02 agosto 2025

Para diminuir a fila no SUS

Paciente do SUS pode ser atendido por planos de saúde em setembro
Medida visa ampliar atendimento e reduzir tempo de espera
Paula Laboissière/Agência Brasil  

A partir de setembro, pacientes da rede pública poderão ser atendidos de forma gratuita por planos de saúde. Uma portaria que viabiliza a troca de dívidas de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) pela prestação de serviços na rede privada foi apresentada no início da semana pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha.Descrição: https://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.png?id=1652911&o=nodeDescrição: https://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.gif?id=1652911&o=node

Segundo a pasta, a medida, que faz parte do programa Agora Tem Especialistas, visa ampliar o atendimento e reduzir o tempo de espera na atenção especializada. A expectativa é que, neste primeiro momento, R$ 750 milhões em dívidas adquiridas por operadoras sejam convertidas em consultas, exames e cirurgias.

Entenda

Na prática, a medida anunciada pelo governo federal transforma dívidas de ressarcimento de planos de saúde em exames, cirurgias e consultas especializadas, levando pacientes da rede pública até especialistas e equipamentos disponíveis na rede privada sem que precisem desembolsar para serem atendidos.

As dívidas das operadoras de planos de saúde junto ao SUS, anteriormente, iam para o Fundo Nacional de Saúde.

Como vai funcionar

A oferta de assistência a pacientes do SUS pelos planos de saúde vai atender ao rol de procedimentos do programa Agora Tem Especialistas, que prioriza seis áreas com maior carência de serviços especializados: oncologia, oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, cardiologia e ginecologia.

De acordo com o ministério, também será considerada a demanda de estados e municípios. Para participar da iniciativa, os planos de saúde interessados devem aderir a um edital conjunto do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Já para usufruírem do benefício de converter a obrigação do ressarcimento em prestação de serviços, além da adesão de forma voluntária ao programa, as operadoras devem comprovar capacidade técnica e operacional e disponibilizar uma matriz de oferta que atenda às necessidades do SUS.

“Para receberem pelo programa, os planos de saúde precisam realizar mais de 100 mil atendimentos/mês. De forma excepcional, será considerado valor mínimo de 50 mil/mês para planos de saúde de menor porte. Isso no caso de atendimentos de média e baixa complexidade realizados em regiões cuja demanda por esse tipo de serviço não seja plenamente atendida”, informou a pasta.

Ainda segundo o ministério, os serviços prestados pelos planos de saúde vão gerar o Certificado de Obrigação de Ressarcimento (COR), necessário para abater a dívida com o SUS.

Fiscalização

A ANS destacou que a iniciativa vem acompanhada de mecanismos de fiscalização, controle e monitoramento. Todos os instrumentos, incluindo multas e penalidades a operadoras, permanecem vigentes caso se façam necessários.

“Não há qualquer espaço para que operadoras deixem de atender sua carteira de clientes para priorizar o SUS. Pelo contrário: é do interesse das operadoras que aderirem ao programa ampliar sua capacidade de atendimento, beneficiando tanto os usuários dos planos quanto os pacientes do SUS”, avaliou a diretora-presidente da ANS, Carla Soares.

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Leia também: Para além do “economicismo governamental” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/minha-opiniao_5.html

O capitalismo de plataforma e a soberania nacional


Mais uma live da série 16º Congresso do PCdoB em Debate, com a exposição de Wellington Pinheiro, professor de engenharia biomédica da UFPE e especialista em informática e IA aplicadas à saúde. E os comentários de José Bertotti, químico industrial, engenheiro de produção e ex-secretário estadual de meio ambiente e sustentabilidade e de Luís Carlos Paes, engenheiro, auditor aposentado do Banco Central e membro da direção nacional do PCdoB. A mediação é de Luciano Siqueira.

Leia: Ronald Freitas: Soberania inegociável https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/ronald-freitas-opina.html 

Postei nas redes

Burrice e absoluta falta de descortino tático: quanto mais se jacta de ter contribuído para as agressões do governo Trump contra o Brasil, mais afunda no poço neofascista quinta-coluna. 

Ronald Freitas: Soberania inegociável https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/ronald-freitas-opina.html 

Walter Sorrentino opina

O Brasil não se rende: soberania e resistência ao tarifaço de Trump
Em meio às sanções dos EUA, artigo defende união nacional, reação firme e medidas para proteger economia e democracia
Walter Sorrentino/Portal Grabois www.grabois.org.br  

O Brasil está sob agressão direta e injustificada do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. De forma desrespeitosa às relações civilizadas entre ambos os países, construídas ao longo de dois séculos, Trump impôs sanções econômicas que ferem o povo brasileiro e afrontam nossas instituições democráticas, numa ingerência inaceitável nos assuntos internos da nação.

Ataque comercial e chantagem política

O tarifaço imposto ao Brasil – até o momento o mais alto do mundo – é, na prática, uma declaração de guerra comercial. Mas é mais que isso. Particularmente grave é a chantagem sobre o Supremo Tribunal Federal no julgamento dos golpistas de 8 de janeiro. A Lei Magnitsky – aplicada a terroristas e ditadores – contra o ministro Alexandre de Moraes atinge a própria soberania de nosso país. Ainda na esfera política, Trump não esconde o intento golpista de dar sobrevida à extrema-direita, indicando que o ex-presidente Bolsonaro é um “perseguido político” e que as eleições de 2026 não serão limpas.

Como tem sido seu estilo, Trump agride, recua, mas mantém o ataque. A ordem executiva assinada ontem traz inúmeras exceções para produtos brasileiros, mas, ao mesmo tempo, classifica o Brasil como uma “ameaça incomum e extraordinária” à segurança e à economia dos Estados Unidos, o que justificaria uma “emergência nacional”, e recorreu à imposição de extraterritorialidade das leis e interesses de seu Estado fora de suas fronteiras nacionais.

A estratégia do grito não colou para os brasileiros. Quem seguiu firme foi o Brasil, o presidente Lula, o Congresso Nacional e o STF, que denunciaram as ingerências e defenderam as instituições. O governo buscou negociar, recebeu apoio e dialogou com setores afetados, denunciou as sanções na Organização Mundial do Comércio e mobilizou esforços diplomáticos – inclusive com a conversa direta entre o ministro Mauro Vieira e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, na véspera do anúncio do pacote de sanções. A postura coesa deve ter frustrado os que esperavam submissão. O apoio ao governo Lula cresceu. Mais: segundo pesquisa Quaest, 72% consideram que Trump errou ao justificar as medidas com base em perseguição a Bolsonaro.

Quais as razões de tanta agressividade que aparenta ser insânia?

Crise dos EUA e disputa pela hegemonia global

Trump reage à crise e ao declínio econômico dos EUA para buscar impor ao mundo o custo de “fazer a América grande de novo”. Evidencia que, sob seu comando, os EUA disputarão a hegemonia, a que preço for, na nova realidade multipolar que emergiu com o protagonismo crescente da China e do BRICS. Já nesta quarta-feira (30), anunciou tarifas de 25% sobre produtos importados da Índia, além de uma taxa extra pela compra de petróleo e armas da Rússia, a entrar em vigor a partir de 1º de agosto. Explicitou, para quem queira ouvir, que o BRICS é “um ataque ao dólar”. Isso pressupõe manter a América Latina sob tutela.

Nessa lógica, o Brasil é alvo principal, por seu peso e condição de pivô do continente e forte protagonista do BRICS. Isso deriva do papel altivo e independente de nossa política externa, do peso do país no G20 e nos alinhamentos Sul-Sul. A criação do Pix, as reservas de terras raras e os avanços na integração logística da América do Sul são conquistas que incomodam os EUA.  

Uma guerra híbrida contra a soberania nacional

Assim vistas as coisas, no espírito do tempo, a ofensiva econômica e política do governo Trump contra o Brasil não se resume a uma mera disputa comercial, mas busca a desestabilização imperialista de nosso país, com práticas e táticas típicas de uma guerra híbrida. São exemplos disso impor sanções unilaterais, interferir diretamente nos assuntos internos do país e atacar instituições como o Supremo Tribunal Federal, à margem dos princípios do direito internacional. Trata-se de uma combinação de pressões econômicas, diplomáticas, jurídicas e informacionais com o objetivo de desestabilizar a soberania nacional e subordinar o Brasil aos interesses estratégicos de Washington.  

Em tais condições, o tarifaço alerta a nação. Repito o que disse Celso Furtado: “No mundo de hoje, se você perde a soberania, é quase impossível recuperá-la. Nosso país tem a tradição de preservá-la. Conseguiu manter sua unidade com todas as forças dispersivas que havia em sua cultura e sua formação. Quando a soberania corre risco, parece que desperta um instinto de sobrevivência. No mundo de hoje, é difícil explicar um Brasil tão vasto, com tantos recursos, sem nenhum movimento de dissidência. É o entranhamento, em nós, da noção de soberania.”

Medidas para defender a economia e a democracia

O governo Lula mobilizou os três Poderes da República para defender, com firmeza e equilíbrio, a soberania e a democracia no país. Já se tem a Lei de Reciprocidade Econômica. Serão necessárias medidas econômicas corajosas para proteger o setor exportador e blindar a  economia popular contra a eventual inflação importada, e ao mesmo tempo fortalecer o mercado interno e diversificar seus mercados de exportação. Num momento excepcional, é possível ajustar o arcabouço fiscal para preservar o crescimento da economia, o emprego e a reindustrialização.

Uma série de outras questões se colocarão no horizonte, para amplo debate.  O Brasil precisará enfrentar as vulnerabilidades externas e reforçar sua autonomia estratégica. Nenhuma nação terá força sem um projeto nacional autônomo, com clareza estratégica e capacidade de se posicionar na disputa global em curso. Está em questão proteger seus dados e data centers, regulamentar as redes e as Big Techs conforme suas leis, fortalecer a soberania tecnológica e científica, revisar sua doutrina militar com foco em força de dissuasão, para viver em paz com as demais nações do mundo, proteger as reservas internacionais por meio da diversificação das relações monetárias, reduzindo a dependência de moedas hegemônicas.

A força do povo brasileiro na defesa da nação

O mais importante em apoio a essas medidas será revigorar a consciência nacional na sociedade. A imensa maioria dos brasileiros e brasileiras certamente se unirá em torno dos interesses nacionais e das instituições democráticas. Haverá aqueles que não se somem a esse movimento patriótico, mas o povo brasileiro não tolera traidores. Quaisquer que sejam as razões que alegam, eles não merecem respeito.

A lição histórica no Brasil é a de que quem mais defende a nação é seu povo. Como diz o trecho de Brasil Pandeiro, composta por Assis Valente: “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”.

Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.

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“O Brasil exige respeito e não cederá às pressões de Trump” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/lula-no-new-york-times.html

01 agosto 2025

Palavra de poeta

instantâneo
Cida Pedrosa 

a morte passou por aqui
conduzindo a agonia
 
a cama de vara
vara o sexo
 
olhos da moça
pendurados na parede
 
barro bonina
ofusca a lente
e treme a mão
 
rosto da moça
centado no sofá
 
meia janela meio dia todo sol
a dor em close faz a festa
 
[Ilustração: Márcio Camargo]

 
Leia também um poema de Conceição Evaristo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/palavra-de-poeta_24.html  

Editorial do 'Vermelho'

Governo Lula enfrenta com êxito ataque de Trump
Posição firme, respaldada por ampla convergência patriótica, enfrenta afronta à soberania nacional, mas confronto será duro e está apenas no começo
Editorial do 'Vermelho' www.vermelho.org.br   


 

A ordem executiva impondo ao Brasil tarifa de 50% assinada por Donald Trump, instrumento que dá ao presidente dos Estados Unidos poder de tomar decisão individual, é essencialmente uma farsa. Foi anunciada também a inclusão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, na lista de autoridades sancionadas pela Lei Global Magnitsky, que pune estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.

As medidas, divulgadas em 30 de agosto, são uma afronta à soberania nacional e aos princípios do direito internacional, um ataque à democracia e às instituições brasileiras. O próprio inspirador da Lei Global Magnitsky, Willian Browder, disse, em entrevista à BBC Brasil, que ela não foi criada para ser usada para vinganças políticas. “O uso atual da Lei Magnitsky é puramente político e não aborda as questões de direitos humanos para as quais ela foi originalmente elaborada. E, como tal, é um abuso das intenções da lei”, afirmou.

O Brasil é o país mais taxado, mesmo com uma lista de quase 700 exceções, que excluem 43% do valor de itens brasileiros exportados para os Estados Unidos. Escapam do tarifaço itens como derivados de petróleo, ferro-gusa, produtos de aviação civil e suco de laranja. Contudo, carnes, café e pescado não escaparam, bem como produtos do setor de máquinas e equipamentos.

A medida, originalmente marcada para esta sexta-feira, 1º de agosto, foi adiada para o dia 6 de agosto. Até lá pode haver mais mudanças. Apesar das exceções, a ordem de Trump é extremamente danosa à economia nacional. Afeta o desenvolvimento nacional, enfraquecendo empresas, quebrando cadeias produtivas e gerando desemprego.

As duas medidas também atestam, uma vez mais, que as tarifas têm motivação que vai muito além da esfera comercial. No caso da retaliação ao ministro Alexandre de Moraes, o que está em questão é o Poder Judiciário, que cumpre seu dever constitucional ao defender o Estado Democrático de Direito no julgamento, já em fase final, de Bolsonaro e seus cúmplices, implicados em graves delitos contra a ordem democrática e os interesses nacionais. Por isto, defender o STF, nesta hora, é uma tarefa  democrática, patriótica de primeira grandeza.

As razões de fundo desse ataque de Trump são a tentativa de reverter o declínio da hegemonia dos Estados Unidos diante do prestígio e da ascensão da China. O primeiro objetivo é impor domínio completo sobre os países da América Latina e Caribe. Para isso, o Brasil é peça-chave, pelo tamanho de sua economia e por sua importância geopolítica.

Trump planeja ter no Brasil um governo subserviente, vassalo, objetivo que tenta alcançar nas eleições de 2026. Desde que ele enviou, pela internet, carta ao presidente Lula, em 9 de julho, com suas alegações comerciais e políticas para justificar a taxação, os campos dos verdadeiros patriotas e dos traidores da pátria têm sido bem demarcados.

Bolsonaro e seu clã, o Partido Liberal (PL) – que abriga as principais lideranças políticas do golpismo e dos traidores da pátria – se desmascararam como base política de apoio aos ataques de Trump. Em particular, Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente de extrema-direita, que, de maneira escancarada, se apresenta como agente do presidente estadunidense. Uma espécie de metralhadora giratória contra seu próprio país. Por isto, deve ser cassado sem demora pela Câmara dos Deputados. E se por os pés em solo pátrio precisa ir direto à cadeia.

O governo do presidente Lula alcançou êxito parcial ao enfrentar as afrontas de Trump, mas a ofensiva vai além do seu recuo parcial. Lula demonstrou altivez e coragem política, atitude registrada na chamada de sua entrevista ao jornal The New York Times ao dizer que “ninguém desafia Trump como o presidente do Brasil”. “Tenham certeza de que estamos tratando isso com a máxima seriedade. Mas seriedade não exige subserviência”, disse o presidente brasileiro.

O governo tem adotado a tática acertada de unir, na defesa dos interesses do Brasil, um amplo leque econômico e político, as instituições, setores da imprensa, as organizações do povo e dos trabalhadores, com ações de esclarecimentos em pronunciamentos do presidente e em notas públicas. Na batalha da comunicação, tem se manifestado de forma a deixar nítida a verdade dos fatos.

Além do governo, partidos políticos, movimentos sociais e centrais sindicais têm assumido posições firmes e amplas. A iniciativa da União Nacional dos Estudantes (UNE) de convocar as manifestações deste 1º de agosto rapidamente teve adesão de outros setores populares – como a Frente Povo sem Medo e a Frente Brasil Popular –, numa jornada em defesa da soberania e da democracia no Brasil, com parte dos atos nas proximidades de consulados dos Estados Unidos. Com a história da República demonstra, o povo nas ruas coma bandeira brasileira nas mãos é fator decisivo neste tipo de confronto.

A ascensão desse amplo movimento de defesa dos interesses do país, com o governo Lula na liderança, cumprindo seu papel constitucional, aglutinando e movimentando os setores patrióticos, democráticos, populares, deve ser impulsionada e fortalecida. O Brasil precisará dessa força na evolução da luta.

Os êxitos do governo e da aliança patriótica devem ser ressaltados, mas o confronto será duro e longo, sobretudo pelos bons resultados das pesquisas em ralação à postura do presidente Lula. A batalha atual é apenas uma de muitas que virão. Daí a importância de seguir unindo e mobilizando o país. As jornadas deste 1º de agosto devem ser vistas como a largada dessa longa caminhada.

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Leia também: Para além do “economicismo governamental” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/minha-opiniao_5.html 

Minha opinião

A memória é por natureza criativa
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65 

Leio na CartaCapital resenha acerca de dois livros recentes sobre Karl Marx: 'O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos', de Marcello Musto e 'Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna', de Michael Heinrich.

Duas obras que trazem a nu fatos desconhecidos e ajudam a desfazer mitos em torno de Marx, segundo a avalia o repórter. 

Não li ainda os dois livros em tela.

Mas essa possibilidade de recolocação de acontecimentos relativos à vida do grande cientista político revolucionário me remete a uma entrevista televisiva com a escritora brasileira Nélida Piñon, a propósito do seu livro de memórias, 'Livro das horas'.

A certa altura, lhe peguntam se havia conseguido reconstituir fielmente fatos de sua vida pregressa, desde a infância e adolescência aos dias atuais. 

Sorrindo, ela reponde:

— A memória é por natureza criativa. Não se trata de reconstituir o passado exatamente como as coisas aconteceram, mas de revisitá-lo com o olhar de uma mulher madura, que chegou aos 75 anos.

Realmente, nossas relembranças são e sempre serão refeitas com o passar dos anos. A maturidade possibilita a releitura do passado colhendo novas impressões — sobre a História da sociedade humana e sobra a história particular de cada indivíduo. 

Nem precisa que seja uma existência complexa e tão marcante como a de Karl Marx.

Também de cada um de nós, em nosso semi-anonimato e no exercício de revisão da vida para consumo e aprendizado próprio. 

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Leia também uma crônica de Rubem Braga https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/uma-cronica-de-rubem-braga.html 

Postei nas redes

Trump ataca com tarifas a mais de 90 países e é mais agressivo contra o Brasil, a Síria, o Laos e Miamar. Esperneio tresloucado de superpotência decadente. 

Ronald Freitas: Soberania inegociável https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/ronald-freitas-opina.html 

Guerra cultural

Documentos expõem redes neoliberais dos EUA atuando na disputa de ideias no Brasil
Documentos do Instituto Hoover revelam estratégias de fundações e ONGs estrangeiras para influenciar movimentos e agendas políticas no país
Fábio Palácio/Portal Grabois www.grabois.org.br   

Os documentos do Instituto Hoover, a batalha de ideias e a avalanche neoliberal – Recentemente, a partir de entrevistas e reportagens veiculadas em seu canal no YouTube, o jornalista Bob Fernandes trouxe a público a existência de documentos que dariam prova do envolvimento de institutos liberais dos EUA na construção de narrativas que, ao longo dos últimos anos, ajudaram a deslegitimar o papel do Estado e fortalecer a perspectiva neoliberal em nosso país (1). No momento em que o trumpismo parte para o ataque contra a democracia e as instituições brasileiras, as revelações tiveram, por parte da grande mídia, menos atenção do que mereciam.

Segundo Fernandes, os documentos se encontram acondicionados na sede do Instituto Hoover, um centro de pesquisas de orientação liberal-conservadora localizado na Universidade Stanford, na Califórnia (EUA) (2). O material daria conta de uma rede de articulações envolvendo entidades privadas e públicas como Atlas Network (antiga Atlas Economic Research Foundation), National Endowment for Democracy e, ainda, a Usaid, agência do governo estadunidense voltada ao “desenvolvimento internacional”.

Trata-se de entidades com forte atuação global. Algumas delas têm reconhecida presença na órbita pós-soviética, onde influenciaram uma série de contrarrevoluções liberais e pró-ocidentais – comumente denominadas revoluções coloridas – no período que se seguiu à queda dos regimes do Leste Europeu. Os documentos mostram que essas agências e institutos teriam sedimentado relações com uma série de entidades do Brasil e de países vizinhos. A Atlas, em particular, coordenaria uma rede formada por cerca de 500 institutos, 121 deles só na América Latina.

Ainda segundo Fernandes, a primeira parceria da rede Atlas no Brasil teria sido com o Instituto Liberal do Rio de Janeiro, coordenado por Og Francisco Leme (colega do ex-ministro Paulo Guedes na Universidade de Chicago). São mencionados também, como parte dessas conexões, os institutos Mises e Millenium. A atuação dessas entidades na batalha de ideias teria tido repercussões nos eventos de junho de 2013, na ascensão da operação Lava Jato e, enfim, nas contrarreformas que se seguiram ao impeachment de Dilma Rousseff, com a ascensão de Michel Temer ao governo central da República.

A meu ver, os documentos do Instituto Hoover agregam fontes documentais e novas informações sobre um fenômeno que, no entanto, já era bem conhecido e documentado: a atuação de ONGs e think tanks dos EUA nas tormentas da luta de ideias.

No meu livro Sob o céu de junho: as manifestações de 2013 à luz do materialismo cultural (3) exponho, com base em fontes primárias e secundárias, a influência dessas organizações públicas e privadas no espaço pós-soviético, na dita “Primavera Árabe” e na América Latina.

Entre as fontes secundárias que menciono encontram-se estudos de acadêmicos norte-americanos que analisam, a partir de pesquisas empírico-comparativas, a ação dos EUA através de ONGs, fundações e institutos, em particular nos países da ex-União Soviética. O interessante é que esses autores, de inspiração funcionalista e ênfase liberal-normativa, enxergam os fatos sob uma ótica pretensamente “neutra” – na verdade, simpática à ação americana –, o que faz deles uma fonte de grande autenticidade (4). Seus trabalhos, orientados para a pesquisa aplicada, são pródigos na exposição de um grande volume de dados.

Menciono no livro a influência de organizações como Freedom House, National Endowment for Democracy (NED), International Republican Institute (IRI), National Democratic Institute for International Affairs (NDI) e Open Society – além, é claro, da célebre Usaid.

Falo também das articulações prévias que resultaram na fundação do Movimento Brasil Livre (MBL), um dos protagonistas do movimento “Fora Dilma!”. Alguns de seus fundadores tiveram atuação na ONG Estudantes pela Liberdade, filial brasileira da Students for Liberty. Essa entidade recebia financiamento dos irmãos Koch, donos de um dos maiores conglomerados empresariais dos EUA, com atuação principal nos setores de petróleo e gás (5). Nos documentos coligidos no Instituto Hoover, os Koch aparecem como um dos financiadores da Atlas Network (6).

Outro nome presente nos arquivos Hoover é o de Fábio Ostermann, ex-deputado estadual (Novo-RS) e figura-chave na fundação do MBL. Em entrevista concedida ao projeto de pesquisa que resultou no livro Sob o céu de junho (7), Renan Santos, atual dirigente do MBL, afirma: “O nome Movimento Brasil Livre foi criado pelo Fábio Ostermann, originalmente em 2013, e eu acho que ele pensou numa brincadeira ali com o MPL [Movimento Passe Livre], né?”.

No verbete da Wikipedia dedicado a Ostermann, lê-se que foi “fellow na Atlas Economic Research Foundation” (8). Um dos documentos revelados por Bob Fernandes traz uma espécie de check-list de tarefas em que se lê: “Follow up with Fabio about Students for Liberty” (“Dar seguimento às conversas com Fábio sobre a Estudantes pela Liberdade”, em tradução livre).

Não cabe repetir, neste artigo breve, outros detalhes que já constam do livro. Limito-me a reforçar a ideia de que a atividade dessas organizações tem grande eficácia na modelagem da atmosfera cultural, interferindo na formação de percepções e preferências. Seu papel é fomentar um imaginário capaz de favorecer as soluções de interesse das plutocracias que governam o sistema. Um autor como Bob Jessop, argumentando desde a perspectiva do materialismo cultural, sustenta que “imaginários econômicos relativamente bem-sucedidos dispõem de sua própria força performativa e constitutiva no mundo material” (9). É aí que entra o papel da ação civil transnacional.

As novas revelações agregam evidência à concepção de que as ideias não brotam espontaneamente (como, aliás, já insistiam Antonio Gramsci e Raymond Williams, entre outros). Ao contrário, são fruto de dinâmicas materiais e iniciativas deliberadas que incluem esforços de distintas naturezas: não apenas pressões militares e diplomáticas, não apenas financiamento direto e indireto, mas também intrincadas colaborações transnacionais, experiências de difusão cultural e ideológica, formação de quadros e mobilização da opinião pública interna e internacional.

Essas formas de atuação e colaboração – que, em sua complexidade própria, se entrelaçam e reforçam mutuamente – confirmam o impacto das relações internacionais sobre o jogo interno das forças políticas em dado país. Mesmo em um tempo de menor exuberância na ecologia de organizações com atuação global, essa tendência já era notada por um autor como Gramsci. Em seus Cadernos do Cárcere, o marxista italiano afirma:

“É necessário […] levar em conta que a essas relações internas de um Estado-nação se entrelaçam as relações internacionais, criando novas combinações originais e historicamente concretas. Uma ideologia nascida em um país mais desenvolvido se difunde em países menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinações. (A religião, por exemplo, sempre foi uma fonte de tais combinações ideológico-políticas nacionais e internacionais, e, com as religiões, as outras formações internacionais, a maçonaria, o Rotary Club, os judeus, a diplomacia de carreira, que sugerem expedientes políticos de origem histórica e as fazem triunfar em determinados países, funcionando como partido político internacional que opera em cada nação com todas as suas forças internacio nais concentradas […]) (10).

Por fim, creio ser necessário separar o que é material do Instituto Hoover do que são interpretações do jornalista Bob Fernandes. Não creio, por exemplo, que os documentos em si mesmos autorizem a ver os acontecimentos de 2013 como simples resultado de uma “agenda imposta de fora”. Interpreto de outra forma: as manifestações foram a resultante de uma complexa interação entre a “agenda imposta de fora” e a dinâmica própria da vida associativa brasileira, perpassada por estruturas de mobilização ligadas também às forças contra-hegemônicas.

A meu ver, se não se parte dessa orientação teórica – que extraio, em última instância, da obra gramsciana –, não se consegue entender toda a primeira fase do junho de 2013, comandada pelo Movimento Passe Livre. Pensando bem, não se consegue entender o caráter volátil e movediço do movimento como um todo.

Fábio Palácio é jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão. É também membro do Conselho Diretor da Fundação Maurício Grabois e editor da revista Princípios (Qualis A3).

Notas

  1. Cf. FERNANDES, Bob. Exclusivo, documentos: como instituições dos EUA articularam/financiaram avanço neoliberal no BrasilCanal Bob Fernandes. YouTube, 14 jul. 2025. 1 vídeo (1h04m).

  2. Ao contrário do que se poderia pensar, o nome do Instituto não faz referência a Edgar Hoover, diretor do FBI de 1924 a 1972 (não há erro na data: ele realmente foi diretor por quase 50 anos!), nome ligado ao macarthismo e conhecido por sua atuação contra comunistas, democratas e ativistas de movimentos civis. O Instituto deve seu nome, na verdade, ao empresário e ex-presidente dos Estados Unidos, o republicano Herbert Hoover (1874-1964), que fundou a entidade com o objetivo inicial de coletar documentos sobre a Primeira Guerra Mundial.

  3. PALÁCIO, Fábio. Sob o céu de Junho: as manifestações de 2013 à luz do materialismo cultural. São Paulo: Autonomia Literária, 2023.

  4. Cf. BEISSINGER, Mark R. Structure and example in modular political phenomena: the diffusion of Bulldozer/Rose/Orange/Tulip Revolutions. Perspectives on Politics, Cambridge, v. 5, n. 2, June 2007.
    BUNCE, Valerie J.; WOLCHIK, Sharon L. Favorable conditions and electoral revolutions. Journal of Democracy, Washington, DC, v. 17, n. 4, p. 5-18, October 2006.
    BUNCE, Valerie J.; WOLCHIK, Sharon L. International diffusion and postcommunist electoral revolutions. Communist and Post-Communist Studies, California, v. 39, n. 3, p. 283-304, October 2006.
    FAIRBANKS, Charles H. Georgia’s Rose Revolution. Journal of Democracy, Washington, DC, v. 15, n. 2, April 2004.

  5. A corporação, interessada no pré-sal brasileiro, é famosa nos EUA por escândalos diversos, incluindo compra de votos e extração ilegal de petróleo em terras indígenas. A fim de assegurar seus interesses, os irmãos Koch “gastaram centenas de milhões em financiamentos de campanhas de candidatos extremistas hostis aos impostos, aos direitos sindicais e a qualquer tipo de controle de emissões de gases de efeito estufa”. Cf. MOLINA, Antonio Muñoz. Irmãos Koch, os donos do mundo. El País, 23 set. 2019.

  6. Segundo Bob Fernandes, Alejandro Chafuen, ex-presidente da Atlas, era também acionista da Exxon Mobil.

  7. Refiro-me ao projeto “Nas redes e nas ruas: o ciberativismo à luz do materialismo cultural”, desenvolvido sob nossa coordenação na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema).

  8. FÁBIO OSTERMANN. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2024.

  9. JESSOP, Bob. Análise semiótica crítica e economia política cultural. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, set. 2010. p. 201.

  10. GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere: edizione critica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino Gerratana. 2. ed. Torino: Giulio Einaudi Editore, 1977. Volume terzo (quaderni 12-29), p. 1585. Tradução nossa. 

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Palavra de poeta

ECOS DE PASSEATA
Chico de Assis 
 
Nas ruas cercadas
vozes de História nova
fizeram-se pré-históricos 
grunhidos selvagens.
 
E distantes do tempo 
se perderam 
no ermo ocupado
de marrom e azul. 
 
Quando o furacão 
de braços de madeira
restaurou o silêncio. 
 
Quando sob as patas dos cavalos
rolaram trapos de papel:
era a Lei!
 
Leia também: 'Publicação do corpo', um poema de Alberto da Cunha Melo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/palavra-de-poeta_6.html

Enio Lins opina

Golpe como estratégia, tática e fardamento do mau militar
Enio Lins  

MARCELO GODOY , jornalista e escritor, vencedor dos prêmios Jabuti e Sérgio Buarque de Holanda, publicou em sua coluna no Estadão, há três dias, um contundente artigo intitulado “A 'rataria' quer envolver o Exército na trama do golpe”, tendo como bigode: “Oficiais tentam constranger generais do Alto-Comando com o objetivo de colocar a Força Terrestre no banco dos réus”. Não alvo!

ANALISA CORRETAMENTE , o jornalista, ação e evidência ocorridas no Supremo Tribunal Federal, quando dois militares, ambos tenentes-coronéis, valeram-se fardados para prestar depoimentos sobre uma tentativa de golpe. Incontinenti, o Ministro Alexandre de Moraes – ele mesmo, o terror dos golpistas – determinou que a dupla vestisse trajes civis para serem ouvidos pela Justiça na condição de réus. As fardas, indevidamente envergadas nessas situações, declararam algo traiçoeiro e de tradição nefasta.

"TENTAR LEVAR A CRISE
 para o CIE (Centro de Inteligência do Exército) é tudo o que os réus desejam. Seria comprometer não só o então comandante do Exército, general Freire Gomes, mas o seu entorno. Eis porque a 'rataria' queria depor com uniforme. Não por outra razão, Moraes determinou que os réus não puderam vestir uma farda. 'A acusação é evidente contra os militares, não contra o Exército'. O ministro pode ser chamado de muitas coisas, menos de ingênuo”. Essa é a descrição correta, feita por Godoy sobre o episódio.

USAR O ESPÍRITO DE CORPO
 é coisa do espírito de porco. E não apenas militares lançam mão dessa estratégia cínico: ao ser pego numa falcatrua, o meliante infla o peito e brada: “minha categoria não faz isso!” – pronto, o delinquente empurra a conta de sua delinquência individual para o lombo do coletivo do que faz parte, apostado que o grupo, a instituição, reaja a seu favor. A manobra, velha e solerte, é mais ou menos assim: suponha que o covarde que massacrou a namorada com mais de 60 (sessenta) socos, em Natal/RN, se apresenta vestido com o uniforme de atleta e brade: “Jogador de basquete não agride uma mulher!! – quem joga basquete iria ter solidariedade com aquela canalha?

SEGUE GODOY:
 "As versões dos réus estão cheias de pérolas, como dizer que a reunião na casa do general Walter Braga Neto e aconteceu por acaso ou que o plano para matar 
Alexandre de Moraes  foi impresso em três vias, mas só para o general  Mário Fernandes  ler. Isso mesmo: três vias, mas apenas para os olhos do general". Já no primeiro parágrafo, o analista identifica a marmota: "Os réus apareceram fardados. E quis trazer para o processo da trama golpista os generais Alcides Valeriano de Faria Júnior e Luiz Gonzaga Viana Filho. O primeiro comandava a 6.ª Divisão (6.ª DE) e o outro, o Centro de Inteligência do Exército (CIE) nas messes que antecederam a intentona bolsonarista de 8 de janeiro de 2023. Ambos ganharam a quarta estrela última na messes que antecederam a intentona bolsonarista de 8 de janeiro de 2023. promoção decidida pelo Alto-Comando da Força”. Ou seja: procurou puxar para a fossa oficiais que não participaram da armação golpista como forma de embaralhar o processo e “sensibilizar” a tropa.

VIVA O BRASIL
 um momento de grande relevância histórica, um divisor de águas pela gigantesca novidade de apurar e punir uma tentativa de golpe de Estado que envolve militares da ativa e civis do que deveria ser uma elite nacional. É um exemplo para o mundo. E, justiça seja feita: até agora o militar eficaz tem desarmado todas as tentativas da banda podre, minoria vicada, como se viu no 8 de janeiro. Um grande exemplo de cidadania e profissionalismo. Ah, sim: esse é mais um fator que desagrada, exaspera, toda uma linhagem de autocratas estrangeiros, como Trump, que sempre tiveram na subserviência da minoria fardada golpista o principal ponto de apoio para a destruição das democracias alheias e subversão da independência das nações.

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Palavra certeira https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/minha-opiniao_21.html 

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Tirando suco, celulose, madeira, castanha, cordéis de sisal e fertilizantes o agronegócio brasileiro é duramente atingido pelo tarifaço de Trump. Desserviço da extrema direita a um setor que lhe é simpático. Tiro contra o Brasil e no próprio pé. 

Terras raras: EUA precisam do Brasil https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/terras-raras-eua-x-brasil.html

IA & especulação financeira

Inteligência Artificial: A nova bolha financeira
Com a promessa de enxugar mão de obra e disparar produtividade, nova tecnologia turbina Wall Street. Mas investimentos são colossais; e lucros, raquíticos. Se as expectativas de ganho não se realizarem, consequências financeiras e econômicas serão desastrosas
Michael Roberts, com tradução em A Terra é Redonda/Outras Palavras  

1.

As ações das “sete magníficas” – NVIDIA, Microsoft, Alphabet (Google), Apple, Meta, Tesla e Amazon – representam agora cerca de 35% do valor do mercado acionário nos EUA; ademais, o valor de mercado da NVIDIA representa cerca de 19% do conjunto dessas sete elencadas. O S&P 500 nunca esteve tão concentrado em uma única ação como hoje, pois as ações da Nvidia representam cerca de 8% do índice S&P.
...
Este mercado acionário, portanto, encontra-se extremamente concentrado; e ele atingiu agora, impulsionado que está por apenas essas sete ações, níveis recordes. A Nvidia, em particular, como bem se sabe, é crucial na malha produtiva do capitalismo; trata-se da empresa que fabrica os processadores necessários para as empresas de Inteligência artificial desenvolverem os seus modelos. 

Se o crescimento da receita da Nvidia se reduzir, isso colocará uma enorme pressão descendente sobre os preços das ações nesse mercado, já que eles se encontram em níveis altíssimos. Como disse Torsten Slok, economista-chefe de uma das maiores instituições de investimento: “A diferença entre a bolha de TI [tecnologia da informação] na década de 1990 e a bolha de IA [inteligência artificial] é que as 10 maiores empresas do S&P 500 hoje estão mais supervalorizadas do que na década de 1990”.

Há, portanto, uma enorme bolha no setor de Inteligência artificial e ela é formada por capital fictício, ou seja, por meros direitos de saque sem contrapartida imediata de geração de valor. É de se esperar que tais direitos sejam de fato realizados, seja por meio das receitas seja por meio dos lucros gerados – fator decisivo – no âmbito dessas empresas?

Até o final deste ano, o conjunto das empresas formado por Meta, Amazon, Microsoft, Google e Tesla terá gastado nos últimos dois anos mais de US$ 560 bilhões em investimento em IA; contudo, elas acumularam receitas que montam apenas algo em torno de US$ 35 bilhões. A Amazon planeja gastar US$ 105 bilhões em despesas de capital este ano, mas obterá receitas de apenas US$ 5 bilhões. E as receitas, como se sabe, não são lucro, pois medem a obtenção de ganhos antes dos custos operacionais que advém com a prestação de serviços.

O investimento total em Inteligência artificial soma agora, em 2025, US$ 332 bilhões; assim, as despesas de capital neste ano parecem grandes demais diante de receitas previstas, as quais montam apenas US$ 28,7 bilhões. O investimento planejado em enormes centros de dados (data centers), os quais são necessários para treinar os modelos de Inteligência artificial e para ofertar depois os seus serviços deve chegar a US$ 1 trilhão até o final da década.  

Ora, se alguma das “sete magníficas” começar a temer o futuro já que está gastando muito em relação às receitas e lucros previstos; se ela, por isso, vier a reduzir as suas compras de chips de processamento, o preço das ações da Nvidia pode cair rapidamente, levando os preços das outras seis também para baixo; com eles caindo, cairão os preços das ações em geral.

2.

Os retornos esperados de receita sobre esse enorme investimento de capital se materializarão com alta probabilidade? O chefe de pesquisa sobre o mercado acionário da Goldman Sachs, Jim Covello, fez essa pergunta: será que as empresas que planejam investir US$ 1 trilhão na construção de IA generativa verão algum dia os retornos desses investimentos? Ao mesmo tempo, um sócio da empresa de capital de risco Sequoia estimou que as empresas de tecnologia precisavam gerar US$ 600 bilhões em receita extra para justificar os seus gastos extras de capital somente em 2024 – cerca de seis vezes mais do que provavelmente poderão obter.

Considere-se o conhecido ChatGPT. Ele tem, supostamente, 500 milhões de usuários ativos semanais – mas, na última contagem feita, apenas 15,5 milhões dentre eles são assinantes pagantes; ora, isso representa uma taxa de conversão de apenas 3%. Embora um número crescente de pessoas agora use programas de Inteligência artificial, apenas um pequeno número está pagando pelo serviço que usam. Uma pesquisa com 5.000 adultos americanos, feita pela Menlo Ventures, constatou que eles geram uma receita anual de apenas US$ 12 bilhões – o que é pouco, muito pouco. 

Quando se considera os lucros obtidos com Inteligência artificial, a situação se afigura ainda pior. Os resultados anuais de crescimento dos lucros das “big tech” têm se mantido estáveis ou em desaceleração nos últimos trimestres, podendo desacelerar ainda mais em 2025 e 2026.

Trata-se, portanto, de um enorme volume de investimento, ou seja, de muito dinheiro que está sendo aplicado, seja nos pagamentos astronômicos para treinar os programas de Inteligência artificial, seja na construção de enormes centros de dados. A lógica de desenvolvimento infinito do capital está, sim, levando o mercado de ações a novos patamares. Contudo, até agora, não surgiram receitas significativas que pudessem gerar lucros significativos. Está-se diante da repetição da bolha dot.com da segunda metade dos anos 1990, com esteroides.

Mesmo em face dessa bolha, isso não significa que não vá surgir, eventualmente, uma nova tecnologia “disruptiva” que mude radicalmente a fronteira da produtividade nas principais economias e, assim, venha proporcionar um novo período de crescimento. A bolha dot.com estourou finalmente no ano 2000 com uma queda maciça nos preços do mercado de ações, mas a internet se espalhou por todos os setores da economia e por todos os lares – foi assim, aliás, que surgiram as “sete magníficas” de hoje.

Considere-se um outro exemplo, agora do século XIX. Durante a década de 1840, ocorreu o que foi chamado de “mania ferroviária”. Eis que, então, muitas empresas levantaram fundos para investir na construção de linhas ferroviárias em toda a Grã-Bretanha. As ações ferroviárias dispararam; os preços de suas ações dobraram em 18 meses a partir de 1843.

Mas depois da inflação da bolha veio o seu estouro, que aconteceu em 1845. Muitas empresas faliram e os preços das ações caíram pela metade. Isso desencadeou uma crise financeira generalizada e uma queda na produção. No entanto, as ferrovias foram construídas, os custos de transporte caíram drasticamente e a demanda por viagens se expandiu fortemente. A Grã-Bretanha entrou em um boom econômico na década de 1850.

3.

A bolha da Inteligência artificial seguirá o mesmo caminho? Ela produzirá um colapso financeiro e uma crise, fornecendo eventualmente a base para um novo surto de crescimento da produtividade? Em postagem anteriores, mostrei que há um certo ceticismo sobre os benefícios em termos de aumento da produtividade devido ao uso de Inteligência artificial.

E ele vem de especialistas reconhecidos, em particular, do ganhador do prêmio Nobel, Daren Acemoglu, assim como de outros autores. Em um recente relatório da OCDE sobre o crescimento da produtividade nas principais economias, foi jogada água fria sobre o impacto da rede de computadores no aumento do crescimento da produtividade nos últimos 25 anos.

Eis o que diz esse relatório da OCDE: “Ao longo do último meio século, enchemos escritórios e bolsos com computadores cada vez mais rápidos, mas o crescimento da produtividade do trabalho nas economias avançadas desacelerou de cerca de 2% ao ano, observado na década de 1990, para cerca de 0,8%, verificado na última década. Até mesmo a produção por trabalhador da C hina, antes crescente, estagnou”. Até mesmo a produtividade da pesquisa caiu; pode ser curioso, mas calcula-se que o cientista médio agora produz menos ideias inovadoras por dólar do que sua contraparte dos anos 1960.

O crescimento da produtividade do trabalho tem apresentado uma tendência decrescente desde a década de 1970 em toda a OCDE; ademais, ele se enfraqueceu ainda mais desde a virada do século. Nos EUA, a produtividade aumentou de meados da década de 1990 a meados da década de 2000 devido ao aumento da eficiência na produção devido aos equipamentos dotados com tecnologia de informação e comunicação (TIC), assim como devido à difusão de inovações relacionadas à Internet principalmente no comércio varejista. No entanto, essa recuperação – diz o relatório mencionado – foi relativamente curta e o crescimento da produtividade desde então tem sido medíocre.”
...
O fator-chave que aumenta de fato a produtividade do trabalho é o investimento em novas tecnologias que economizam trabalho. Mas o investimento empresarial desacelerou acentuadamente em todos os países. E a OCDE deixou claro o porquê. A “desaceleração do investimento, apesar do crédito prontamente disponível e barato para empresas com acesso aos mercados de capitais, está em linha com os padrões históricos que mostram que a incerteza e os lucros esperados tendem a desempenhar um papel maior do que as condições financeiras nas decisões de investimento”. Em outras palavras, a lucratividade do capital diminuiu, reduzindo o incentivo para investir em novas tecnologias. 

4.

Sabe-se que os chamados “intangíveis”, como o investimento em software, não compensaram o declínio no investimento em instalações, equipamentos etc. “Apesar do aumento dos intangíveis, o investimento total desde a crise de 2007-08 tem sido fraco em geral; isso impactou diretamente na desaceleração do aumento da produtividade do trabalho” – diz o relatório.

É de se esperar que a coisa possa ser diferente com os investimentos em Inteligência artificial? Pode essa tecnologia propiciar um aumento da produtividade importante quando chegar às empresas? Elas irão eventualmente substituir milhões de trabalhadores em todos os países por ferramentas de Inteligência artificial? O problema aqui é que os milagres econômicos geralmente resultam da descoberta – eles não provêm apenas da repetição de tarefas em maior velocidade. Até agora, a Inteligência artificial tem aumentado principalmente a eficiência reprodutiva, mas não a criatividade.

Uma pesquisa com mais de 7.000 trabalhadores do conhecimento descobriu que usuários pesados de Inteligência artificial generativa reduziram as tarefas semanais de e-mail em 3,6 horas (31%), enquanto o trabalho colaborativo permaneceu inalterado. Mas uma vez que todos delegaram respostas de e-mail ao ChatGPT, o volume da caixa de entrada se expandiu, anulando os ganhos iniciais de eficiência. “O breve ressurgimento da produtividade nos Estados Unidos na década de 1990 ensina que os ganhos de novas ferramentas, sejam planilhas ou agentes de Inteligência artificial, desaparecem, a menos que sejam acompanhados por inovações revolucionárias.” (OCDE).

Os grandes modelos de linguagem costumam reproduzir um consenso obtido estatisticamente. Um modelo treinado antes de Galileu teria papagueado as características motoras de um universo geocêntrico; se fossem alimentados com textos do século XIX, ele teria mostrado que voar era algo impossível para os humanos. E teria sido surpreendido por Santos Dumont e pelos irmãos Wright, os quais mostraram que esses bípedes podiam voar nas asas de aeroplanos.

Um artigo recente na revista Nature descobriu que, embora os “grandes modelos de linguagem, conhecidos como LLMs, possam aliviar a carga das tarefas científicas rotineiras, os saltos decisivos não acontecem sem a atuação dos humanos. A cognição humana é mais bem-conceituada como uma forma de raciocínio causal baseado em teoria; a Inteligência artificial, por seu turno, está baseada no processamento de informações e na previsão repetitiva que vem dos dados acumulados.

A Inteligência artificial aborda o conhecimento de um modo que se baseia em probabilidade e é amplamente voltado para o passado – esse modo é simplemente imitativo –, enquanto a cognição humana volta-se para o futuro e, por isso, é capaz de gerar novidades genuínas.

O santo graal da OpenAI e de outras empresas desse ramo vem a ser, supostamente, uma Inteligência artificial generativa superinteligente que seria capaz de produzir inovações como os humanos. Até agora, isso permanece tão mítico quanto o Santo Graal original. A inteligência artificial generativa pode fazer apenas descobertas incrementais; ela não pode fazer descobertas fundamentais a partir do zero, tal como os humanos.

Mas o guru da OpenAI, Sam Altman, prometeu que sua Inteligência artificial seria capaz de fazer não apenas o trabalho de trabalhadores isolados, mas de fazer todos os trabalhos coletivos que ocorrem numa empresa: “A IA pode fazer o trabalho de uma organização” – disse ele. As empresas obteriam, assim, o máximo de lucratividade possível? Isso supostamente aconteceria com a eliminação de todos os trabalhadores das empresas (até mesmo aqueles das próprias empresas de IA?), à medida que as máquinas de Inteligência artificial assumissem a operação, o desenvolvimento e o marketing e assim por diante?

É como base nessa crença que Altman e os outros magnatas da Inteligência artificial não param de construir novos centros de dados, de desenvolver chips cada vez mais avançados, de investir nesse “negócio da China”. Mesmo se os modelos chineses de Inteligência artificial, como o DeepSeek, minaram as perspectivas de sucesso dos modelos que estão sendo criados no Ocidente. Tais capitalistas excitados julgam que nada pode impedir o objetivo de alcançar uma Inteligência artificial superinteligente.

Infelizmente para eles, como explicam os especialistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), muitos modelos de Inteligência artificial são caixas pretas notórias. E isso significa que, embora um algoritmo possa produzir uma saída útil, não está claro para os pesquisadores como ele realmente chegou aos resultados.

Isso é bem sabido faz anos: os sistemas de Inteligência artificial muitas vezes desafiam os modelos teóricos não algorítmicos. Dito de outro modo, aqueles que treinam os modelos de Inteligência artificial não sabem realmente como eles funcionam. Esse parece ser grande obstáculo para alcançar o Santo Graal.

Portanto, o boom da Inteligência artificial por enquanto não passa de uma bolha financeira. Note-se, então, o que um comentarista pessimista apontou: “A Inteligência artificial generativa não faz as coisas que estão sendo vendidas. As coisas que ela pode realmente fazer não são aquelas que criam retornos para os negócios, que automatizam o trabalho; na verdade, ela não faz muito mais do que é feito por uma plataforma de software em nuvem. Os usuários comparecem, mas os retornos não estão aparecendo, de tal modo que todas as empresas do ramo parecem estar perdendo dinheiro; algumas empresas perdem tanto dinheiro que é impossível dizer que elas sobreviverão.”

Enquanto isso, a construção massiva de centros de dados está consumindo níveis de energia sem precedentes. A Agência Internacional de Energia prevê que o consumo de eletricidade por tais centros dobrará para 945 terawatts-hora até 2030 – e isso é mais do que a energia atual usada por um país inteiro como o Japão.

A Irlanda e a Holanda já restringiram o desenvolvimento de novos centros de dados devido às preocupações sobre seu impacto na rede elétrica. Há já agora grandes aumentos na demanda de energia no treinamento de modelos de Inteligência artificial. E isso ocorre junto com um fornecimento de energia renovável que supre, mas também ameaça a resiliência e a capacidade dos sistemas de energia atuais. 

Quanto aos resultados de produtividade e crescimento, a OCDE faz alguma aposta. Se as tecnologias de IA se espalharem e forem implementadas no âmbito das empresas, a OCDE calcula que a produtividade global do trabalho aumentará 2,4% nos próximos dez anos e adicionará 4% ao PIB mundial além das tendências atuais.

No entanto, se a Inteligência artificial não for tão bem-sucedida na redução da necessidade de trabalho humano e não se espalhar para todos os setores, a produtividade do trabalho poderá aumentar apenas 0,8% acima do nível de tendência atual em dez anos (dos atuais 0,8% ao ano) e o crescimento econômico mundial permanecerá inalterado.

Enquanto isso não acontece, fica-se também na expectativa do estouro da bolha que está sendo inflada pelo investimento em inteligência artificial.

Michael Roberts é economista. Autor, entre outros livros, de Capitalism in the 21st Century: Through the Prism of Value (Pluto Press).

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente em The next recession blog.

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