22 novembro 2024

Palavra de poeta: Deborah Brennand

Sem preconceito
Deborah Brennand     

Senta no primeiro degrau
o mais baixo, todo esmagado,
onde a pedra se une à terra
sem preconceitos.

Ambas têm veios negros.

E sê atenta aos sinais
a alma é muda. Mas,
o coração entende
e traduz bem

o que ela diz calada.

Escuta e sê atenta
lodo e escorpiões
juntos nas frestas
fingem amorosa inocência.

Sem preconceito, são inocentes?

[Ilustração: Arshile Gorki]

Leia sobre o mundo interplanetário https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/09/vida-milhoes-de-anos-luz.html

21 novembro 2024

Postei no X

Desde 2009, a China passou a ser o maior parceiro comercial do Brasil. Só este ano as transações comerciais entre os dois países atingiu 122 bilhões de dólares, 5% a mais do que no ano passado. 

Leia: Brasil+China: cooperação mútua https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/brasilchina-cooperacao-mutua.html

Crueldade sionista

Terror e escárnio em Israel
“Será vingança de sangue”, diz um soldado, num funeral. Outro bloqueia a porta de uma casa em chamas, para que não escape ninguém. Na TV, apresentador detona, ao vivo, bombas em área povoada. Quanto mais cruel, mais o sionismo se perde
Sebastian Ben-Daniel, no Middle East Eye | Tradução: Glauco Faria/Outras Palavras 
 

Alguém “normal”, na definição do dicionário, é um sujeito comum, racional: não anormal. Os relatos sobre o funeral do soldado Shuva’el Ben-Natan me parecem anormais.

Ao elogiá-lo, seu irmão disse: “Queremos vingança! Vocês entraram em Gaza para se vingar do maior número possível de pessoas, mulheres, crianças, qualquer pessoa que vissem, o maior número possível, era isso que vocês queriam. E neste dia, um ano depois daquele dia de Simchat Torá, pensando que massacraríamos o inimigo, massacraríamos todos eles, os expulsaríamos de nossa terra aqui… Todo o povo de Israel terá o direito de se vingar de sua morte, vingança de sangue, não vingança por queimar casas, não vingança por queimar árvores, não vingança por queimar carros, mas vingança pelo sangue derramado dos servos [de Deus]”.

Em seguida, um de seus colegas soldados acrescentou: “Você era o mais feliz, o mais otimista e o mais bobo da unidade. Vimos isso pela primeira vez em Gaza, quando você incendiou uma casa sem permissão, movido pelo astral”.

Seu amigo Shlomi concluiu: “Prometo a você que entraremos no Líbano novamente, em Gaza e em todos os vilarejos de Samaria, e nos vingaremos, lutaremos até o fim e não pararemos. Quando você estava em Gaza, eles o chamavam de ‘Shuvi, o Madlik’ [madlik em hebraico significa incendiário mas também, na gíria, um cara legal] porque quando você saía de uma casa, colocava fogo nela. E nós vamos queimar – o que vamos queimar? Shubik, o que vamos queimar? Que eles comecem a sentir medo! Até que a redenção chegue – lutaremos até o Monte do Templo!”

Toda a mídia comercial israelense que cobriu o funeral cortou esses momentos. Em um longo artigo no noticiário noturno Ulpan Shishi de de sexta-feira, Ruti Shiloni relatou apenas os elogios que não incluíam confissões de crimes de guerra. Evidentemente, esse último não lhe pareceu incomum ou digno de notícia.

As reportagens subsequentes abordaram a mídia cooptada no Irã e os jornalistas da Al Jazeera suspeitos de serem combatentes do Hamas. Em certo momento, o apresentador de TV Danny Kushmaro detonou, durante um programa, os explosivos que arrasaram uma casa.

Quando estava de licença do exército, há exatamente um ano, Shuva’el Ben-Natan atirou e matou Bilal Saleh, 40 anos, enquanto este colhia azeitonas perto de sua casa. Saleh estava desarmado e não representava ameaça mortal a ninguém, mas Ben-Natan o matou a tiros.

Em outubro do ano passado, esse foi o modus operandi de muitos colonos da Cisjordânia, que aproveitaram o massacre de 7 de outubro para atormentar os palestinos durante a colheita da azeitona. O chefe do conselho regional de Samaria, Yossi Dagan, apressou-se em declarar naquele sábado que nada havia acontecido. Dagan é um colaborador próximo do pai de Ben-Natan, que dirige a Yeshiva Rechelim, de onde vieram os assassinos de Aisha a-Rabi.

Em seu discurso fúnebre, o amigo do jovem Ben-Natan viu esta história de forma diferente: “Eu tinha muita admiração por você. Havia malditos militantes lá, terroristas, que o maldito exército… permitiu que se aproximassem dos assentamentos. Você atira, fala, os expulsa… Eles [as autoridades] nem sequer interrogaram os árabes”.

Embora o caso permaneça em aberto, e ainda que Ben-Natan tenha dito a pessoas próximas que queria assassinar mulheres e crianças, ele foi posteriormente enviado para lutar em Gaza. Para deixar os rapazes da reserva felizes, ele incendiou uma casa – provavelmente o fez mais de uma vez, daí o apelido Shuvi, o incendiário.

Ninguém que presenciou esse fato achou que era um problema; pelo contrário, Ben-Natan era normal e bem-quisto. O exército evidentemente também pensava assim, pois depois de Gaza ele foi enviado para o Líbano. A trágica coincidência, de seu ponto de vista, é que se não tivesse recebido imunidade por ter matado Bilal Saleh, ele provavelmente estaria vivo hoje. Preso, mas vivo.

Se as coisas ditas no funeral tivessem sido escritas em um esquete satírico sobre um grupo religioso, elas seriam consideradas antissemitas. Mas para as pessoas que estavam no funeral, entre elas um ministro do governo que propôs jogar uma bomba atômica em Gaza, os elogios soaram perfeitamente normais. O mesmo vale para os amigos do soldado e para os oficiais da IDF presentes. Não apenas normais, mas motivos de orgulho, notáveis em seu obituário e na forma como Ben-Natan deveria ser lembrado: como o soldado determinado a assassinar mulheres e crianças — quanto mais, melhor — um cara que se divertia queimando casas.

No exército israelense de hoje, quantos Shuva’el Ben-Natan existem determinados a se vingar e a assassinar crianças – especificamente, agora, em Gaza?

De acordo com investigações recentes realizadas por importantes jornalistas estrangeiros, são muitos. Foram acumuladas inúmeras evidências de crianças baleadas na cabeça e no peito. Em Israel, é claro, isso é recebido com as alegações de sempre: não aconteceu, é notícia falsa. E se aconteceu, não foi intencional. Ou se foi intencional, o soldado era uma maçã podre, por que generalizar? E, de qualquer forma, não há inocentes em Gaza, e o culpado é o Hamas.

Mas não são maçãs podres, nem tolos. Um soldado judeu israelense muito observador, em um pogrom no vilarejo de Um Safa, incendiou uma casa com uma família dentro, apoiando uma cadeira contra a porta para garantir que a mãe e seus filhos fossem queimados vivos. Ele está em Gaza neste momento?

Aviad Frija confirma com orgulho para a mídia que ele de fato matou uma pessoa que havia largado sua arma (infelizmente, descobriu-se que a vítima era judia). Ele acabará servindo no Líbano devido à escassez de soldados de combate?

Três soldados da Brigada Kfir matam a tiros uma criança em um carro e são absolvidos porque as armas não foram testadas. Um oficial atira em uma ponte na estrada 443. Um soldado atira em um bebê em um vilarejo na Cisjordânia porque viu os faróis de um carro. O “procedimento do mosquito” força os civis de Gaza a se tornarem escudos humanos para os soldados que vasculham os túneis do Hamas, porque as vidas dos habitantes de Gaza valem menos do que uma bateria de drones. Oficiais sionistas religiosos pedem a destruição de vilarejos e a fome de civis e depois se ofendem, quando são chamados de “comedores de morte”.

Alguém ainda acha que a matança em Gaza não se deve, pelo menos em parte, à mesma sede de vingança que animou os elogios no funeral de Shuva’el Ben-Natan?

Desde outubro passado, muitos colonos foram recrutados para as unidades locais de defesa civil e receberam armas dos militares. Vestindo uniformes ou portando armas do exército israelense, esses colonos cometeram inúmeros ataques com motivação ideológica contra residentes palestinos nos territórios ocupados. A polícia não investiga, porque os suspeitos são “soldados”. O exército também não investiga, porque esses incidentes “não são uma atividade militar”. E a violência continua, enquanto a fiscalização fica entre as brechas.

Na sexta-feira, um foguete do Hezbollah matou dois civis no vilarejo de Majd al-Krum, uma comunidade árabe. Nos comentários sobre as reportagens da mídia, os leitores elogiaram o míssil que matou os moradores que tiveram o azar de ser árabes, e essa resposta se tornou a norma. Comentando abertamente, usando seus nomes completos, os leitores declararam que “duas pessoas [morreram] – isso não é nada”, “não está claro por que a postagem é tão triste”, e muito mais na mesma linha.

É claro que se uma professora árabe tivesse escrito algo remotamente parecido nas mídias sociais, ela teria sido presa e vendada. Os árabes que, em funerais, pediram explicitamente o assassinato foram tratados sumariamente como homens-bomba.

Mas no Israel de hoje, os ministros pedem sem hesitação a limpeza étnica, as pessoas comemoram a morte na internet, os soldados queimam casas e seus amigos se divertem, e um público inteiro prefere abandonar os reféns à tortura desde que consigam um pedaço de terra em Gaza para si.

Dos casamentos de ódio de uma década atrás, agora passamos aos funerais de ódio – e não há o menor indício de investigação, o que talvez sugira que algo incomum possa estar acontecendo. Talvez os terroristas judeus sejam de fato os normais aqui, e as poucas pessoas que estão chocadas sejam as loucas.

*Este é um artigo de Sebastian Ben-Daniel, um acadêmico e escritor israelense frequentemente conhecido como John Brown. Ele foi publicado originalmente na edição em hebraico do Haaretz e foi traduzido pelo Middle East Eye sem alterações editoriais. Ben-Daniel é professor de ciência da computação na Universidade Ben Gurion do Negev, em Israel, e contribui para a revista +972 e o Haaretz, entre outros.

[Foto: Usando colete a prova de balas e capacete, o apresentador israelense Danny Kushmaro senta-se sobre escombros em Gaza, instantes antes de detonar explosivos que destruíram um prédio de apartamentos]

Leia mais sobre o horror em Gaza https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/destruicao-em-gaza.html

Sylvio: trama golpista

A Polícia Federal conclui investigação de plano que previa golpe e tomada do poder, inclusive com o assassinato do presidente Lula, vice Alckmin e ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Como resultado foram presos militares envolvidos. Segundo a investigação a trama teria sido urdida na casa do general Braga Neto, candidato a vice de Bolsonaro e no palácio do Planalto. A gravidade dos fatos exige imediatas e prontas medidas, no sentido de que essa afronta contra a democracia seja repelida, com a condenação de todos envolvidos para tranquilidade da Nação.

Sylvio Belém 

Minha opinião

Envolvidos até o pescoço
Luciano Siqueira     

O noticiário é farto em detalhes acerca da trama golpista recém revelada, em que militares de alta patente por pouco não tentaram matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. 

Tudo como parte de golpe de Estado destinado a manter no poder o derrotado ex-presidente Jair Bolsonaro.

Chama a atenção o registro midiático de uma fala do general Mário Fernandes — um dos militares presos — em reunião ministerial coordenada pelo então presidente da República, em que a proposta clara e inequívoca de golpe é apresentada com a naturalidade de quem toma um copo d'água. 

Mais comprometedor do próprio ex-presidente não pode haver. 

Agora, nos desdobramentos será praticamente impossível contornar a situação já complicada de Bolsonaro e do general Braga Neto, na casa de quem os implicados teriam se reunido para planejar a ação, e que foi candidato a vice-presidente no último pleito.

Ásperos tempos em que se mantém a frágil e contraditória democracia brasileira a muito custo.

Leia: Ex-presidente acuado https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/ex-presidente-nas-cordas.html

20 novembro 2024

Palavra de poeta: Cida Pedrosa

lágrimas azuis
Cida Pedrosa    

quis esquecer a mulher que sou 
que enfeitiça a noite 
e cala o dia 
quando teus olhos azuis 
marejados de mar 
feriram a punhal minha tarde.

quis esconder de ti 
minha mochila de sonhos 
onde guarda a velha saia 
bordada de girândolas
quando teus olhos azuis 
cheios de orvalho 
vieram como lâmina 
a fustigar-me a calma.

quis me guardar de ti 
beber tua dor 
sangrar em mim 
ensandescer de amor 
quando os teus olhos azuis 
azuis e nus 
foram faca ferina 
a encharcar-me a alma.

[Ilustração: Alexandr Ilichev]

Brasil+China: cooperação mútua

Em encontro histórico, Lula celebra 37 compromissos firmados com a China
Documentos foram assinados nesta quarta-feira (20) por autoridades dos dois países, durante visita do presidente da China, Xi Jinping, fortalecendo laços estratégicos por indústria, pequenas empresas e desenvolvimento sustentável
Cezar Xavier/Vermelho    

Na histórica visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil, realizada em 20 de novembro de 2024, os dois países reafirmaram o compromisso com uma parceria estratégica abrangente e anunciaram uma série de iniciativas para aprofundar a cooperação em diversas áreas. A agenda robusta incluiu 37 atos e memorandos de entendimento que visam promover o desenvolvimento conjunto em agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, ciência, tecnologia, cultura e sustentabilidade.

Lula celebrou o protagonismo da China como o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009. Em 2023, o comércio bilateral alcançou um recorde de US$ 157 bilhões, com o superávit brasileiro representando mais da metade do saldo comercial global do país. A relação se traduz em benefícios concretos, como a geração de empregos e renda em áreas como infraestrutura, energia e agronegócio.

O presidente ressaltou também o papel de empresas chinesas em projetos estratégicos no Brasil, como a construção de usinas hidrelétricas e ferrovias, enquanto empresas brasileiras, como WEG, Suzano e Randon, expandem suas operações na China.

Outro destaque foi o anúncio de um investimento de US$ 80 milhões pela BRF em uma fábrica de processamento de carnes na província de Henan, refletindo o fortalecimento do intercâmbio econômico.

Declaração do presidente da China

O presidente da China, por sua vez, afirmou que a relação entre os dois países vive o seu melhor momento na história.”Mantive uma reunião cordial, amistosa e frutífera com o presidente Lula. Fizemos uma retrospectiva do relacionamento da China com o Brasil ao longo dos últimos 50 anos. Coincidimos que este relacionamento está no melhor momento da história. Possui uma projeção global estratégica e de longo prazo cada vez mais destacada. E estabeleceu um exemplo para avançarem juntos com solidariedade e cooperação, entre os grandes países em desenvolvimento”, afirmou Xi Jinping em declaração à imprensa. 

Xi Jinping também destacou como exemplo o fato de Brasil e China serem os dois maiores países em desenvolvimento de duas regiões e ocuparem um lugar de protagonismo das aspirações dos países do chamado Sul Global – termo geopolítico que designa nações pobres ou em situações socioeconômicas similares, especialmente da América Latina, África e Ásia.  

“China e Brasil devem assumir proativamente a grande responsabilidade histórica de salvaguardar os interesses comuns dos países do Sul Global e de promover uma ordem internacional mais justa e equitativa”, disse o presidente chinês. Ele ainda defendeu aumentar a representação dos países em desenvolvimento na governança global. “É também nosso consenso que China e Brasil continuem estreitando a colaboração em fóruns multilaterais como Nações Unidas, G20 e Brics, enfrentando a fome e a pobreza”, acrescentou.

Para o presidente da China, o mundo está longe de ser tranquilo, “com várias regiões sofrendo guerras, conflitos, turbulência e insegurança”.

“A humanidade é uma comunidade de segurança indivisível. Só quando abraçarmos a visão de segurança comum, abrangente, cooperativa e sustentável, é que criaremos um caminho de segurança universal. Com relação à crise na Ucrânia, enfatizei diversas vezes que não existe solução simples para um assunto complexo. China e Brasil emitiram entendimentos comuns sobre uma resolução política para a crise na Ucrânia e criaram grupo de amigos da paz, sobre a crise na Ucrânia. Devemos reunir mais vozes que advogam a paz e procuram viabilizar uma solução política da crise na Ucrânia”, disse.

Sobre a guerra na Faixa de Gaza, invadida por Israel, o presidente chinês afirmou que a situação humanitária segue se deteriorando e cobrou maior empenho da comunidade internacional em uma ação imediata de cessar-fogo e assistência humanitária, bem como uma solução duradoura que, segundo ele, precisa assegura a existência de dois Estados.

Cooperação tecnológica e inovação

Lula lembrou, em sua declaração, os 40 anos do Projeto Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, um marco na parceria tecnológica entre os países. A visita de Xi Jinping reforçou a ambição de ampliar a cooperação em áreas como inteligência artificial, transição energética, economia digital e aeroespacial.

Entre os compromissos firmados, destacou-se o plano para integrar estratégias brasileiras, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano de Transformação Ecológica, à Iniciativa Cinturão e Rota chinesa. Duas forças-tarefa foram anunciadas para apresentar projetos prioritários em até dois meses, focando no desenvolvimento produtivo e sustentável.

Parceria pela paz e sustentabilidade global

No plano global, Lula e Xi reafirmaram a convergência de visões na busca por uma governança internacional mais democrática e sustentável. Ambos defenderam a reforma da ONU, a promoção da paz em contextos de conflito, como a guerra na Ucrânia, e o enfrentamento da fome e das mudanças climáticas.

A China foi uma parceira central na criação da Aliança Global contra a Fome, lançada pelo Brasil no G20, e demonstrou interesse pelo Fundo Florestas Tropicais para Sempre, uma iniciativa brasileira voltada à preservação ambiental.

Ações culturais e eventos futuros

Como parte dos acordos firmados, Lula anunciou o Ano Cultural Brasil-China para 2026, buscando estreitar os laços entre as sociedades. Xi Jinping também foi convidado a retornar ao Brasil em 2025 para a Cúpula do BRICS e a COP-30, reafirmando o papel central da parceria sino-brasileira na agenda global.

“Estou confiante de que a parceria que o presidente Xi e eu firmamos hoje excederá todas as expectativas e pavimentará o caminho para uma nova etapa do relacionamento bilateral”, concluiu Lula, destacando o pioneirismo e a ambição dessa aliança estratégica.

Principais destaques

Declaração conjunta e visão de futuro compartilhado

Os dois países assinaram a Declaração Conjunta sobre a Formação da Comunidade de Futuro Compartilhado China-Brasil por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável. O documento reafirma o compromisso com o multilateralismo, o fortalecimento da ordem internacional baseada no direito internacional e ações conjuntas para enfrentar desafios globais, como as mudanças climáticas e a desigualdade.

Integração econômica e sustentabilidade

Um dos acordos centrais foi o Plano de Cooperação que conecta iniciativas brasileiras, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano de Transformação Ecológica, à Iniciativa Cinturão e Rota, da China. Esse alinhamento busca fomentar investimentos em infraestrutura sustentável, energia limpa e industrialização verde.

Comércio e agricultura

A visita resultou em avanços significativos no setor agrícola, incluindo:

  • Exportação de novos produtos agrícolas: Uvas frescas de mesa, sorgo e gergelim poderão ser exportados para a China, seguindo protocolos fitossanitários acordados.
  • Importação de produtos do mar: Farinha de peixe e outros derivados de pescado brasileiros serão incluídos na pauta de exportações para a China.

Ciência, Tecnologia e Indústria

Diversos memorandos reforçaram a cooperação tecnológica, com destaque para:

  • Inteligência Artificial (IA): Criação de um laboratório conjunto em mecanização e IA para agricultura familiar.
  • Energia Nuclear e Fotovoltaica: Parcerias para aplicações pacíficas de tecnologia nuclear e expansão da indústria fotovoltaica.
  • Fonte de Luz Síncrotron: Ampliando o programa sino-brasileiro, Brasil e China buscarão avanços em física e química aplicada.

Educação, Cultura e Comunicação

  • Turismo e intercâmbio educacional: Foi firmado um memorando entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Tsinghua para envolver jovens em soluções globais.
  • Parcerias culturais: Cooperação audiovisual e cinematográfica por meio de acordos entre o Ministério da Cultura do Brasil e instituições chinesas.
  • Mídias públicas: Assinatura de acordos entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e o China Media Group (CMG) para fortalecer o intercâmbio cultural e informativo.

Saúde e Esportes

Plano de Ação para Saúde 2024-2026 busca fortalecer a troca de experiências em políticas públicas e pesquisa médica. Na área esportiva, um memorando visa o intercâmbio de práticas e a promoção de eventos conjuntos.

Impacto geopolítico

A visita de Xi Jinping reflete a crescente influência do BRICS no cenário global e o aprofundamento da parceria sino-brasileira, alinhada ao contexto do bloco. Com esses acordos, Brasil e China reforçam sua posição como atores centrais na busca por um novo equilíbrio geopolítico, baseado na cooperação Sul-Sul e na sustentabilidade.

A ampla gama de iniciativas anunciadas marca uma nova era nas relações bilaterais e reafirma o compromisso de ambos os países com o desenvolvimento econômico, social e ambiental global.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Brasil+China segundo o olhar chinês https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/brasilchina-sob-o-olhar-chines.html 

Brasil+China sob o olhar chinês

Por que a cooperação entre China e Brasil tem importância global
Global Times   


Na tarde de terça-feira, horário local, o presidente Xi Jinping chegou a Brasília e começou sua visita de estado ao Brasil. Após duas importantes reuniões multilaterais - a reunião da APEC e a Cúpula do G20, as interações entre China e Brasil também atraíram grande atenção da mídia internacional. De acordo com relatos, espera-se que China e Brasil promovam comércio e cooperação em vários campos, incluindo agricultura, infraestrutura, energia e aeroespacial, fortaleçam o alinhamento das estratégias de desenvolvimento dos dois países, consolidem a confiança política mútua entre os dois lados e aprimorem a natureza estratégica, inovadora e líder de suas relações bilaterais.

China e Brasil são dois grandes países em desenvolvimento nos hemisférios oriental e ocidental. Ambos são países vastos e populosos, e também são membros do BRICS. Naturalmente, China e Brasil compartilham muitos temas comuns em termos de desenvolvimento nacional e o progresso da subsistência de seus povos, entre outros aspectos. O mais representativo é o comprometimento de ambos os líderes com o alívio da pobreza como uma de suas tarefas mais urgentes. O presidente Xi descreveu o trabalho de redução da pobreza como "uma tarefa importante que estou determinado a entregar", enquanto o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva se referiu à solução da fome como "cumprir a missão da vida". Isso reflete a realidade de que, embora os países em desenvolvimento tenham suas próprias realidades, todos os países têm um desejo comum de buscar o desenvolvimento e uma vida melhor.

No atual cenário internacional, é possível que os países em desenvolvimento aproveitem totalmente suas vantagens de retardatários por meio de cooperação igualitária e assistência mútua, forjando assim um novo caminho de desenvolvimento compartilhado? China e Brasil demonstraram por meio da prática que esse caminho não é apenas viável, mas também traz uma tremenda promessa para o futuro. Como disse o presidente Xi, um pássaro mais fraco pode começar cedo e voar alto. Como nações em desenvolvimento influentes, China e Brasil abriram uma nova avenida de cooperação que incorpora benefício mútuo e destino compartilhado, servindo como uma inspiração poderosa para os países do "Sul Global" que se esforçam para a modernização. Nesse contexto, a cooperação aprimorada e atualizada entre os dois países carrega um significado profundo além do nível bilateral.

A cooperação mutuamente benéfica entre a China e o Brasil é altamente convincente. Por 15 anos consecutivos, a China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil e uma de suas principais fontes de investimento estrangeiro. De acordo com estatísticas chinesas, as importações anuais da China do Brasil ultrapassaram US$ 100 bilhões nos últimos três anos. O escopo de seus interesses compartilhados continua a se expandir, com destaques notáveis ​​em agricultura, infraestrutura, desenvolvimento verde e inovação tecnológica. Apesar de estarem a aproximadamente 18.800 quilômetros de distância, tornando-os "os países mais distantes", seu relacionamento transcendeu as divisões hemisféricas e civilizacionais, alcançando aprendizado mútuo e prosperidade compartilhada. Eles também se tornaram um modelo de cooperação e resultados ganha-ganha no caminho para a modernização entre dois países em desenvolvimento e duas nações do "Sul Global".

Mais importante, a cooperação China-Brasil é guiada por aspirações elevadas. Tome a redução da pobreza como exemplo - ambas as nações estão determinadas a enfrentar desafios que até mesmo os países desenvolvidos têm lutado para enfrentar e estão dispostas a compartilhar suas soluções com outros. Isso dá à sua parceria relevância global e contemporânea, potencialmente marcando um marco significativo na verdadeira ascensão do "Sul Global". À medida que continuamos aprimorando os impactos estratégicos de nossa cooperação mutuamente benéfica, ampliando seu escopo e abrindo novos caminhos, mais projetos exemplares que se alinham com as tendências dos tempos e oferecem benefícios duradouros às pessoas estão surgindo. As dimensões da cooperação "Sul-Sul" serão enriquecidas e expandidas, proporcionando uma alavancagem mais forte para a paz e estabilidade globais.

Como tanto a China quanto o Brasil são "grandes jogadores" entre os países em desenvolvimento, sua cooperação atraiu atenção significativa da opinião pública ocidental. Algumas vozes rotulam prematuramente a cooperação China-Brasil como um meio de "contrabalançar os EUA", o que não é apenas factualmente incorreto, mas também bastante tacanho. Isso reflete uma profunda insegurança entre certas elites ocidentais e sua imaginação limitada em relação às infinitas possibilidades de desenvolvimento humano. Essas vozes estão destinadas a ser deixadas para trás pela ascensão coletiva do "Sul Global".

Na recente foto de família tirada na cúpula do G20 no Rio, os líderes da China, África do Sul, Brasil e Índia estavam juntos, com alguns comentaristas interpretando isso como um sinal de que o futuro dos países do "Sul Global" está no horizonte. Abraçando esse futuro visível, China e Brasil agirão corajosamente como "pioneiros" e "surfistas de onda", usando sua profunda amizade e estreita cooperação para escrever um capítulo ainda mais notável para o "Sul Global".

Leia também: Brasil+China: cooperação mútua https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/brasilchina-cooperacao-mutua.html

Clóvis Moura e a consciência negra

Dia da Consciência Negra: para lembrar de Clóvis Moura
Neste dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o portal da Fundação Maurício Grabois relembra a trajetória de um dos maiores intelectuais do marxismo brasileiro com o Dossiê Especial Clóvis Moura.
Theofilo Rodrigues/Portal Grabois www.grabois.org.br

O sociólogo Clóvis Steiger de Assis Moura, intelectual marxista e militante do PCdoB, nasceu em 1925 no Piaui. Com um olhar marxista sobre a questão racial no Brasil, Moura demonstrou como a resistência dos quilombos à escravidão foi uma parte constitutiva da luta de classes no país.

Foi autor de diversos livros como Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas (1959), a Sociologia do Negro Brasileiro (1988), a Dialética Radical do Brasil Negro (1994) e o Dicionário da escravidão negra no Brasil (2004), entre tantos outros.

Nos últimos anos, a Fundação Mauricio Grabois e a Editora Anita Garibaldi reeditaram alguns desses livros como Rebeliões da senzala e Dialética Radical do Brasil Negro. (Compre aqui)

Clóvis Moura faleceu em 23 de dezembro de 2003.

Para lembrarmos da trajetória desse grande intelectual, a FMG reuniu em um dossiê especial diversos artigos de sua autoria ou sobre a sua obra.

Clique aqui para ver o Dossiê Espedial Clóvis Moura https://grabois.org.br/especial/clovis-moura/

Leia: Subindo a quilombola Serra da Barriga em tributo ao futuro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/enio-lins-opina_20.html

Trabalhadores no G20

Pauta dos trabalhadores ganha destaque em declaração final do G20
“Reconhecemos a importância de criar empregos de qualidade e promover o trabalho digno para todos a fim de alcançar a inclusão social”, aponta a Declaração de Líderes do Rio de Janeiro
André Cintra/Vermelho 
   

Alvo de preocupação global durante a pandemia de Covid-19, o mundo do trabalho foi tema de relevância na Cúpula do G20 (o grupo das 20 maiores economias mundiais). O encontro aconteceu pela primeira vez no Brasil, que ocupa desde dezembro de 2023 a presidência rotativa deste que se proclama “o principal fórum de cooperação econômica internacional”.

Na preparação para a cúpula, um dos 15 grupos de trabalho (GTs) tratou especificamente de Emprego. O colegiado, formado por ministros do Trabalho e Emprego dos Estados-membros do G20, sob a coordenação do brasileiro Luiz Marinho, começou de forma promissora. Pela primeira vez desde 2021, houve consenso no documento-síntese. 

Divulgado em 26 de julho, o texto ressaltava como prioridades a criação de empregos formais, a promoção do trabalho digno e a igualdade de gênero no ambiente de trabalho. A base para a formulação de paradigmas foi a Agenda do Trabalho Decente, da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Em contrapartida, as novas tecnologias sobressaíam entre as inquietações. O grupo mencionava que, diante do avanço da inteligência artificial, é fundamental preservar empregos e direitos.

Um informe publicado no site da OIT destacava outros feitos do GT: “Sob a liderança do Brasil, marcos significativos foram alcançados, incluindo a adoção de uma Declaração Ministerial de Trabalho e Emprego que enfatiza trabalho decente, crescimento equitativo e transições justas entre as economias do G20. A Declaração também fortaleceu parcerias, como a Coalizão Internacional para a Igualdade Salarial e a introdução do Portal de Política Social do G20”.

Sindicalismo

Embora o movimento sindical tenha participado de algumas reuniões do GT Emprego, foi apenas na Cúpula Social do G20 que os trabalhadores tiveram protagonismo nos debates. Também conhecido como G20 Social, o evento foi realizado no Rio de Janeiro entre os dias 14 e 16 de novembro, às vésperas do encontro oficial.

Coube ao sindicalismo a realização de diversas atividades. A CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), por exemplo, ajudou a organizar três agendas: “Os Desafios da Classe Trabalhadora – A Reforma da Governança Global e as Ameaças de Guerra”; “Superação das Desigualdades entre Homens e Mulheres no Mercado de Trabalho – A Relevância da Lei de Igualdade Salarial”; e “Transições no Mundo do Trabalho – Tecnologias Emergentes, Sustentabilidade Ambiental e Justiça Social para um Trabalho Decente”.

As pautas debatidas pela CTB e pelas demais centrais presentes se refletiram na Declaração Final da Cúpula Social do G20. “Reafirmamos a centralidade do trabalho decente, conforme os padrões da OIT, como elemento essencial na superação da pobreza e das desigualdades. É crucial combater o trabalho escravo, infantil, o tráfico humano e todas as demais formas de exploração e de precarização do trabalho”, aponta o documento.

O G20 Social defendeu “a formalização do mercado de trabalho e de economias inclusivas e contra-hegemônicas, como a economia popular e solidária, cooperativas, cozinhas solidárias e o reconhecimento e valorização da economia de cuidados. É essencial assegurar que todos, especialmente jovens, população negra, mulheres e os mais vulneráveis, tenham acesso a empregos dignos, sistemas de seguridade e proteção social e à ampliação dos direitos sindicais." 

Seis diretrizes

Todas essas contribuições subsidiaram o documento final da Cúpula do G20, batizado de Declaração de Líderes do Rio de Janeiro e aprovado por consenso nesta segunda-feira (18). Antes de tudo, a cúpula frisou que a desigualdade “está na raiz da maioria dos desafios globais que enfrentamos e é agravada por eles”.

A resolução dedica o ponto 37 à pauta trabalhista. “Reconhecemos a importância de criar empregos de qualidade e promover o trabalho digno para todos a fim de alcançar a inclusão social”, assinala o documento. De posse das propostas do GT Emprego e do G20 Social, os líderes do G20 se comprometeram com seis diretrizes nessa área. O “DNA” do sindicalismo aparece particularmente no eixo “promover o diálogo social e a negociação coletiva”.

A luta por mais direitos e garantias aos trabalhadores é outro pilar. O G20 cobra a efetividade da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, “empoderando os trabalhadores e erradicando o trabalho forçado, acabando com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, bem como eliminando todas as formas de trabalho infantil”.

O documento defende também melhores condições de trabalho, de modo a garantir “segurança e saúde ocupacional e acesso a proteção social adequada para todos os trabalhadores”. Além disso, num mundo às voltas com a 4ª Revolução Industrial, há um apelo por “uma transição justa em todos os setores”.

Duas diretrizes reforçam o compromisso geral de combater desigualdades. Uma delas afirma que os países devem “superar as divisões digitais e priorizar a inclusão de pessoas em situações de vulnerabilidade”. A outra deliberação critica abertamente “normas sociais e culturais discriminatórias, bem como barreiras legais” que prejudicam especialmente as mulheres.

Equidade de gênero

As demandas das mulheres trabalhadoras são aprofundadas no ponto 32, que incorpora propostas do GT de Empoderamento das Mulheres. Um dos chamamentos é à ampla e qualificada inclusão feminina no mundo do trabalho: “Encorajamos o desenvolvimento liderado por mulheres e promoveremos a participação e a liderança plenas, equitativas, eficazes e significativas das mulheres em todos os setores e em todos os níveis da economia, o que é crucial para o crescimento do PIB global”.

A Cúpula do G20 se inspirou no exemplo do país anfitrião, o Brasil, que, em 2023, editou a Lei da Igualdade Salarial. Poucos assuntos mereceram tanta atenção na Declaração do Rio de Janeiro, com seu “total compromisso com a igualdade de gênero”. Ministros do Trabalho ou do Emprego são incitados a “estabelecer novos compromissos do G20 para o período pós-2025, em especial no que diz respeito à redução da desigualdade salarial de gênero”.

Pela primeira vez, o G20 cita a chamada “economia do cuidado”, um segmento predominantemente feminino. “Nós nos comprometemos a promover a igualdade de gênero no trabalho de cuidado remunerado e não remunerado para garantir a participação igualitária, plena e significativa das mulheres na economia, promovendo a corresponsabilidade social e de gênero, encorajando e facilitando o envolvimento igualitário de homens e meninos no trabalho de cuidado e desafiando as normas de gênero que impedem a distribuição equitativa e a redistribuição das responsabilidades de cuidado”.

No ponto que trata de Educação, a Cúpula do G20 exalta os professores. Conforme o texto, vive-se hoje a “escassez global” de trabalhadores docentes, que tem de ser revertida: “Políticas de desenvolvimento profissional capazes de qualificar e reter professores, além de estimular o interesse de professores no início da carreira, tornaram-se um componente essencial do desafio multidimensional de preparar nossas sociedades para o futuro”.

É com o olho nesse futuro que o G20, ora presidido pelo Brasil, aprovou o mais detalhado documento de sua história que aborda, direta e indiretamente, o mundo do trabalho. “Agradecemos ao Brasil por sua liderança este ano e esperamos trabalhar juntos em 2025 sob a presidência da África do Sul e nos encontrar novamente nos Estados Unidos em 2026”, conclui a Declaração de Líderes do Rio de Janeiro.

[Foto: Rafael Pereira/G20]

Leia: O mundo cabe numa organização de base https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html

Palavra de poeta: Maurílio Rodrigues

AINDA ESTOU DE PÉ…
Maurílio Rodrigues*  

Ainda estou de pé,
Mesmo com tantos
Encontros e desencontros,
Tantas partidas e chegadas,
Brigas, que não levaram a nada.
 
Ainda estou de pé,
Mesmo contabilizando
Perdas e ganhos ,
Num desespero sem tamanho,
Que a vida insiste em oferecer.
 
Ainda estou de pé,
Com tantas tempestades 
Passando por mim,
Pensei ser o meu fim.
Deixou-me quase sem fé.
 
Ainda estou de pé,
Mesmo, que meus dias
Tenham se transformado
Em sombrias noites.
E os afagos  da vida
Transformaram- se em açoites.
 
Ainda estou de pé ,
Depois de tantos anos,
De tua dolorosa partida,
Dizendo: “irias viver a vida,
E, eu não estava nos teus planos”.
 
Ainda estou de pé,
Porque sou um homem de fé,
Que acredita em sonhos e paixão.
E no amor. Por que não?
Ele é o que norteia a vida.

[Ilustração: Edvard Munch]

Sylvio: implicados

Corretíssimo o ministro do Supremo, Barroso, ao declarar que as notícias sobre o plano de golpe e assassinatos de autoridades como estarrecedoras e perto do inimaginável. Fica muito claro que se impõe a prisão do general Braga Neto e, certamente, como desdobramento, do principal personagem e possível beneficiário, Jair Bolsonaro.

Sylvio Belém 

Uma crônica de Ruy Castro

Os que não viveram para ver
Tom Jobim, Millôr e Cony já não levavam muita fé no Brasil e não viveram para ver Bolsonaro
Ruy Castro/Folha de S. Paulo 

A realidade não para de desmoralizar a ficção. A ficção científica, então, nem se fala —longe vão os tempos em que, para nosso deleite e admiração, seus romancistas viajavam a planetas impossíveis, aboliam o espaço/tempo e bolavam as piores formas de destruir a Humanidade. Hoje, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert Heinlein não seriam admitidos nem como estagiários na Altair, filial da sueca Morbius dedicada à substituição dos neurônios no cérebro humano por impulsos algorítmicos pela inteligência artificial.

Philip K. Dick morreu sem ver que seus androides que sonhavam com carneiros elétricos se transformariam num sistema operacional inacessível até à sua compreensão. Aliás, nenhum daqueles ases da ficção científica viveu para comparar suas antecipações futuristas com o que aconteceu nos últimos 15 anos. Tivessem chegado até nós, talvez se maravilhassem —ou, bem mais provável, se apavorassem com o que vem por aí.

Às vezes pode ser um conforto não viver para ver algo que, embora não se soubesse, estava na iminência de acontecer e seria insuportável. O escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942) viu a guerra destruir a Europa e estreitar o mundo para os judeus como ele e para todas as pessoas sensíveis. Refugiou-se no Rio em 1940 e, quando constatou que a guerra chegara também aqui, matou-se. Se o destino de uma única pessoa já o comovia, como reagiria à Solução Final de Hitler, que mataria seis milhões de judeus?

E quem diria que, 2.500 anos depois de o grego Pitágoras ter estabelecido que a Terra era redonda; 2.200 anos que outro grego, Eratóstenes, calculasse sua circunferência; e 500 anos depois que o navegador português Fernão de Magalhães demonstrasse isso dando a volta a ela; enfim, quem diria que, justamente em nossa era, milhões de energúmenos jurariam que a Terra é plana? Copérnico, Eratóstenes e Magalhães não viveram para ver isso, claro. Ainda bem —iriam preferir a morte.

Mas nada supera a boa sorte de Tom Jobim, Millôr Fernandes e Carlos Heitor Cony. Eles já não levavam muita fé no Brasil. E nenhum deles viveu para ver Bolsonaro.

Leia sobre o mundo interplanetário https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/09/vida-milhoes-de-anos-luz.html

Humor de resistência: Aroeira

 

Aroeira

Leia sobre redes sociais e neofascismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/09/redes-do-neofascismo.html


Enio Lins opina

Subindo a quilombola Serra da Barriga em tributo ao futuro
Enio Lins*   

Viva o Dia Nacional da Consciência Negra! A data é uma das maiores conquistas do Movimento Negro e de todas as pessoas que defendem uma sociedade mais justa, sem discriminação, e que valorize sua própria história. Esse sentimento afirmativo, combativo, orientou a militância pioneira vinda de vários pontos do Brasil para subir à Serra da Barriga – sem nenhuma infraestrutura ou tradição anterior – a partir de 1979.

Muita coisa mudou nesses 45 anos de luta. Sim, a luta nunca cessou, nem cessará, apenas mudaram as conjunturas e acrescentaram-se vitórias, sempre duramente conquistadas, neste caminho de subida da serra. Um dos desafios, ausente quando das primeiras iniciativas de palmilhar as trilhas mato adentro até o cume do outeiro do Barriga, é harmonizar as políticas afirmativas, combativas e de luta, com os interesses (legítimos e indispensáveis na geração de emprego e renda) do turismo – o que exige planejamento e ações integradas para uma agenda para além de um único dia. Boas experiências têm sido feitas, mas ir além delas é a missão.

Dentre as realizações relevantes se destacam a construção do espaço memorial, cênico e perene, no alto da serra, projeto executado no governo Ronaldo Lessa, e a pavimentação dos trechos de acesso ao platô, realizada durante o governo Renan Filho; ambas as obras seguindo as determinações do IPHAN, pois o perímetro é tombado desde 1986 como Patrimônio Histórico Nacional. O tombamento nacional é a grande conquista nestas décadas de batalhas pelo reconhecimento da epopeia do Quilombo dos Palmares e, no particular, do sítio histórico da Cerca Real dos Macacos, lugar considerado, desde o final do século XVII, como a capital da comunidade rebelada contra a escravidão em boa parte do Nordeste colonial. Reconhecimento oficial e infraestrutura são os dois pilares sobre os quais todos os tipos de projetos podem ser pensados e construídos.< br />
Cravados esses dois pilares, resta a imperiosidade de ter-se bons, e dinâmicos, projetos para – mantendo os conteúdos históricos, sociológicos, étnicos do Outeiro do Barriga em sua afro-ancestralidade – garantir uma agenda permanente, anual, de visitações ao núcleo central do Quilombo dos Palmares. E essa política precisa ter como base o público alagoano, em primeiro lugar, começando pela multiplicação das visitas guiadas das escolas (públicas e privadas). Essa base para o receptivo à visitação nativa deve a mesma para o bom atendimento às demandas de quem vem das lonjuras. Não nos esqueçamos de retomar, com gosto de gás, o roteiro internacional. As experiências do passado recente ainda estão vívidas o suficiente para ensinar os pontos positivos e negativos dessas formas internacionalistas.

Espalhadas nas curvaturas do espaço-tempo, estão latentes as rotas mais atrativas para o turismo globalizado. Durante alguns anos, levas afro-americanas subiam a Serra da Barriga vindas de Salvador, como extensão da via aberta pela sempre ousada baianidade para o rentável turismo étnico da classe média norte-americana (com e sem escalas no Rio de Janeiro) – nunca mais tive notícia desse roteiro. E as embaixadas dos países africanos? Nunca mais soube da presença dos corpos diplomáticos da África Negra na Serra (o Senegal, por exemplo, era visitante usual). E alguém aí, no leitorado desta coluna, se lembra da emocionante apresentação do Balé de Angola em União dos Palmares, durante as solenidades de 1995? E dos Los Monequitos, de Cuba?

Apois complementam-se, e não se conflitam, os vetores da militância e do turismo (étnico, histórico, religioso, ambiental). O potencial da Serra da Barriga só faz crescer. Vamos, portanto, subir mais a Serra. Em nome de todas as pessoas que, desde 1979, transformaram o perfil público do Outeiro do Barriga, presto meu modesto tributo ao saudoso Abdias Nascimento (cujas cinzas repousam na Serra). Avante!

*Arquiteto, jornalista, cartunista e ilustrador

19 novembro 2024

Postei no X

O público muito aquém do esperado hoje na Fonte Nova não é apenas pelo preço muito caro dos ingressos. É que a seleção brasileira está muito longe de empolgar os torcedores no momento. 

Leia: Identifique-se. Faz bem https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/10/minha-opiniao_30.html

Destruição em Gaza

Palestina: O horror em primeira pessoa
Escritor palestino, que se salvou do massacre, narra uma Gaza destroçada: corpos insepultos, fome e sinfonias de bomba. E a tentativa de matar a memória de seu povo, com o bombardeio irracional de bibliotecas, museus e templos milenares
Bernardo Gutiérrez, no CTXT | Tradução: Rôney Rodrigues/Outras Palavras 

Em 7 de outubro de 2023, enquanto Atef Abu Saif nadava no Mar Mediterrâneo, ele notou foguetes e explosões soando em todas as direções. Ele havia dormido na casa de sua irmã Halima, em Beit Lahia, na Faixa de Gaza. Ele interpretou os foguetes como manobras de treinamento do exército israelense. Suas companhias – o cunhado, o irmão e o filho Yasser, de 15 anos, que tinha decidido viajar da Cisjordânia para visitar os avós – não demoraram muito para perceber que algo grave estava acontecendo. Saíram da praia de carro em direção à cidade de Gaza. Poucas horas depois de chegar à Casa de Imprensa, Atef já sabe que uma guerra brutal fora desencadeada. Começa a escrever. “Narrava os acontecimentos e fazia crônicas para mim mesmo, pensando que um dia, como romancista, usaria o material. Eu não queria escrever um livro. Mas uma semana depois do início da guerra, percebi que poderia morrer”, assegura o escritor, em entrevista concedida ao CTXT durante a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), no Rio de Janeiro. 

Atef Abu Saif – autor de cinco romances, dois livros de contos e dois de ensaios – propôs-se a registar compulsivamente a ferocidade do ataque israelense contra a população civil. Escrevia no computador, no celular. Gravava mensagens em árabe e inglês que enviava aos seus editores. Às vezes, caminhava três quilômetros até conseguir wi-fi um posto da Cruz Vermelha. Outras vezes, arriscava aproximar-se dos tanques israelense para captar um sinal, “algo perigoso” que tinha de fazer por causa da sua “responsabilidade como escritor”. “Os meios de comunicação ingleses e árabes não me deram muito espaço. Então, resolvi anotar tudo. A cidade de Gaza estava sendo assassinada e com ela a nossa memória. Disse a mim mesmo, se eu morrer, quero ser lembrado. Senti que poderia morrer a qualquer momento”, diz Atef.

Até cruzar a fronteira egípcia com seu filho Yasser para retornar à sua casa na Cisjordânia, Atef escreveu diariamente durante noventa dias. O resultado é Quero estar acordado quando morrer. Diário de um Genocídio, livro de caráter urgente lançado por uma aliança internacional de editoras que o publicou em julho “simultaneamente para denunciar a situação da população palestina e pedir um cessar-fogo”: Blackie Books (espanhol e catalão); Berria (Basco), Comma Press (Reino Unido), Beacon Books (Estados Unidos) e Jacana (África do Sul) em inglês; Angústúra (islandês), Noura Books (indonésio), Chiheisha Publishing (japonês), Società Informazione (italiano), Elefante (português), Second Thesis (coreano) e Pinar Publications (turco). “Através da escrita, podemos manter os lugares vivos, podemos lembrar as ruas que agora estão em escombros, as casas que agora foram destruídas”, escreve Atef no livro.

“Não somos números.” Atef nasceu em 1973 no campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza. Desde a primeira Intifada, ele tem fragmentos de balas no corpo. “Eu tinha quinze anos quando os soldados israelenses atiraram em mim e incrustaram esses fragmentos no meu fígado. O cirurgião britânico acalmou minha mãe e disse: seu filho sobreviverá. Cada vez que encontro a morte diante de mim, no meio da rua, tento reunir coragem e me convencer de que vou sobreviver, assim como o cirurgião inglês disse à minha mãe que eu faria. Mas desta vez é diferente. Eu sei que não posso mentir. Vejo isso em todos os lugares, é a morte, posso sentir isso. Posso tocá-la”, escreve ele. Na guerra de 2014, Atef publicou o artigo We are not numbers, que acabou se tornando o slogan da Autoridade Nacional Palestina e promovendo o projeto wearenotnumbers.org, no qual escritores tornam visíveis as vidas dos palestinos ocultadas pelos números. “Os números escondem nossas vidas. Para os assassinos não somos seres humanos. Nossas memórias e histórias não existem. Somos números. Se você ler que quinze palestinos morreram num ataque israelense, isso significa quinze vidas, quinze histórias de amor. Quinze memórias da juventude. Quinze casas. Quinze sentimentos de perda. Quinze palestinos que esperam na fila da padaria para alimentar a sua família”, afirma Atef com firmeza.

Quero estar acordado quando morrer é uma crônica detalhada. À medida que os dias de guerra passam, a Faixa de Gaza torna-se um cemitério a céu aberto. As crianças escrevem seus nomes na pele de seus corpos para que suas famílias possam encontrar seus corpos caso morram. Os edifícios caem “como colunas de fumaça”. A cidade de Gaza é transformada num “lixão de borracha e escombros”. A comida é escassa. As filas se multiplicam. Uma para água. Outra para pão. Outra para carregar celulares. Os cadáveres estão se acumulando por toda parte. Nas ruas, “crianças confusas, homens irritados, mulheres cansadas”. Ovelhas e cabras famintas vagam pela cidade. As pessoas não andam, elas correm. Um homem usa sapatos femininos porque “são mais confortáveis”. Zumbido de drones. Estrondos constantes de explosões. As bombas destroem hospitais, escolas, campos de refugiados, o Centro Cultural al-Shawa, os Centros de Imprensa. Os mísseis destroem sete padarias, mercados e barracas de vendedores ambulantes. Uma noite, Atef vai dormir sem ter comido nada. Às vezes ele cai na cama depois de trinta e seis horas sem pregar o olho. Tentar salvar vidas é mais importante que dormir.

Ao longo do diário, o leitor toma conhecimento da destruição da Cidade de Gaza. Muitos moradores estão mortos sob os escombros, sem possibilidade de resgate. “Tudo ao nosso redor está morto e silencioso. Há apenas corvos e um ou outro cachorro perdido vasculhando os escombros. Os israelenses querem que toda Gaza tenha esta aparência. Insuportável. Infernal. O objetivo é sempre nos nos fazer retroceder no tempo, fazer com que a cidade pareça pobre e feia novamente”, escreve Atef. “Quando eu estava escrevendo o livro, Gaza era um ser violado, cortado em pedaços. A partir de hoje, a cidade de Gaza não existe. Não há um único apartamento em Gaza onde você possa ficar. Quero dizer, tem janelas, portas, paredes. Tudo foi total ou parcialmente destruído”, diz Atef. No livro, ele descreve a destruição de seu bairro, dos becos e passagen s de Jabalia, como “o fim de um filme de guerra”. “Até os israelenses admitem que a sua ênfase está agora no ‘dano’ e não na ‘precisão’”, escreve ele. Sua cidade natal, onde escreveu sua primeira história sobre um velho que adorava contar histórias, mas havia esquecido todos os finais, está completamente destruída.

A fuga a pé que Atef faz com o filho para sair do norte de Gaza em direção ao sul, atravessando a nova “cortina de ferro” desenhada por Israel, é uma das cenas mais duras do diário: “Espalhados ao acaso, em ambos os lados do caminho, há dezenas e dezenas de cadáveres. Apodrecendo. Derretendo, ao que parece, no chão. O cheiro é horrível. Uma mão se estende em nossa direção da janela de um carro incendiado, como se estivesse me implorando por alguma coisa. Corpos sem cabeça aqui. Cabeças decepadas ali. Membros e partes de corpos jogados fora e abandonados à própria sorte. Não olhe, digo novamente a Yasser. Continue andando, filho.

Destrua a cultura. No dia em que os soldados israelenses invadiram o apartamento histórico de Atef em Gaza, ficaram chocados com a sua coleção de três mil livros. Um dos soldados arrancou da parede uma reprodução da Mona Lisa de Leonardo da Vinci. “Eles não gostam da ideia de que temos educação, que temos uma cultura, que somos cultos. Quando Napoleão Bonaparte ocupou a Palestina, usou o palácio Pasha durante três dias como escritório, mas o exército israelense destruiu-o com tanques”, diz ele num tom desolado. Atef Abu Saif, ministro da Cultura entre 2019 e abril de 2024, denuncia como Israel destruiu intencionalmente qualquer manifestação cultural em Gaza. Numa entrevista em fevereiro de 2024, já alertava sobre a destruição de doze museus e da Biblioteca Municipal de Gaza, uma das maiores coleções de documentação sobre a vida em Gaza e na Palestina antes da criação de Israel em 1948. “Por que bombardearam a igreja mais antiga de Gaza, a terceira mais antiga do mundo? Por que estão destruindo o porto fenício ou os templos de cinco mil anos de antiguidade? Por que ninguém menciona uma palavra sobre tudo isso? Eles não estão apenas assassinando pessoas e um lugar, mas também a história. Israel quer eliminar a nossa história e memória. Além disso, não é a nossa história, é a história da humanidade”, afirma o escritor.

Atef não hesita em descrever a guerra em Gaza como genocídio. “Até que ponto a guerra deve ser assimétrica para deixar de ser guerra. É apenas um massacre”, escreve ele. Ele acusa Israel, com o seu “exército selvagem e sangrento”, de limpeza étnica e terrorismo de Estado. “O genocídio, como nunca me canso de explicar aos europeus, não significa que se mata todo mundo, mas que se tem a intenção de o fazer. De acordo com o direito internacional, o genocídio impede a entrada de alimentos e medicamentos. Recordemos que no terceiro dia de ocupação, quando o norte de Gaza estava sendo evacuado, um ministro israelense disse que queriam construir ali um parque de diversões, uma espécie de Disneylândia para fazer churrascos. Eles ainda não tiraram essa ideia da cabeça”, sustenta Atef.

O escritor não hesita em responsabilizar os Estados Unidos e as potências ocidentais pelo genocídio. “Israel é seu filho mimado. Estamos pagando o preço pelos erros europeus da Segunda Guerra Mundial”, esclarece. No livro, Atef conta como, em 1948, o Estado judeu veio à tona, semeando o caos na Palestina: “800 mil árabes foram expulsos à força de suas casas, homens executados, mulheres estupradas, aldeias queimadas, cidades inteiras massacradas. O terror foi o que destruiu aquela metade da Palestina e o que deu origem ao novo país (…) A minha avó foi obrigada a deixar a sua linda casa em Jaffa, pensando que voltaria dentro de alguns dias. Isso foi há setenta e cinco anos.” A escalada bélica comandada por Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, é na sua opinião uma cortina de fumaça: “A expansão da guerra é uma fo rma de escapar à pressão de uma guerra civil. Quando iniciam uma guerra no Líbano, ninguém lhes pede que acabem com a guerra em Gaza. O objetivo da guerra é a própria guerra. Com o Irã tudo estará sob controle, o seu verdadeiro objetivo é Gaza.”

O futuro da Palestina. Atef, membro do partido político Fatah, herdeiro da antiga Frente Nacional de Libertação da Palestina, acredita que o futuro da Palestina não pode ser concebido excluindo o Hamas. “Não há futuro sem o Hamas. O povo decidirá se o Hamas geriu bem o 7 de Outubro e as suas consequências. As pesquisas dizem que os habitantes de Gaza estão descontentes com o Hamas. Eles estão pagando o preço e suas vozes não estão sendo ouvidas. Mas para a maioria dos palestinos em todo o mundo, mesmo que discordem de algumas ações, o 7 de Outubro é um ato heroico. Saberemos mais sobre tudo isso quando houver discussão aberta e eleições, algo que eles não estão permitindo”, afirma Atef.

A certa altura da entrevista, Atef abaixa o tom. O cansaço toma conta de seu rosto. Ele explica que viu sua família morrer nesta guerra. Mais de cem parentes assassinados. Seu pai morreu em abril, por falta de remédios. Ele confessa que poderia estar morto se tivesse aceitado o convite da meia-irmã. “Eu deveria ter passado aquela noite com eles. Ainda guardo o SMS em que ele me disse: Ei, meus sobrinhos estão aqui. Venha passar a noite conosco. Hoje, toda a família está morta”, confessa com resignação. Quando parece que está prestes a sair do prumo, Atef recupera o ânimo, como se estivesse agarrado ao salva-vidas de um trecho de seu próprio livro: “E quando você ouvir que outra pessoa morreu, significa que você, ao contrário, continua vivo”.

O ex-ministro se recompõe. Sorri. Tira forças da fraqueza. Reconhece que tudo contribui para parar o genocídio. Seu livro. Esta entrevista. A iniciativa judicial liderada pela África do Sul. Que a Espanha reconheça o Estado Palestino. As manifestações de apoio. “O mundo tem que romper a narrativa de Israel de que isto é legítima defesa”, escreveu em seu livro. “A questão não é estar com os palestinos ou com os israelenses – afirma com ânimo recobrado – mas consigo mesmo como ser humano. É a favor ou contra o genocídio? A favor ou contra o assassinato de crianças inocentes? Não estou pedindo que você esteja conosco, mas que esteja consigo mesmo, com sua ética.”

A última página de Quero Estar Acordado Quando Morrer é por parte dos editores: “Em 30 de dezembro, Atef e seu filho, que havia completado dezesseis anos apenas dois dias antes, conseguiram cruzar a fronteira egípcia e chegar em segurança. Muitos de seus familiares e amigos permanecem presos na Faixa. A sogra de Atef, Haja, morreu de frio numa loja em Rafah enquanto fechávamos a edição deste diário. O genocídio já dura 235 dias.” Quando o CTXT publica este texto, o genocídio já durava 398 dias.

Leia mais sobre a guerra em Gaza: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/10/israel-nao-e-imbativel.html