talvez seja somente,
O nome de uma menina, de uma cidade.

A felicidade
É um trem que a gente espera, espera,
Ela atrasa, às vezes ela vem,
Às vezes nunca vem.

Não, moça triste, jamais renuncie ao sagrado ato de sonhar, nem condene todas as esperanças ao doloroso fracasso de um sonho. Quando esse seu melancólico dezembro passar, você verá que “a felicidade às vezes está à nossa volta”, como diz o poeta. E é preciso vivê-la.

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[Crônica publicada aqui no blog em 24 de novembro de 2014]

Ilustração: Francine Van Hove

Leia: "As grades e os sonhos" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/palavra-de-poeta-alberto-vinicius.html